Daqui a pouco mais de três semanas, Donald Trump assume o governo dos Estados Unidos com a cabeça cheia de propósitos ainda piores e mais assustadores que os de seu governo anterior. Oficialmente, ele será apenas Presidente dos Estados Unidos, mas, desde a eleição, se comporta como se fosse também uma espécie de Imperador das três Américas.
Trump já agrediu seus vizinhos imediatos, ao norte e ao sul, o Canadá e o México, sugerindo que se convertam em novos Estados dos Estados Unidos, abdicando de sua independência e soberania. E, ainda de olho no Hemisfério Norte, anunciou a intenção de comprar a Groenlândia, nos confins do Atlântico Americano e já no Oceano Glacial Ártico, e de retomar o controle e a posse do Canal do Panamá.
Quanto ao Hemisfério Sul, que também não deixaria sossegado, Trump já ameaçou duas vezes o Brasil com seu arrastão tarifário: primeiro como integrante dos BRICS e, em seguida, como parceiro da Índia em matéria de um suposto protecionismo. E vem tratando a Argentina de Milei como uma colônia obediente e ansiosa por concordar com tudo.
De todos esses casos, o mais perigoso é o do Canal do Panamá, por sua importância estratégica, e o segundo mais potencialmente preocupante é o da Groenlândia, que há seiscentos anos pertence à Dinamarca, e cujo governo reiteradas vezes já afirmou não estar disposto a vender. Porém, a Groenlândia é hoje uma região semiautônoma, com seu próprio primeiro-ministro, e tem o direito de se declarar independente.
Como a Groenlândia tem apenas 56 mil habitantes, não seria difícil para Trump, com a ajuda do X de Elon Musk, provocar e vencer um plebiscito pela independência e, em seguida, estabelecer nela um governo tão dócil quanto o de Milei – até porque os Estados Unidos já têm lá uma base militar. Mas isso é uma hipótese para o futuro, caso os avanços comerciais e econômicos da China cheguem a parecer a Trump que alcançam a Groenlândia, cujo sobrevoo faz parte da quase totalidade das rotas aéreas entre a Europa e os Estados Unidos.
A mesma preocupação com a China explica o caso do Canal do Panamá. Ainda nos últimos dias, em plena semana das festas de fim de ano, Trump declarou que soldados chineses estão operando o Canal. A presença estrangeira que o governo do Panamá reconhece na região é apenas a da multinacional Hutchinson, com sede nas Ilhas Cayman e centro operacional em Hong Kong.
Mas a China é o segundo país que mais utiliza o Canal, atrás apenas dos Estados Unidos, e a Hutchinson opera os portos que existem nas duas extremidades do Canal, no Atlântico e no Pacífico. Para Trump, isso pode ser visto como a ponta de lança de interesses geopolíticos do governo da China num entroncamento tão nevrálgico do comércio internacional. Daí a denunciar a presença de soldados chineses na operação do Canal é um passo tão fácil como foi, na campanha presidencial, Trump disseminar, sempre com apoio do X, que imigrantes haitianos estavam comendo os animais de estimação dos habitantes americanos da cidade de Springfield.
A sombra que Trump projeta sobre as três Américas também cobre, é claro, os Estados Unidos, para os quais ele tem planos de execução imediata, como a expulsão de milhões de imigrantes ilegais, sempre que necessário separando pais e filhos, marido e mulher. A linguagem de Trump, se comparada com a de Hitler há quase um século, talvez seja carregada de igual intensidade de ódio. E, como Hitler, ele vai conseguir muita coisa apenas no grito. Mas muita coisa vai exigir ação – e ele está disposto a isso.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.
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