26 anos após “Central do Brasil”, filme de Walter Salles dá nova esperança ao país
Não é todo dia que a gente estreia uma coluna de cultura com a notícia (ainda fresca) da vitória de uma brasileira no Globo de Ouro de melhor atriz. Impossível, portanto, falar de outra coisa. A indicação de Fernanda Torres já era um feito extraordinário, igualando as nomeações de Fernanda Montenegro, Wagner Moura e Sônia Braga em outros anos. A diferença é que nenhum deles havia vencido. Torres é a primeira artista brasileira a conquistar a premiação em mais de 80 anos de Globo de Ouro – e concorrendo com gente do quilate de Nicole Kidman, Angelina Jolie, Kate Winslet, Tilda Swinton e Pamela Anderson. Vê-la naquele mosaico da transmissão ao lado dessas cinco mulheres dá um orgulho danado.
O prêmio internacional, no entanto, não é uma novidade para essa carioca de 59 anos. Nem todo mundo lembra, mas ela foi laureada, aos 21 anos, como melhor atriz no Festival de Cannes, em 1986, por sua atuação em Eu sei que vou te amar, filme do falecido jornalista e cineasta Arnaldo Jabor. Agora, 39 anos depois, com esse Globo de Ouro na estante, ela entra definitivamente na briga não apenas para estar entre as cinco indicadas ao Oscar, mas também para levar para casa a estatueta que sua mãe acabou perdendo, em 1999, para a americana Gwyneth Paltrow – injustamente, diga-se.
A vitória da brasileira aumenta muito a nossa expectativa e esperança, mas é sempre bom ponderar que os júris do Globo de Ouro e do Oscar são completamente diferentes. Enquanto o primeiro comporta jornalistas estrangeiros de 85 países que trabalham cobrindo o que acontece em Hollywood, o segundo é composto por representantes da própria indústria, como diretores, produtores e, principalmente, atores e atrizes. E, vale lembrar, mesmo a Academia tendo apostado na diversidade nos últimos anos, o Oscar ainda é uma premiação eminentemente americana. E eles prezam por isso. Ademais, no Globo de Ouro, o prêmio por atuação é dividido em filmes de drama e comédia ou musical – e são seis indicados por categoria, ao invés dos habituais cinco do Oscar. Ou seja, além das gigantes citadas no primeiro parágrafo, Fernanda está concorrendo também com atrizes como Amy Adams, Demi Moore, Cynthia Erivo, Mikey Madison, Zendaya e Karla Sofía Gascón. O sarrafo está ainda mais alto.
A espanhola Karla Sofía Gascón, por sinal, é a protagonista da produção que parece ser a pedra no sapato de Ainda Estou Aqui. O francês Emilia Pérez, dirigido por Jacques Audiard, foi o filme de comédia ou musical com mais indicações na história do Globo de Ouro (10), à frente do recente fenômeno Barbie. Acabou levando “apenas” quatro prêmios na noite de domingo, entre eles o de melhor filme estrangeiro, justamente a categoria em que esperamos ver o longa de Walter Salles concorrendo no Oscar. Ele está entre os 15 semifinalistas, mas a lista final dos cinco só sai no dia 17 de janeiro – e Emilia Pérez certamente estará lá. A ótima campanha de divulgação de Ainda Estou Aqui nos últimos meses, na Europa e nos EUA, nos faz acreditar que a produção brasileira será também uma das finalistas. No atual cenário, entretanto, não há como negar que o filme de Jacques Audiard larga na frente.
Infelizmente, a gente só vai conseguir ver Emilia Pérez em fevereiro, quando a produção chega ao Brasil com distribuição da Netflix. O longa, falado em espanhol, se passa no México e conta a história de um traficante que passa pela transição de gênero e assume uma nova identidade como mulher. Ela é interpretada por Karla Sofía Gascón, que foi a primeira mulher trans a ganhar o prêmio de melhor atuação feminina no Festival de Cannes no ano passado.
Mas, independente do que vier a acontecer no dia 2 de março, no Dolby Theatre, em Los Angeles, Walter Salles já conseguiu o mais importante. Vinte e seis anos depois de seu Central do Brasil, o cineasta colocou o País novamente no mapa do cinema mundial, presente com autoridade nos principais festivais do mundo. Mais do que isso: a fortíssima mensagem do filme está chegando a milhões de pessoas – assim como a luta, a dignidade e a fortaleza inquebrantável de Eunice Paiva, uma mulher que batalhou por décadas para que o Estado reconhecesse a morte cruel de seu marido.
Nos tempos atuais, é sempre bom a gente reforçar o que parece óbvio. Ainda Estou Aqui faz isso com maestria, mas Waltinho e Fernanda vão além. A sensibilidade de ambos e a maneira com que se posicionam, sem afetação, diante da mídia de todo o mundo, nos fazem pensar que eles sabem exatamente aonde querem chegar. E, por isso, merecem todo esse sucesso.
Só no Brasil, foram mais de 3 milhões de espectadores até agora – a maior bilheteria pós-pandemia – e esse número vai aumentando gradativamente de acordo com o bom resultado das premiações no exterior. Ainda temos os prêmios dos sindicatos das categorias: dos Atores (SAG); dos Diretores da América (DGA); dos Roteiristas de Hollywood (WGA); dos Produtores dos EUA (PGA) e o da Academia Britânica de Cinema (Bafta).
Ainda Estou Aqui tem longos dois meses pela frente antes do Oscar e, claro, estamos torcendo para que venham mais prêmios. Mas, se eles não vieram, não tem problema. O cinema brasileiro já está novamente nas prateleiras de cima da indústria cinematográfica mundial – e muito bem representado.