Recebi anteontem a notícia do falecimento de um cara com quem cultivei amizade por mais de 50 destes meus 72 anos.
Flávio Bonfim.
Por ele eu nutria respeito e admiração baseados em fatos concretos.
Oriundo de Porto Novo, vizinho povoado situado à margem esquerda do Corrente.
Aqui chegado, começou como balconista na sorveteria de Reinaldo Ataíde.
Logo se incorporou ao grupo musical Os Jovens, como baterista; talento mediano, assim como o dos demais integrantes daquela banda jovemguardista.
Fomos parceiros de copo e cruz por incontáveis ocasiões.
Numa dessas, estávamos tão chapados que pactuamos trocar porradas —naquele momento esqueci que era franzino — porque ele tava querendo tomar minha namoradinha Dinalva, uma moreninha muito saliente de olhos amendoados.
A luta corporal [Ferreira Gullar] não deu em nada, de tão trôpegos que estavam os contendores. Os murros eram dados no ar, até que jogamos mutuamente a toalha.
E caímos numas gargalhadas que ecoaram pela Praça do Jacaré naquela madrugada.
A cada edição lançada do Posseiro nas ruas, eu passava pra ele um exemplar do jornal.
E Flávio, solidário corajosamente, lia ao microfone algumas das matérias de cunho artístico e cultural. As que falavam de pistolagem/grilagem/politicagem ele ignorava a fim de evitar que seu serviço de alto-falante fosse destruído a balaços, ao vivo.
O locutor terminava as leituras recomendando ao distinto público com aquela voz pausada e grave que lhe era peculiar: “Leiam O Posseiro, um jornal instrutivo e educativo.”
Numa dessas edições da sua difusora ocorreu um lance tragicômico:
— Não percam! Logo mais, o sensacional velório de José do Patrocínio, na rua Tenente Façanha, Alto do Cruzeiro. Estarei lá prestigiando meu saudoso amigo.
Quando morei no bairro do Malvão, dividi mesa com Flávio por centenas de vezes no Bar do Eró, propriedade de Erotides, outro super amigo, que também já embarcou na Viação Além do Horizonte.
Igual a Eró e outros tantos, Flávio Bomfim foi e continuará [in memoriam] sendo um dos filhos adotivos desta Santa Maria de todos os tempos.
(*) Joaquim Lisboa Neto, colunista do Jornal Brasil Popular, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.
*As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.