Longa recebeu três indicações a uma das maiores premiações do cinema internacional com história pautada na defesa da democracia, no repúdio à ditadura e no direito à memória
Com os holofotes do mundo voltados para o Brasil por conta do filme “Ainda Estou Aqui”, indicado ao Oscar em três categorias nesta quinta-feira (23), ganha visibilidade a defesa da democracia, o repúdio à ditadura e o direito à memória das vítimas e de seus familiares. Tais pautas são trabalhadas com empenho no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), por meio da Assessoria Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade (ADMV) e, principalmente, pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), retomada em 2024, após ser interrompida no governo anterior.
Para a ministra Macaé Evaristo, o país carecia de uma obra de grande repercussão como esta para abordar as feridas da ditadura sob outros ângulos. “Famílias que, hoje, choram por entes queridos necessitam e reivindicam o luto. E ter uma reparação, seja ela por meio de uma certidão de óbito que traga em seu registro a verdade, é muito importante”, declara. “Por isso, acho que o que esse filme está fazendo é um alento, porque nos permite entrar nesse debate de uma maneira mais desarmada. O Brasil e o mundo precisam disso para restabelecer os ideários do humanismo, dos direitos humanos e do respeito à vida”, complementa.
A conquista histórica de “Ainda estou aqui”, de acordo com Hamilton Pereira, ex-preso político e assessor especial do MDHC, coloca nas telas do mundo, por meio do cinema brasileiro, a “história oficial” do país nos anos de chumbo. “Raras vezes na história uma criação artística dialogou de forma tão sintonizada com os fatos que ocorrem no país – e com as aspirações democráticas do nosso povo – como o filme ‘Ainda estou aqui’, de Walter Salles”, relata. Segundo Hamilton, o “Globo de Ouro” conferido ao talento excepcional de Fernanda Torres e a indicação ao Oscar agora marcam o que ele denomina de “maturidade do cinema brasileiro” diante do Brasil e do mundo.
Eunice Paiva
Como relembra Paula Franco, Coordenadora-Geral de Políticas de Memória e Verdade da ADMV, o filme “Ainda Estou Aqui” é baseado no livro de mesmo nome escrito por Marcelo Rubens Paiva, filho do desaparecido político Rubens Paiva e de Eunice Paiva, que é a protagonista do filme. Segundo Paula, o autor do livro já deu diversas declarações nas quais atribui a possibilidade e viabilidade de escrita aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, encerrados em dezembro de 2014.
Essa narrativa ganhou mais um capítulo importante na história do país com a criação do Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia. Assinado no início do mês de janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a honraria tem o objetivo de dar visibilidade a pessoas que tenham colaborado para a preservação, restauração ou consolidação do regime democrático no Brasil.
Ainda de acordo com Paula, os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade avançaram as investigações sobre os crimes da ditadura, com destaque para o caso Rubens Paiva, cuja relevância se dá por se tratar de um ex-deputado que desapareceu estando em sua própria casa.
“Assim como o filme, nesse momento em 2025, e já em 2024, quando foi lançado, a Comissão Nacional da Verdade tem projetado o Brasil para o cenário internacional. Teve esse movimento lá em 2014, ou seja, dez anos antes do filme, com a entrega do relatório, porque foi um trabalho muito bem recebido pelo sistema interamericano, considerado um material de extrema relevância e com uma avaliação muito positiva”, assinala Paula.
Alcance internacional
Paula percebe um vínculo muito próximo entre a circulação internacional do relatório final da Comissão Nacional da Verdade com o circuito do filme em si e acredita que o destaque da história tem o poder de gerar reconhecimento e empatia nas pessoas.
“Agora, a gente tem um pouco essa chama da expectativa e da esperança acesa com o filme, porque ele está fazendo circular novamente uma história genuinamente brasileira associada ao impacto que a Comissão Nacional da Verdade teve no país”, afirma. A coordenadora ainda conta que o relatório chegou a ser traduzido para o espanhol na Universidade de Salamanca e vem sendo utilizado para um avanço no aperfeiçoamento da democracia, da reparação da memória, verdade e justiça.
A ministra Macaé considera relevante não apenas as indicações ao Oscar, mas também a mensagem que elas trazem consigo: “O Brasil, neste momento histórico, tem papel importantíssimo no cenário internacional. Primeiro, na defesa da democracia e, segundo, na defesa dos direitos humanos. Antes de tudo, eu sou educadora, e acho que a arte e o cinema brasileiro são fundamentais para que a nossa população olhe para ela mesma, para seus acertos e equívocos, e agora o mundo todo também pode olhar”, declara.
Já para Caio Cateb, Coordenador-Geral de Apoio à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), o filme ajuda o país a discutir o assunto dos mortos e desaparecidos políticos no Brasil porque traz luz para a recente retomada da Comissão, que tem o papel de elucidar esses casos e mostra para sociedade que o Estado brasileiro, através da Comissão, segue na luta pela defesa da memória e da verdade sobre o período da ditadura.
“O Rubens Paiva é uma das vítimas que trabalhamos com a busca sobre seu desaparecimento político, e o filme reforça isso. A gente tem escutado da imprensa, de movimentos sociais, a felicidade de poder ver a sociedade discutindo esse assunto, discutindo os desaparecimentos não só do Rubens, mas dos outros Rubens, que são os outros desaparecidos e desaparecidas, enquanto a gente também está discutindo o papel das famílias”, afirma.
Retificações de Certidões de Óbito
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) deu início aos procedimentos necessários para a organização das atividades de entrega das certidões retificadas, responsabilidade da comissão. Para coletar informações de familiares de mortos e desaparecidos políticos e estabelecer os contatos necessários para viabilizar a participação dos familiares nas cerimônias solenes a serem realizadas pela CEMDP, basta preencher este formulário disponível no site da Comissão.