Lá pelas 11 e 20 do sábado 18, lá ia eu caminhando contra o vento no centro da cidade sentido Sambaíba, o bairro.
De repente vejo um senhor cruzando a Teixeira com Juracy Magalhães, ruas.
Pensei comigo mesmo, esse cara eu conheço.
Eu olhando pra ele e vice-versa, por uns segundos.
Ele:
— Joaquim Lisboa!
Eu: Neto! Edilson Andrade!
— Exatamente!
Batemos um papinho de alguns minutos e nos despedimos.
A última vez que nos vimos foi em 1980, portanto, 45 anos de intervalo ininterrupto.
E quem é Edilson?
Se trata do compositor –letra e música- de duas canções de protesto.
“Ladrão de gado” e “A volta do ladrão de gado”. Explícitas referências a Waldely Lima Rios, o Lico, mandante do crime que ceifou a vida do advogado dos posseiros, Eugênio Lyra.
Ao lançarmos o número 0 [zero] do jornal O Posseiro, não vacilei: desengavetei as letras que tinha guardado há um ano e três meses, e as publiquei na íntegra, como mostram as fotos que ilustram este texto.
Ambas homenageiam Eugênio e denunciam os grileiros e os pistoleiros envolvidos naquele bárbaro crime.
Autodidata, Edilson produziu várias músicas sertanejas autênticas, genuínas, nada a ver com essa invencionice estúpida rotulada de sertanejo universitário, anabolizado com “canções” indigestas que ferem os tímpanos de quem tem um mínimo de bom gosto musical.
Há muito tempo esse grande amigo se mudou pra Senador Canedo [GO].
Foi pra mim gratificante reencontrar, sem agendar, esse talentoso e corajoso artista popular.
Biblioteca Campesina, 25 janeiro 2025.
Um trecho das letras de “Ladrão…”
O doutor Eugênio em Santa Maria. Dos trabalhadores era procurado. Por ser conhecido pela humildade. Que do sindicato era advogado. Ele protegia os trabalhadores. Que do sindicato era associado, Mas não protegia esses fazendeiros. Que fosse grileiro e ladrões de gado.
[…]
Esse pistoleiro de uma esquina. Com o seu revólver escondido na mão. Matou o pobre homem em uma barbearia. Quando ela ia saindo do salão. Só eu compreendo a dor que sentiu. A mulher querida do seu coração. Em ver seu esposo morrer inocente. Pois não esperava daquela traição.
…e d’ “A volta…”
Em vinte e dois de setembro. Houve este acontecido. Foi isto em setenta e sete. Gravei bem em meu sentido. Quando chegou a notícia. Que Eugênio tinha morrido. Morto por um pistoleiro. Mandado pelos bandidos. Ele veio contratado. Por quarenta mil cruzeiros. Como Judas fez com Cristo. Vendeu por trinta dinheiros. Só porque foi descoberto. Que eram ladrões de gado. Mas hoje eles estão vendo. Quanto vale um advogado.
(*) Joaquim Lisboa Neto, colunista do Jornal Brasil Popular, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.