O presidente Trump começou todo-prosa falando isso e aquilo que vai fazer e acontecer, assustando geral, mas parece que o buraco é mais embaixo, quando inicialmente disse que o inimigo maior dos Estados Unidos é a China.
A realidade, no entanto, é mais forte que a garganta trumpista.
Se ele concretizasse o que promete, de taxar importações em geral e chinesas em particular, o resultado seria aumento da inflação americana.
Os empresários repassariam o aumento de custo aos preços, o que irritaria os consumidores.
E inflação de custo mais alta pressionaria o BC americano a puxar ortodoxamente os juros para diminuir o consumo, conforme pregam os livros textos de economia neoliberal, para conduzir o capitalismo
Trump, assustado, agora, diz que não vai cutucar onça com vara curta, isto é, não cumprirá, imediatamente, o que disse que iria fazer.
Quer, ao contrário, atrair Xi Jinping para um acordo comercial com os Estados Unidos.
Vai devagar com a louça, porque o santo é de barro.
Resultado: em uma semana de administração Trump, a cotação do dólar em todo o mundo recua relativamente à última semana de governo Biden.
Já pensou se subisse, revelando descontrole?
Também, não pode cair muito, porque o dólar compra barato importações que controla a inflação.
A sintonia tem que ser fina.
Pintaria descrédito, se inflação der um pique.
Mas, além disso, tem também uma vantagem relativa de Jinping frente a Trump: a China dispõe de reservas em dólar, acumulada nas relações de trocas comerciais com os Estados Unidos, na casa de 4 trilhões de dólares.
Se Washington, sob Trump, radicalizar com Pequim, não haveria perigo de Xi usar o dólar como arma contra o novo presidente?
Suponha-se que desse do total de 4 tri, a China jogasse na circulação mundial 10% = 400 bi de dólares, a moeda americana sentiria ou não o peso da desdolarização na prática?
Portanto, quem está com as armas para garantir a estabilidade do dólar, neste momento, não é Trump, mas Xi Jinping.
CALCANHAR DE AQUILES DE TRUMP
Não é a moeda chinesa que preocupa os mercados, mas, justamente, o dólar, devido à gigantesca dívida pública americana.
Washington tem que rolar uma dívida de quase 40 trilhões de dólares, cerca de 125% do PIB, razão pela qual o BC americano é pressionado pelo mercado a manter o juro elevado.
A necessidade de enxugar liquidez em dólar a juro alto é o preço do risco cobrado pelos poderosos fundos de investimentos, detentores da poupança global utilizada para rolar os papagaios do tesouro dos Estados Unidos.
Trump já deu o berro: quer juro mais baixo.
Se fosse Lula a dizer isso, agora, seria um Deus nos acuda na Faria Lima.
Caso a China elevasse essa liquidez monetária dolarizada global, o governo Trump balançaria forte.
Teria que puxar violentamente os juros, para evitar hiperinflação etc.
Trump, na verdade, navega um Titanic financeiro problemático cercado de iceberg por todos os lados em meio a temporais incontroláveis.
Eis porque o valentão de Washington começou a falar mais fino com a China, enquanto fala grosso com México, Panamá, Canadá, Groenlândia e Europa, destroçada pela instabilidade inflacionária, temerosa de ter que sustentar a OTAN sem grana americana.
TEORIA MONETÁRIA HETERODOXA
A China, por ter se negado a seguir o tripé econômico neoliberal – superávit primário, metas inflacionárias e câmbio flutuante – receita anti desenvolvimentista, está a cavaleiro.
Xi Jinping tem grana sobrando.
Toca economia com banco público, estatizado, mediante modelo monetário heterodoxo.
Emite moeda nacional sem limite, sem pressionar inflação, bombeando investimentos internos, em infraestrutura, e externos, para ganhar mais e mais competitividade global.
Organiza sua economia de projetamento a curto, médio e longo prazo.
Washington, ao contrário, como não eliminou, totalmente, os resquícios da crise monetária de 2008, obrigando-o a salvar sistema financeiro superendividado da bancarrota, está em permanente corda bamba.
O novo presidente, como os anteriores, é obrigado, exposto à banca privada especulativa, a administrar a anarquia capitalista, sujeita a chuvas e trovoadas, quanto mais avança a dívida.
Não é à toa que Trump alardeia que utilizar bitcoin como moeda reserva para dar respaldo ao dólar, se for necessário.
Essa afirmação trumpista soa aos mercados não como força, mas como fragilidade, pois, afinal, bitcoin não tem lastro.
Isso deixa os fundos especulativos em geral com a pulga atrás da orelha.
O recuo trumpista no embate com a China, na primeira semana de poder, tende a dar razão a Mao Tsé Tung: o tigre imperialista pode ser de papel.
No fundo, o que a primeira semana Trump revela é que as economias americana e chinesa são cada vez mais interdependentes.
Foto Euronews
(*) Por César Fonseca, jornalista, atua no programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, é conselheiro da TVCOMDF e edita o site Independência Sul Americana.
*As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.