Quando André Malraux batizou Brasília de “a capital da Esperança”, no dia 25 de agosto de 1959, o primeiro cemitério da cidade já tinha sido inaugurado há sete meses, com o corpo do engenheiro da Novacap Bernardo Sayão, abatido por uma árvore de 40 metros de altura na rota da Belém-Brasília.
Chamar o cemitério de Campo da Esperança (“a última que morre”) foi o cúmulo da ironia e da premonição.
Diz a lenda que esse nome seria uma homenagem à Dona Esperança, escrava alforriada, milagreira, enterrada em meados do século 19 na altura da atual 916 Sul.
Uma cidade se constrói com sonhos, mitos, pau, pedra, tijolo, vidro. E ainda sangue, suor e lágrimas. Em Brasília muito sangue, suor e lágrimas correu desde o massacre perpetrado pela Guarda Especial de Brasília (GEB) na Pacheco Fernandes; desde os porões de tortura do Pelotão de Investigações Criminais (PIC); desde os caminhões de despejo da Campanha de Erradicação de Invasões (CEI de Ceilândia); desde os golpes do rebenque do comandante militar do Planalto, o general Newton Cruz, durante a repressão à campanha das Diretas Já.
Ocorre que o general Nini, neonazista de carteirinha e modelo inspirador dos filhinhos de papai que assassinaram o índio Galdino Pataxó, não conseguiu abafar o buzinaço das Diretas.
Uma cidade também se constrói com buzinas, gritos, ovos à guisa de petardos, e sambas de “amanhã vai ser outro dia”, puxados pela Esperança sepultada, quem sabe agora em vias de ressurreição.
(*) Por Antônio Carlos Queiroz (ACQ), 21 de abril de 2022, 62º aniversário de Brasília
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