Além da grave crise sanitária que já levou à morte mais de 568 mil pessoas por Covid-19, um grande número de brasileiros, especialmente os de baixa renda, os desempregados, sem renda, ou recebendo auxílios do governo, ainda enfrentam grandes problemas quando precisam utilizar o sobrecarregado Sistema Único de Saúde (SUS). Com orçamentos cada vez menores, o sistema público de saúde ainda amarga uma crise enorme com a falta de vários medicamentos e até insumos básicos.
“Quando se tem dois governos que não priorizam a Saúde chegamos a isso, orçamentos insuficientes para as necessidades básicas”, critica Maria Arindelita, enfermeira e membro do Conselho de Saúde no Distrito Federal (DF), entidade responsável pela fiscalização e monitoramento das políticas públicas de saúde.
Arindelita avalia que no contexto de 14 milhões de desempregados e famílias em situação de extrema vulnerabilidade, as pessoas tendem a adoecer mais facilmente, uma vez que não podem se alimentar adequadamente. “As unidades de saúde em todo o País estão sobrecarregadas e os usuários acabam ficando sem acesso. E são os profissionais da saúde que acabam recebendo essa carga de raiva da população”, desabafa Arindelita.
Em 20 estados da federação, entre eles o DF, está faltando Insulina, remédio imprescindível para quem tem Diabetes. Segundo o site InfoSaúde, da Secretaria de Saúde no DF (SES-DF), faltam medicamentos, especialmente da lista disponibilizada pelo Ministério da Saúde, como insulina ultra-rápida, em desabastecimento há meses.
O médico sanitarista Vinícius Ximenes, que trabalha numa Unidade Básica de Saúde (UBS) em Brasília, diz que periodicamente tem dificuldades no abastecimento de medicações, como medicamentos para diabetes e hipertensão arterial sistêmica. Segundo ele, geralmente são situações transitórias, mas acabam causando transtornos a pacientes que precisam manter o controle continuo dessas doenças. Ele explica que a suspensão no tratamento da Diabetes é algo grave. Inclusive pode levar à morte.
“Os pacientes diabéticos insulinodependentes, sem uso da medicação, podem ter o que chamamos de uma descompensação da doença. O que pode levar a quadros agudos de complicações que chamamos de cetoacidose diabética e coma hiperosmolar. Podem ser algo grave, inclusive perder a vida”, alerta Ximenes.
Além da insulina, está em falta na capital do Brasil Tamoxifeno, medicamento usado em pacientes com câncer de mama. O remédio chega a custar quase R$ 90,00 pela internet. “Sem uso dessa medicação, compromete o tratamento e a sobrevida das mulheres que estão vivendo o desafio de superar uma doença que tem um impacto emocional e social grande pela perda da mama”, aponta Jeovânia Rodrigues, presidente do Conselho de Saúde do DF.
Em outras unidades da Federação, remédios de alto custo, como Micofenolato de Sódio 360g, que é usado pelos pacientes que fizeram transplante renal, também estão em falta. Na internet, o custo do medicamento passa de R$ 400,00.
Há falta de soro, sabonete e até materiais para curativo em várias UBSs em todo o País. No Hospital Geral de Palmas, pacientes e familiares tiveram que fazer vaquinha para comprar os insumos. Na Zona Norte do Rio, em Andaraí, pacientes com câncer tiveram que parar o tratamento por falta de medicação.
Ximenes explica que a interrupção na medicação de doentes com câncer pode resultar na perda do controle da doença. “A falta de medicamentos para quimioterapia pode levar a quebra de planejamentos terapêuticos estabelecidos, o que pode desencadear quadros que eram tratáveis a terem piora em prognósticos. Inclusive com perda de perspectiva de cura em alguns casos”, destaca.
No caso de interrupção no tratamento de HIV, Ximenes explica que a falta de medicação pode levar a perda do controle da doença. “Sem as medicações para HIV, em longo prazo, os pacientes podem ter um aumento de sua carga viral, o que pode gerar infeções oportunistas agudas e abrir chance para o desenvolvimento de outras doenças, como neoplasias, tuberculose, púrpuras e outros quadros que tendem a ser graves em pacientes portadores do HIV com perda de controle da doença”.
Em momentos como esse, o debate sobre a importância do acesso universal ao SUS e as competências conjuntas em nível federal, estadual e municipal ganha destaque.
“Na ponta sofre a população, porque esse desabastecimento impacta na descontinuidade do tratamento de pacientes crônicos, com doenças raras e com câncer. Esperamos que tenha uma solução e que não se faça da pandemia uma justificativa para essa falta de vários medicamentos de fornecimento pelo SUS”, aponta Jeovânia.