Imigrantes no Acre: uma carga explosiva
A cidade de Assis Brasil, distante 345 Km da capital do Acre, Rio Branco, desde 2010 se tornou a porta de entrada de imigrantes de várias nacionalidades, mas, principalmente de haitianos que desde o terremoto ocorrido em 12 de janeiro de 2010, deixou cerca de 300 mil mortos, mais de 300 mil feridos e 1,5 milhão de pessoas desabrigadas no país mais pobre das Américas. (Dados: Agência Brasil – 12/01/2020).
À época, o governo do Estado do Acre, por meio da Secretaria de Direitos Humanos, estabeleceu uma política humanitária de acolhimento aos imigrantes. Foram criados abrigos nas cidades de Brasileia e Rio Branco onde, além de três refeições diárias, uma equipe multidisciplinar providenciava a regularização dos estrangeiros por meio da emissão do Cadastro de Pessoa Física – CPF e a carteira de Trabalho, documentos necessários para que pudessem trabalhar e se estabelecerem em várias regiões do Brasil.
Essa “facilidade” acabou por atrair outros imigrantes (africanos de diversos países) e por último, venezuelanos que, fugindo da crise econômica e política daquele país, consolidaram a rota migratória que atravessa o Equador e o Peru até chegar em Assis Brasil.
Imigração reversa
Com a atual crise econômica brasileira e a pandemia, os imigrantes desde o ano passado estão deixando o Brasil pela mesma rota. Chegam a Rio Branco em ônibus ou avião e vão até a fronteira com o Peru, de onde partem “em busca dos seus sonhos”, como disse uma haitiana acampada da ponte da integração que liga o Brasil ao Peru na cidade de Iñapari.
O fluxo de imigrantes aumentou nas últimas semanas em razão da fala do atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que derrubou medida de seu antecessor, Donald Trump, que vetava a entrada de alguns imigrantes, principalmente os que estão em abrigos no México. A notícia criou um “frisson” nos muitos estrangeiros que já estavam desempregados e vivendo, sozinhos ou com a família, em abrigos nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil.
Uma situação explosiva
Em razão da pandemia do COVID-19, o Peru fechou a fronteira, permitindo somente a passagem de caminhões com alimentos (pacto comercial Brasil-Peru-Bolívia) e combustíveis que abastecem o departamento de Pando, na Bolívia, inclusive os geradores de energia.
Um grupo de imigrantes, ansiosos por sair do Brasil e chegar ao México, por onde acreditam que poderão entrar aos Estados Unidos, foram até o posto aduaneiro da cidade de Iñapari—Peru, na tentativa de conseguir um “permisso” para cruzar o país e chegar ao Equador. Contudo, pelas razões já citadas, e por não terem o registro de saída do Brasil feito na Polícia Federal, não terem exames negativos para COVID e muitos não estarem usado máscaras (que é obrigatório), as autoridades peruanas locais usaram da força policial para fazer com que o grupo retornasse até a ponte da integração, no lado brasileiro.
Desde então, o grupo, que segundo G. (“G de gato” como ele mesmo preferiu identificar-se), haitiano procedente de Porto Alegre –RS, que não se deixou fotografar (assim como a maioria), e numa mistura de portunhol e spanglish, falou que não há uma decisão do movimento de fechar a ponte. Mas, eles irão permanecer no local até que a situação seja resolvida; também fez questão de esclarecer que não há conflitos entre os grupos de diversas nacionalidades.
Contudo, durante o tempo que estivemos conversando percebemos que há uma organização de revezamento entre eles e que a comunicação é feita através dos celulares, de modo que na ponte sempre haja mulheres, crianças e homens, preparados para resistir em caso de alguma ação que os obrigue a sair.
Posteriormente, quando conversamos com um membro da Polícia Rodoviária Federal, fomos informados que até aquele momento não havia nenhuma ordem para que a PRF, ou nenhuma outra força presente no local, agir no sentido de removê-los e liberar a ponte. O que os policiais estão fazendo é dialogando com os manifestantes de modo pacífico e educado, zelando pela ordem, segurança e a boa convivência entre os diversos grupos.
Uma Babel com muitas histórias
Nas visitas que fizemos nos dois abrigos organizados pela prefeitura a tensão é perceptível e impera a Lei do silêncio. Quando tentamos nos aproximar e conversar com algumas mulheres sobre a situação do fechamento da ponte e quem liderava o movimento elas, também, se negaram a falar. Ainda assim, conseguimos a informação de que um senegalês havia sido retirado de um dos abrigos por ter sido ameaçado de morte por um outro grupo de africanos.
No primeiro abrigo no qual estivemos (Escola Edilza Maria Batista), falamos com Merianréne (26) e seu primo Joseph (28), haitianos. Ele fala francês, algumas frases em espanhol e português; vieram de Belo Horizonte – MG, onde estavam há 1 ano e sete meses; ela e o marido ficaram sem trabalho e sem condições de mandar ajuda para os três filhos que vivem com a mãe dela no Haiti; Joseph trabalhava como operador de máquina rolo (compactação de asfalto), mas o que ganhava trabalhando desde às 7 horas da manhã e sem horário para sair, não dava para viver ajudar a mãe que também está no Haiti e depende totalmente do pouco dinheiro que ele manda. “Aqui não tem vida. Nós ir México e Estados Unidos pá un vida melhor”; finaliza Merianréne em um embolado de português europeu e francês criole.
No mesmo local conversamos com Julia (34), angolana; ela e o marido, também de Angola, estão no Brasil há 3 anos e tem um filho de 2 anos e meses, nascido no Brasil. Estavam em São Paulo mas ficaram sem trabalho, sem condições de pagar aluguel e foram morar em um abrigo. Mas lá tudo é muito pior para eles saírem do Brasil. Em avião desde São Paulo é muito caro e o visto para entrar nos Estados Unidos também. Eles não podem pagar. Assim, vieram para a rota dos “coiotes” porque (acredita) não precisa de visto.
Edina (25), haitiana com o marido e o filho também sonha ir para o México e de lá conseguir entrar nos Estados Unidos. A vida aqui no Brasil é muito difícil para eles, disse ela num português fragmentado, enquanto tinha a ficha de cadastro preenchida pela assistente da coordenação do segundo abrigo visitado (Escola Iris Célia Cabanellas Zanini).
Prova de fogo
O Professor Jerry Correia Marinho (37), eleito para um primeiro mandato pelo Partido do Trabalhadores(PT), tem em seus primeiros dias de gestão uma verdadeira prova de fogo: administrar uma área de 4.974 km² com 7.534 habitantes em uma região de fronteira: Bolpebra (Bolívia), Iñapari (Peru) e limites com os municípios brasileiros de Brasileia e Sena Madureira, conforme dados estatísticos do IBGE/2020.
Além dos problemas já existente em um município com baixa arrecadação de tributos e economia baseada, ainda, no extrativismo, no pequeno comércio e no pouco turismo, o prefeito agora está tendo de lidar com o grande fluxo migratório que está enchendo a cidade de estrangeiros que desejam sair do Brasil pela rota migratória Peru-Equador, mas que estão retidos por conta do fechamento da fronteira.
Ontem (24), pudemos acompanhar o esforço hercúleo que a equipe municipal está fazendo para atender de maneira humanitária os imigrantes que estão na cidade. São duas escolas servindo de abrigo, uma equipe multidisciplinar (secretaria de educação, de saúde, de assistência social e servidores da prefeitura) para cadastrar, orientar os recém chegados e 12 merendeiras que se revezam para fazer e servir em torno de 1.500 refeições diárias (café, almoço e janta).
De acordo com os dados fornecidos pelo coordenador dos abrigos, Bruno Fiales, havia 104 abrigados na escola Edilza Batista, 217 na Iris Célia e na ponte estão acampadas outras 50 pessoas (entre homens, mulheres e crianças). Para os que estavam no acampamento de bloqueio da ponte, as refeições estavam sendo feitas na cantina de uma terceira escola, a Simón Bolívar.
Além disso, os números só tendem a crescer. Segundo a Secretária de Assistência social, Joahanna de Freitas, estava previsto chegar 190 novos imigrantes nos próximos dias e com isso a situação tende a piorar, já que o município vai precisar de mais recursos financeiros e de pessoal.
A observadora do Centro de Defesa e Direitos Humanos e Educação Popular do Acre- CDDHEP/Ac, Júlia Feitoza, que participou da reunião do prefeito com os caminhoneiros, a PRF, Polícia Federal e a Força Nacional, relatou que o encaminhamento tirado para a solução do impasse criado pelos imigrantes na ponte da integração seria a remoção por mandato judicial do grupo que lá está acampado.
Porém, de acordo com a orientação do advogado Gomercindo Rodrigues, é necessária a presença de um Comitê de gerenciamento de conflitos, formado por integrantes do Governo Federal e estadual para liberar o tráfego na ponte e ao mesmo tempo garantir que isso seja feito de maneira pacífica. O Comitê deverá, também, cuidar dos trâmites legais para a saída dos imigrantes.
Para que Assis Brasil não venha a se transformar em uma zona de guerra, Jerry Correia, que já está sendo cobrado e pressionado pelo munícipes pela solução dos problemas para os quais ele foi eleito e agora, também, pelos caminhoneiros que estão parados nos dois lados da fronteira, terá de usar de muita diplomacia para provar que é um gestor tão bom, quanto é a sua reputação de professor.