Um movimento virtual está previsto para ocorrer em todo o Brasil, neste sábado (16), em defesa da Constituição Federal, das instituições democráticas e contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Com um manifesto, uma proposta de emenda à Constituição e outros documentos, o Movimento Popular pela Justiça Social não vê outra saída para o Brasil que não seja por meio de um novo pacto social.
Uma das lideranças do movimento é o jornalista, escritor, economista e professor de Economia Política José Carlos de Assis. Numa entrevista exclusiva para o Jornal Brasil Popular, ele explica que “há momentos na história dos povos e das nações em que mudanças estruturais profundas são exigidas como condições para estabilidade econômica, social e política, e como imperativos da própria sobrevivência”. Na avaliação dele, é um desses momentos que o Brasil está vivenciando hoje.
“Estamos experimentando crises profundas nas esferas econômicas, social, política e institucional; desafios sem paralelo na área ambiental e energética; o impacto de uma rápida aceleração no custo de vida; e a tudo isso se sobrepõe a epidemia da Covid-19, a mais devastadora em nossa história. A resposta política e institucional a essas crises, em termos conjunturais, é, claramente, insuficiente. Sugerimos um ‘pacto social’ que proponha, numa mesa de negociações, e se possível acima de interesses imediatos de grupos e classes, uma agenda de enfrentamento comum das crises”, afirma o professor.
Nascido em Marliéria, Minas Gerais, José Carlos de Assis é jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e de Relações Internacionais aposentado. É doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Autor de mais de 30 livros sobre Economia Política e outros temas de interesse filosófico e de Ciências Humanas, Assis é também colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964.
Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, no qual revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro.
Em 1983, o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.
Entrevista
Jornal Brasil Popular – O que é o Movimento Popular pela Justiça Social?
José Carlos Assis RJ – O Movimento Popular pela Justiça Social (MPJS) surgiu da percepção de que a humanidade caminha para ser engolfada por tragédias estruturais e conjunturais sem paralelo na história, com riscos imediatos para povos e pessoas individualmente. As percepções imediatas estão relacionadas com as violentas mudanças climáticas que assumiram proporções gigantescas nos últimos dois anos, e que dizem respeito também à crise energética e à crise hídrica, que lhe estão associadas, à crise de degeneração urbana, à crise de segurança pública e às crises nos mercados do trabalho, com a generalização do desemprego.
No Brasil, a essas crises estruturais se superpõem crises institucionais também sem paralelo na história, como a crise que nos foi imposta por um governo corrupto, institucionalmente degenerado, sem qualquer sentido de solidariedade humana e de amor ao próximo, como o de Jair Bolsonaro. Um governo que manda o povo faminto comprar fuzis em lugar de comprar arroz e feijão. Um governo que atropela as instituições republicanas, como se fossem joguetes de seus caprichos paranoicos. Um governo que manipulou a crise humanitária da covid-19 para obter propinas para os amigos do rei.
Jornal Brasil Popular – Quem participa desse movimento?
José Carlos Assis RJ – Vou inverter a pergunta: Quem não participa? Acaso você conhece alguém que não está contra esse processo de total degeneração da República? Claro, Bolsonaro ainda tem resquícios de uma tropa de fanáticos, seja os brutamontes dos motoqueiros desvairados que o seguem pelas cidades do país, seja os ingênuos dos movimentos pentecostais vampirizados por “pastores” tão corruptos quanto ele próprio. Contudo, acaso você sabia que o braço atual mais forte do MPJS é hoje formado hoje por caminhoneiros, que, em 2019, ajudaram a eleger Bolsonaro? Nesse momento, estão fechados conosco.
Há centenas de milhares, milhões de pessoas que estão conosco no Movimento, mas ainda não explicitaram isso. Não tivemos tempo de contatá-los. Não precisava. Sabíamos que, no momento exato, estariam conosco. É o caso, por exemplo, dos servidores públicos. O governo quer estrangulá-los com uma reforma administrativa que reforça privilégio das castas superiores do funcionalismo e esmaga os servidores que estão embaixo. No momento oportuno, que está muito próximo – isto é, no momento em que derrubarmos Bolsonaro, Guedes e o resto da quadrilha dos paraísos fiscais que se apoderou do governo no período neoliberal -, vamos virar isso de ponta cabeça.
Para nós, os princípios que regerão a reforma administrativa serão simples: entrada no serviço público por concurso, ascensão por mérito ou tempo de serviço, aprimoramento profissional, reserva para os concursados dos cargos administrativos até os altos postos de direção, eliminação de privilégios, eliminação de cargos políticos, tudo isso nas administrações direta e indireta. O objeto da reforma é o aprimoramento do serviço, sendo que, para isso, o servidor deverá ter tratamento digno. O custo da máquina pública não será questionado por seu valor absoluto, mas pelo que representa para a melhoria do serviço.
Jornal Brasil Popular – No texto com o título “Convocação da cidadania para a desobediência civil”, o senhor menciona as tragédias que este governo está causando à população e ao País. Qual é a análise que o senhor faz da conjuntura?
José Carlos Assis RJ – Para essa pergunta, prefiro lhe apresentar como resposta a íntegra do próprio texto. É o preâmbulo.
“Há momentos na história dos povos e das nações em que mudanças estruturais profundas são exigidas como condições para estabilidade econômica, social e política, e como imperativos da própria sobrevivência. É um desses momentos que o Brasil está vivenciando hoje. Estamos experimentando crises profundas nas esferas econômicas, social, política e institucional; desafios sem paralelo na área ambiental e energética; o impacto de uma rápida aceleração no custo de vida; e a tudo isso se sobrepõe a epidemia da Covid-19, a mais devastadora em nossa história.
A resposta política e institucional a essas crises, em termos conjunturais, é, claramente, insuficientes. Na área política, autoridades públicas que deveriam estar empreendendo todos os esforços possíveis para superar, ou ao menos mitigar, essas crises, se mostram omissas, quando não se comportam de forma a agravá-las. Estamos chegando ao fundo do poço. Se não surgem medidas práticas, de caráter não ideológico, de cima para baixo, é preciso arquitetá-las de baixo cima, a fim de que a sociedade civil organizada oriente as soluções pragmáticas no campo político.
Convocamos para o dia 16, sábado, em Brasília, uma grande manifestação presencial para fazer com que as demais instituições da República, Judiciário e Congresso Nacional, tomem imediatamente as iniciativas necessárias para fazer com que a Constituição Federal seja respeitada pelo Executivo. Ao mesmo tempo, manifestações on line ocorrerão por todo o país. É fato que, diante de milhões de brasileiros, Jair Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao anunciar que não mais acatará decisões da Justiça. Não é preciso inquérito para apurar isso. Basta aplicar a lei.
Sugerimos, paralelamente, um Pacto Social que proponha, numa mesa de negociações, e se possível acima de interesses imediatos de grupos e classes, uma agenda de enfrentamento comum das crises. Elas atingem a praticamente toda a sociedade brasileira, embora afetem com peso diferente as diferentes camadas sociais. Os problemas imediatos são o aumento acelerado do custo de vida, o alto desemprego, o subemprego, a falta de acesso à renda ou a sua rápida deterioração pela inflação, a miséria absoluta dos desamparados pelo Estado, indiferente a eles.
O aumento acelerado do custo de vida é um peso imenso para grande parte da sociedade, um peso duplo para os que estão desempregados, subempregados ou na informalidade, e um peso triplo para os que estão em miséria absoluta, e que já sentem os efeitos da queda de renda das próprias classes médias que estão ficando sem dinheiro até para fazer caridade. São uns 50 ou 60 milhões de brasileiros. É a esses que se dirige a proposta adiante de Emenda Constitucional, que ataca inicialmente a aceleração do custo de vida e da inflação, numa perspectiva imediata.
Uma vez estabelecida a mesa do Pacto Social, outros temas de enfrentamento das crises certamente serão levados à discussão, como os do desemprego, subemprego e informalidade, miséria absoluta e retomada da economia. A ideia é que as sugestões discutidas possam ser convertidas em propostas de Emenda Constitucional que devem ser levadas, enquanto iniciativas da Sociedade Civil, ao Congresso Nacional. Na ausência de iniciativas do Executivo, caberia então ao Congresso suprir a sua omissão e transformar as sugestões em leis para aplicação imediata”.
Jornal Brasil Popular – Diante dessa situação que o senhor menciona nesse acima e nos vários textos sobre o pensamento do movimento, fale sobre o novo pacto social que o senhor propõe para um novo Brasil?
José Carlos Assis RJ – O Pacto Social é, a meu ver, a única saída diante dessas crises simultâneas. Observe: elas atingem ricos e pobres, famosos e desconhecidos, brancos e negros, mulheres e homens. Ninguém escapa de um temporal avassalador. Da mesma forma, ninguém escaparia de uma guerra civil que viesse a ser promovida pelo próprio Presidente da República diante de seu apetite voraz por mais poder. E veja a contradição? Mais poder para quê? Com quase três anos de governo, ele não fez absolutamente nada pelo Brasil e seu povo. Imagine a tragédia se esse cara fosse eleito uma segunda fez.
Jornal Brasil Popular – Acha isso possível?
José Carlos Assis RJ – Não, absolutamente. Bolsonaro e sua quadrilha estão no chão. A pá de cal será lançada neste sábado, com a grande mobilização que vamos fazer na Praça Três Poderes, na Esplanada e pelo Brasil afora, neste caso através de videoconferências.
A propósito, é preciso considerar que destituir Bolsonaro não será suficiente. O grande inimigo não é um homem, mas o neoliberalismo, que desconhece a dignidade humana. Nosso objetivo é destruir o neoliberalismo no Brasil e retirar as bases daqueles que lhe deram suporte. Estamos pensando, inclusive, em erguer na Praça dos Três Poderes ou na Esplanada um palanque para instalar nele um Tribunal de Honra para julgar as instituições republicanas e seus membros que fomentaram ou permitiram, por ação ou omissão, a tragédia bolsonarista no Brasil. Mas disso vamos falar oportunamente.