O calendário escolar do Distrito Federal indica o fim do primeiro semestre letivo de 2024 e a Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal (SEE-DF) não conseguiu matricular cerca de 14 mil crianças, entre zero e 3 anos, em creches e pré-escolas da rede pública de ensino.
O número acima é da própria SEE-DF, que divulgou esse e outros dados em fevereiro deste ano. Naquela data, segundo a secretaria, o DF tinha 14 mil bebês e crianças de 0 a 3 anos cadastrados em filas de espera nas Coordenações Regionais de Ensino (CRE) da rede pública, aguardando por uma vaga. Uma matéria do Correio Braziliense, de fevereiro, dizia que um levantamento do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), de 2021, indicava a existência de uma população de crianças na primeira infância, no DF, de cerca de 280 mil. Considerando esse dado, em fevereiro de 2024, segundo o CB, apenas 13% dos estudantes de até seis anos de idade são assistidos, em alguma modalidade, pela rede de ensino pública.
Na avaliação do Partido dos Trabalhadores no Distrito Federal (PT-DF) , essa situação escancara a insuficiência de instituições para a primeira infância e coloca em evidência uma crise de proporções significativas na educação infantil da capital do País. Preocupado com isso, o Setorial de Educação do PT-DF lançou, no início de maio, um abaixo-assinado em que solicita a construção de novas creches e pré-escolas em todas as Regiões Administrativas (RA) do Distrito Federal. Acesse aqui o abaixo-assinado ou clique na imagem a seguir para acessá-lo.
Para falar sobre o tema, o Jornal Brasil Popular entrevistou a professora Olga Cristina Rocha de Freitas, coordenadora do Setorial de Educação do PT-DF, que questiona o governo Ibaneis Rocha-Celina Leão e aponta para a falta de investimento e para a vaucherização da educação infantil, como principais problemas. “A falta de investimento é um grave problema no DF e as alternativas apresentadas pelo governo Ibaneis-Celina não atendem às necessidades das crianças, como é o caso da política de vaucherização, que tem impacto negativo na saúde, como a alimentação com açúcar para crianças menores de 1 ano, o consumo de alimentos ultraprocessados, além do número alto de crianças por sala de aula, dentre outros problemas”, diz o documento.
Ela diz que a educação pública do DF tem vivido vários pesadelos e um deles é o das turmas superlotadas e da falta de construção de novas unidades educacionais para atender à demanda da população crescente nas Regiões Administrativas. O PT-DF também denuncia a chamada ação denominada “Mãe Crecheira”, usada como política de educação pelo Governo do Distrito Federal (GDF), que “não atende e pode até colocar crianças em situação de risco, pois o atendimento domiciliar não tem a fiscalização adequada”. As estatísticas revelam um panorama preocupante.
A falta de escolas e de creches e a ausência do acesso à educação pública, gratuita e de qualidade é uma realidade que afeta diretamente o desenvolvimento das crianças e a qualidade de vida das famílias. Em resposta a essa situação, a Comissão de Educação, Saúde e Cultura (CESC) da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) realizou, em março deste ano, audiências públicas sobre o problema e encaminhou propostas ao Poder Executivo para aumentar o investimento na construção de novas creches e pré-escolas, além de ampliar as unidades existentes. Entretanto, os resultados ainda são limitados e a demanda continua superando a oferta.
A legislação brasileira, incluindo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é clara ao garantir o direito à educação desde a primeira infância. O ECA reafirma a Constituição Federal ao definir que é dever do Estado assegurar atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a 6 anos de idade. A falta de vagas configura uma violação desses direitos, colocando em risco o desenvolvimento integral das crianças e o apoio necessário às famílias. No início maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 14.851/2024, para garantir o acesso à educação infantil pública para crianças de zero a 3 anos. A lei já está em vigor. Foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 6 de maio. A lei torna obrigatória a criação de mecanismos que permitam identificar, divulgar e atender a demanda por vagas nesta faixa etária.
A crise atual evidencia a necessidade urgente de políticas públicas mais eficazes e investimentos substanciais na infraestrutura educacional do Distrito Federal. Segundo o PT-DF, além da ação da CESC/CLDF, outros órgãos legislativos precisam intensificar seus esforços para exigir do Poder Executivo do DF o cumprimento das diretrizes legais e garantir que todas as crianças tenham acesso à educação de qualidade desde os primeiros anos de vida.
Confira a entrevista ao Jornal Brasil Popular de Olga Cristina Rocha de Freitas, professora da rede pública de ensino do DF e coordenadora do Setorial de Educação do PT-DF, é professora universitária, doutora em educação, pedagoga, mestra em neurociência do comportamento, especialista em gestão escolar. Confira a entrevista
ENTREVISTA – Olga Freitas
Jornal Brasil Popular (JBP) – De onde vem esse número de 14 mil crianças de 0 a 3 anos que estão esperando vagas?
Olga Freitas – Esse número foi confirmado pela própria Secretaria de Educação do DF, em fevereiro deste ano. Estamos falando de 14 mil bebês e crianças de 0 a 3 anos que estão cadastradas em filas de espera para creches, nas Coordenações Regionais de Ensino, aguardando por uma vaga. São mais de 10 mil mães que não conseguem deixar seus filhos em segurança para irem em busca do pão de cada dia. Mas o número pode ser ainda maior. De acordo com o Fórum Distrital de Educação, a população de 0 a 3 anos é de 166.937 crianças, e apenas 36.782 delas estão matriculadas em creches públicas ou conveniadas. Estamos, portanto, muito longe de alcançar a Meta 1 do Plano Distrital de Educação, que determina a ampliação da oferta de creches em 60% até o final 2024. Considerando esse percentual, faltam 63.380 vagas.
JBP – Essas 14 mil crianças (de 0 a 3 anos) filhas e filhos de mães e pais que trabalham são no DF?
Olga Freitas – Entre as 14 mil crianças, existem as que têm domicílio fixado no DF ou a/o responsável legal, principalmente a mãe, trabalhando em alguma das RAs. Mas infelizmente, boa parte dessas mães não está trabalhando, ao menos formalmente, exatamente por não conseguirem a vaga que pleiteiam para seus filhos. É muito importante esclarecer que a creche é um direito da criança, devendo ser uma escolha da família, e não uma decisão motivada pela falta de vagas. Sempre que houver a manifestação do interesse em matricular a criança, o Estado deve garantir a vaga. O não atendimento a esse direito constitui violação do direito à educação.
Além de um direito da criança, a creche é também um direito social da mulher. Em setembro de 2022, o STF reafirmou que a creche é um direito fundamental que beneficia crianças e mulheres, considerando imprescindível garantir às mães segurança no exercício do direito ao trabalho e à família, em razão de sua maior vulnerabilidade na relação de emprego.
JBP – Quem está produzindo e encaminhando esse abaixo-assinado (entidades, pessoas)?
Olga Freitas – O abaixo-assinado é uma ação coordenada pelo Setorial de Educação do PT DF, realizado em parceria com a Secretaria de Mulheres do PT DF. O documento está disponível nos formatos virtual, pelo link https://www.change.org/maiscrechesdf2024 e físico, disponível na sede do PT DF, no CONIC. Um cronograma de ações está sendo elaborado para a divulgação e coleta de assinaturas em pontos estratégicos nas RAs, além de uma ampla divulgação nas redes.
A iniciativa surge da indignação de mulheres trabalhadoras ante ao descaso do desgoverno “Ibaneis-Celina Leão” para com a população do DF, especialmente a que mais necessita de políticas públicas, da ação do Estado para a promoção da equidade. Surge também da solidariedade inerente a nós, mulheres, umas para com as outras. Não soltamos a mão de ninguém.
Enquanto pessoas morrem sem atendimento, nas portas dos hospitais, o DF bate o recorde nacional de mortes por dengue, crianças comem merenda estragada e com larvas, o número de feminicídios só aumenta, mais de 60 mil bebês e crianças ficam sem acesso à educação, “Ibaneis-Celina Leão”, inimigo do povo, gasta milhões em obras faraônicas, de prioridade questionável, e governa para os amigos.
JBP – Quantas assinaturas já existem nesse documento?
Olga Freitas – Até o momento, sem ampla divulgação e em pouquíssimos dias, o documento já conta com 200 assinaturas. Isso demonstra a importância do tema para a sociedade.
JBP – Qual a sua análise sobre essa situação e quantas creches são necessárias para acolher essas crianças?
Olga Freitas – O GDF está anunciando 17 novas creches para este ano. Uma parte delas já anunciadas em 2022 e não construídas. Muitos dos projetos foram elaborados ainda no governo Agnelo Queiroz e não foram levados adiante pelos governos posteriores. Enquanto isso, os recursos ficam parados ou perdem o prazo para execução. O PAC 2 também destinou recursos para a construção de creches, em 2024.
Mas nem de longe, esse número é suficiente para atender o déficit real de vagas. Estamos falando de mais de 60 mil crianças na faixa etária de atendimento.
JBP – Diante disso, qual seria o ideial para garantir segurança educacional?
Olga Freitas – Para finalizar, reforço o entrelaçamento entre o direito a creche da criança e da mulher. A creche não é um depósito de crianças, mas um lugar de aprendizagem, cuidado, brincadeiras e socialização. Portanto, ao buscar uma creche para seu filho, a mãe não está reivindicando um lugar qualquer para deixa-lo, mas um espaço em que ele possa aprender, brincar, fazer amigos, se alimentar bem, ser cuidado e ser feliz.
Esse é o contexto que trará a segurança necessária para que ela possa exercer plenamente suas demais atividades entre as quais a laboral, já que a mulher ainda enfrenta muitas dificuldades para a conciliação dos seus projetos de vida.
Por isso, faço o apelo a toda a sociedade do DF para que juntem-se a nós na luta por creches públicas para todas as crianças do Distrito Federal. Vamos pressionar o GDF para que cumpra seu dever constitucional e garanta o direito da criança e de sua mãe a uma educação pública, gratuita, inclusiva e de qualidade socialmente referenciada.