O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, teve uma inesperada reunião com integrantes da extinta CPI do Senado sobre a Covid, que funcionou durante o governo passado e investigou sobretudo as responsabilidades criminais de Bolsonaro e alguns de seus auxiliares na condução das ações e omissões do governo diante da pandemia.
A reunião foi ou pareceu inesperada porque ninguém se lembrava mais da CPI e do que acontecera com suas conclusões. Elas tinham sido arquivadas pelo ex-Procurador-Geral Augusto Aras, mas a Polícia Federal acabava de indiciar Bolsonaro no caso dos certificados falsos de vacinação. Gonet tinha dito, ao saber disso, que aprofundaria as investigações sobre toda a conduta de Bolsonaro ao longo da pandemia.
Na reunião, ficou claro que as conclusões da CPI e suas acusações a Bolsonaro seriam desarquivadas, o que ampliaria consideravelmente o alcance do processo criminal a ser inevitavelmente aberto contra Bolsonaro a partir de seu indiciamento pela falsificação dos certificados de vacina.
Essa falsificação será também, inevitavelmente, objeto de investigações nos Estados Unidos, pois as autoridades brasileiras já mandaram perguntar às norte-americanas se Bolsonaro desembarcou na Flórida, nas últimas horas de seu mandato presidencial, no dia 30 de dezembro de 2022, apresentando esses certificados falsos.
Talvez não tenha sido necessário apresentá-los, porque ele desembarcou de um avião oficial da Presidência da República, como Chefe de Estado em viagem particular. Mas pode ser que ele tenha sido obrigado a apresentá-los depois, quando já não era Presidente, para regularizar sua permanência nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, as leis, a polícia e a justiça são muito mais rigorosas – e ainda mais rápidas – que no Brasil.
No Brasil, o caso da falsificação dos certificados de vacina é fichinha diante dos outros e muitos crimes de Bolsonaro em relação à Covid – coisa de praticantes habituais de rachadinhas e do nível dos antigos e até pitorescos batedores de carteira diante do gangsterismo financeiro de Wall Street ou dos maiores golpes empresariais nativos.
Para além da falta absoluta de senso moral com que foi operada essa falsificação, amontoam-se as atrocidades quase diárias do comportamento de Bolsonaro no longo e mortal período de expansão da Covid no Brasil. Começou com o deboche com que falava rindo da “gripezinha de nada”, até a proibição da compra de vacinas chinesas anunciada por seu Ministro da Saúde e obediente ordenança Pazuello, sem falar no vídeo macabro e ao mesmo tempo canalha em que, no pior momento da falta de oxigênio em Manaus, Bolsonaro imitava um paciente tentando desesperadamente respirar.
Na expectativa do que venha a ser o processo-crime da Covid contra Bolsonaro – um processo no qual sempre estará presente a lembrança dos 700 mil mortos no Brasil na pandemia – a nova prisão preventiva de Mauro Cid, o ajudante de ordens que sempre esteve perto de tudo, pode precipitar de imediato outro amontoado de revelações e acontecimentos.
Até a prisão preventiva de Bolsonaro, para não atrapalhar as investigações, foi considerada possível. O áudio da longa conversa telefônica em que Mauro Cid acusou a Polícia Federal de violência para levá-lo à delação premiada seria uma armação de Bolsonaro para desmoralizar as investigações contra ele. E Bolsonaro poderia até querer a própria prisão preventiva, para aparecer como perseguido e mártir na campanha para a eleição deste ano.
Não é à toa que estão surgindo pesquisas sobre a suposta queda na aprovação popular do governo Lula. E outra pesquisa prevê que em São Paulo o candidato apoiado por Lula, Guilherme Boulos, chegue em primeiro lugar no primeiro turno, mas perca no segundo turno para o candidato da direita, o atual prefeito Ricardo Nunes. No segundo turno, todos se juntariam contra Boulos e a prisão de Bolsonaro até ajudaria.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.