O Jornal Brasil Popular apresenta mais um artigo em comemoração dos 60 anos da AEPET. Neste texto, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet) expõe as palavras do ex-presidente, entre 1992/93, Diomedes Cesário da Silva, convidado desta quarta-feira (20), na série sobre os 60 anos da associação
De volta ao passado
O país importava os combustíveis para movimentar a economia e sua produção e as reservas de petróleo eram pífias. A segurança energética e a militar dependiam de outras nações para abastecer suas indústrias, veículos e residências. Foi então que surgiu um movimento na sociedade reunindo estudantes, trabalhadores, militares e políticos de diversos partidos.
O “Petróleo é Nosso” propiciou a criação da Petrobrás, em 1953, por Getúlio Vargas, para abastecer o país aos menores custos possíveis, autossuficiente em petróleo e derivados, garantindo os recursos para seus investimentos. Os preços dos derivados despencaram e a produção de petróleo subiu rapidamente. Nada surpreendente, pois a lógica das multinacionais era maximizar o lucro, beneficiando seus acionistas.
Foram descobertas reservas de petróleo em terra e águas profundas, construídas refinarias, dutos e terminais. A indústria nacional desenvolveu-se graças ao apoio e encomendas da estatal.
Mas, seus inimigos, nunca aceitaram sua existência. Getúlio foi levado ao suicídio, barrando o movimento dos que desejavam destruí-la. Várias outras tentativas foram feitas para restaurar os antigos privilégios do mercado internacional, com preços abusivos e desligados da realidade nacional.
Venda das ações
Após 1990, com as privatizações, a perda da exclusividade do exercício do monopólio do petróleo da União pela Petrobrás em 1997 e a negociação de ações da Petrobrás na Bolsa de NY em 2000, o ataque aumentou.
O foco da empresa, completamente contrário aos objetivos da sua criação é, como diz a atual gestão, o acionista. Traduzindo, aumentar o lucro dos sócios privados.
Mas, quando compram as ações estão cientes de que “O governo federal brasileiro, como nosso acionista controlador, pode buscar certos
objetivos macroeconômicos e sociais por nosso intermédio que podem ter um efeito adverso relevante sobre nós.” Como consta no relatório aos investidores estrangeiros. [1]
Dizem que este lucro maior vai ser usado pelo governo para beneficiar a população. Não falam que ela está pagando mais pelo gás de cozinha, gasolina e diesel, que encarecem os alimentos. Nem esclarecem que 42% do total de dividendos deverão ser distribuídos a acionistas estrangeiros, 21% a brasileiros e apenas 37% a União e entes federais.
A Petrobrás não foi criada para ser uma empresa como outra qualquer. Para isso já existiam as grandes multinacionais petroleiras.
“A sociedade de economia mista é um instrumento de atuação do Estado, devendo estar acima, portanto, dos interesses privados. A Lei das S.A. (Lei nº 6.404, de 17 de dezembro de 1976), se aplica às sociedades de economia mista, desde que seja preservado o interesse público que justifica sua criação e atuação (artigo 235)”. [2]
Os erros dos governos
São dois os erros cometidos por governos em todo o mundo na gestão de empresas como a Petrobrás: ou praticam a paridade com o mercado internacional, onerando a economia e a população, ou são utilizadas para controlar a inflação e fornecer derivados a preços favorecidos a grupos privados, tornando-se deficitárias, desabastecendo o país e dando argumentos para a privatização.
Normalmente os grupos que tentam extrair vantagens para seus sócios privados são os mesmos que advogam sua venda, sob a promessa de maior eficiência e preços reduzidos ao consumidor.
Mercado interno, investimentos e importações
Não há interesse das multinacionais em investir em novas refinarias, embora a demanda deva aumentar nos próximos anos. É muito mais rentável comprar instalações existentes, ou importar os produtos de suas refinarias no exterior, se for mantida a atual política de preços.
Para viabilizar a importação de derivados, a gestão da Petrobrás, a partir de 2016, passou a praticar a Preço de Paridade de Importação (PPI), considerando os preços do mercado internacional, mais custos de importação, frete até a refinaria e seguros. [3]
O que não faz sentido, pois em 2020, 94% do petróleo processado nas nossas refinarias foi nacional, sendo o pré-sal responsável por 68% do petróleo produzido no país, com custo muito inferior ao internacional. [1]
O país ficou refém das oscilações do dólar e das instabilidades do mercado internacional, prejudicando a população, seu maior acionista e a razão de sua criação. As importações cresceram e a utilização das refinarias da companhia foi reduzida em até 30%. Os preços no mercado interno dispararam, apesar de todas as evidentemente falsas promessas em contrário.
A tabela abaixo dá uma visão muito clara da atual política: preços mais elevados para a população, queda nos investimentos, redução de empregos, refinarias ociosas, maior Importação, perda de mercado e lucro.
“A Tabela 1 mostra a elevação dos preços dos derivados praticados pela Petrobrás, em relação ao preço do petróleo Brent no mercado internacional, desde 2015. No mesmo período se observa a redução do fator de utilização das refinarias da estatal, ou seja, a elevação da sua ociosidade.
Apesar de praticar preços relativos mais altos, pode-se observar a redução da geração de caixa (expressa pelo EBITDA) e do lucro bruto anuais. Ao mesmo tempo em que se constata redução significativa do investimento.” [3]
Os investimentos foram preteridos em benefício da distribuição de dividendos, ao contrário do que historicamente tem sido praticado e é a razão de ser da companhia. Foram investidos, entre 2010-2014, cerca de US$ 50 bilhões por ano, despencando para US$ 8 bilhões em 2020. Enquanto isso, pela primeira vez em sua história distribuiu mais dividendos que o lucro obtido. [4]
Valores pagos com recursos obtidos em parte com a privatização de gasodutos, refinarias e campos de petróleo em produção, isenções tributárias, variação do dólar e preços elevados dos produtos. [5]
Em suma: colhem os frutos de administrações anteriores, doam os ativos comprometendo as receitas futuras e distribuem o espólio a fundos especulativos.
O governo federal é quem determina a gestão da Petrobrás
O governo federal costuma alardear que não interfere nas decisões da Petrobrás, o que é uma balela, pois sua direção e maioria de membros do Conselho de Administração são por ele nomeados. As gestões da companhia seguem as determinações do governo.
Vejam o que diz o relatório aos investidores estrangeiros, mais claro que isso “só desenhando”, como se costuma dizer.
“A legislação brasileira exige que o governo federal brasileiro detenha a maioria de nossas ações com direito a voto e, enquanto detiver, o governo federal brasileiro terá o poder de eleger a maioria dos membros de nosso Conselho de Administração e, por meio deles, os diretores executivos que são responsáveis por nossa administração do dia a dia.
Como resultado, podemos nos envolver em atividades que dão preferência aos objetivos do governo federal brasileiro em vez de nossos próprios objetivos econômicos e de negócios, o que pode ter um efeito adverso em nossos resultados e condição financeira.
Os interesses de nosso acionista controlador podem diferir dos interesses de nossos outros acionistas, e as decisões tomadas por nosso acionista controlador podem envolver considerações,estratégias e políticas diferentes do que no passado.
As eleições presidenciais no Brasil ocorrem a cada quatro anos, e as mudanças nos representantes eleitos podem levar a uma mudança dos membros de nosso Conselho de Administração indicados pelo acionista controlador, o que pode impactar ainda mais a gestão de nossa estratégia e diretrizes de negócios, incluindo nosso Plano Estratégico, conforme mencionado acima.
Como nosso acionista controlador, o governo federal brasileiro orientou e pode continuar a orientar certas políticas macroeconômicas e sociais por nosso intermédio, de acordo com a legislação brasileira. Dessa forma, podemos fazer investimentos, incorrer em custos e nos envolver em transações com partes ou em termos que podem ter um efeito adverso em nossos resultados e condição financeira.” (grifos nossos) [1]
É impressionante como este relatório é antinacional e subserviente. Dizer que “a legislação brasileira exige que o governo federal brasileiro detenha a maioria de nossas ações com direito a voto e, enquanto detiver …”, é quase que um lamento e pedido de desculpas. “Enquanto detiver …” jamais poderia estar num relatório da Petrobrás, que foi criada para esta finalidade.
O que diriam os generais Horta Barbosa e Ernesto Geisel sobre a gestão que assinou este documento?
E se a Petrobrás não existisse?
Sem a Petrobrás, o país ficará entregue às grandes tradings que nos obrigarão a importar cada vez mais combustíveis necessários para movimentar a economia, elevando os preços e comprometendo as contas externas do país.
Para quem acredita que isto não ocorrerá e que o mercado cuidará de tudo, as informações a seguir podem ser esclarecedoras:
“Em 2010, a Vitol e Trafigura venderam 8,1 milhões de barris de petróleo por dia, o equivalente às exportações de petróleo da Arábia Saudita e da Venezuela juntas. … Para a população em geral, inclusive a bem informada, a impressão é de que as variações de preço que atingem o nosso bolso são fruto de mecanismos imprevisíveis, e não de um grupo de corporações que simplesmente vêm buscar o dinheiro no nosso bolso…
A Vitol, com faturamento de 313 bilhões de dólares em 2012, é controlada pelo gigante financeiro americano BlackRock. De acordo com The Economist, a plataforma financeira gere 14 trilhões de dólares em ativos financeiros no mundo, quase o PIB americano.” É também acionista da Petrobrás, onde chegou a deter mais de 5% das ações. [6]
O presidente-executivo da Abicom (Associação Brasileira dos importadores de Combustíveis), no dia 13 de outubro passado, quatro dias depois da Petrobrás ter reajustado os preços da gasolina e gás de cozinha, reclamou dizendo que a gasolina estava com o preço defasado em 11% e o diesel, em 17%.
A defasagem é a razão, segundo a Abicom, para que 83% das importações em agosto tenham sido feitas pela Petrobras.
“Não vale a pena para ninguém importar. A Petrobras está recorrendo ao mercado externo para evitar o desabastecimento, mas vende abaixo do custo. O Conselho da empresa vai ter que analisar isso”, afirmou o representante dos importadores. [7]
A situação é tão esdrúxula que, mesmo com os preços nas alturas, ameaça a Petrobrás por não aumentar mais ainda.
O mercado de derivados brasileiro é o sétimo do mundo e com previsão de crescimento de 1,8% ao ano até 2030. Isto é que atrai os grandes conglomerados industriais/financeiros em todo o mundo.
Nosso mercado interno é exatamente o maior patrimônio do país, que dá força e condições para a Petrobrás investir, descobrir o pré-sal e desenvolver o mercado industrial brasileiro.
Rever as privatizações
As privatizações efetuadas, sob a denominação de “desinvestimentos”, devem ser revistas, por serem prejudiciais à empresa e ao país. Não há melhor negócio que comprar obra pronta, sem riscos, a preço reduzido, com rentabilidade e mercado garantido.
Trata-se, na verdade, de transferência de bem público em benefício de grupos privados.
Se a tarefa de barrar a destruição da empresa não é pequena, certamente é muito menor que a dos nossos antepassados que tiveram que construí-la, contra todos os entreguistas da época.
Diomedes Cesario da Silva
Ex-presidente da AEPET
[1] http://files.investidorpetrobras.com.br/documentos/FORM-20-F-2020_Portugues.pdf página 51