Desde que o adiamento dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio foi anunciado, em 24 de março, a postura das autoridades ligadas aos Comitês Olímpico Internacional (COI) e Organizador dos Jogos, e ao governo japonês, tem sido diferente daquela que antecedeu a alteração das datas. Até dois dias antes da mudança, o discurso era de que o evento seria realizado em 2020, apesar de manifestações contrárias de atletas e comitês nacionais, preocupados com o avanço da pandemia do novo coronavírus (covid-19) e o impacto em torneios qualificatórios e treinos. A partir da remarcação, um tom de incerteza passou a despontar nas declarações. Até o cancelamento da competição não é mais descartado.
Para Katia Rúbio, professora da Faculdade de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP) e a coordenadora do Grupo de Estudos Olímpicos, a mudança no discurso começa com a pressão de alguns comitês olímpicos nacionais, como os da Austrália e Canadá, que ameaçaram não enviar atletas ao Japão se os Jogos não fossem adiados.
“A palavra boicote, no meio olímpico, remete a ações políticas de 1980 e 1984, quando foram boicotados os Jogos de Moscou (Rússia) e Los Angeles (Estados Unidos). Tudo que o COI não quer é dar ao cancelamento, ou ao adiamento, essa conotação política. No momento em que dirigentes utilizam essa expressão, o COI anuncia o adiamento e altera sua atitude de comunicação. Desde então, o que assistimos é a construção de um discurso que envolve também autoridades japonesas, que, no meu entendimento, caminha mais para o cancelamento, não apenas para o adiamento”, analisa, à Agência Brasil. “Mas veja, é uma situação inédita. Nunca antes se viveu, no movimento olímpico, algo parecido. A não realização dos Jogos, até hoje, tinha se dado por conta de guerras”, pondera.
O vice-presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Marco La Porta, porém, entende que o cenário já foi de mais desconfiança. “Tivemos momentos em que eu diria que a sensação foi pior. Hoje, a sensação é de muita confiança. Se fosse colocar em percentual, talvez há um mês era de 60%. Hoje, digo que é de 90% de chances de acontecer. O mundo está caminhando para resolver o problema da pandemia. A mensagem que o COI quer passar, a gente confia nisso, é que os Jogos sejam um grande congraçamento da raça humana, para que a gente vença o problema sério da pandemia, e que a gente possa, com segurança, realizar os Jogos e brindar o mundo com as competições”, avaliou o dirigente durante entrevista ao repórter Igor Santos, da TV Brasil.
O COB foi um dos primeiros comitês a pedir mudança na data do evento. Apesar disso, La Porta disse compreender a demora para a confirmação dos Jogos em 2021. “O COI teve muito cuidado antes de tomar a decisão, porque ela envolve questão financeira, de planejamento da cidade. Não é simplesmente adiar. [O país] Pode receber o evento no ano seguinte? E os contratos com patrocinadores? Tudo isso não se resolve de um dia para o outro”, explicou. “Talvez, uma decisão de cancelar os Jogos seria até economicamente mais fácil. Mas, você imagina… Quando se fala em Olimpíada, você mexe com o sonho da carreira de um atleta. Se não tem, você acaba com o sonho de milhares de atletas”, completou o dirigente.
A hipótese de não realização da Olimpíada, antes fora de cogitação, não é mais absurda. Em abril, o presidente do Comitê Organizador, Yoshiro Mori, admitiu ao jornal japonês Nikkan Sports que os Jogos poderiam ser descartados se a covid-19 não estiver controlada em nível global. Em maio, foi a vez de Thomas Bach, dirigente máximo do COI, reconhecer, em entrevista à rede britânica BBC, a perspectiva de cancelamento do evento pela mesma razão.
A possibilidade de as competições serem disputadas com portões fechados, ao menos por enquanto, é rejeitada. No fim de março, o Comitê Olímpico informou que os ingressos adquiridos para os Jogos em 2020 valeriam para 2021, com garantia de devolução a quem não puder comparecer.
A estimativa do diário japonês Nikkei, especializado em economia, é que o adiamento dos Jogos tenha um custo extra de US$ 2,7 bilhões – aproximadamente R$ 13 bilhões – entre manutenção de estruturas e revisão de contratos. “Está acontecendo uma grande negociação de bastidores para adequar o calendário [de competições] que aconteceria no ano que vem para acomodar os Jogos, mas, não só. Há todo um calendário que antecede o evento, inclusive classificatório”, destaca Rubio. “Há, ainda, atletas que tinham se planejado para se aposentar neste ano e que terão que se replanejar. E há todo o custo do calendário não preenchido. Os custos materiais são enormes, mas, o imaterial é impossível de dimensionar”, conclui.
Se nada mudar, a Olimpíada de Tóquio será disputada entre 23 de julho e 8 de agosto de 2021. Já a Paralimpíada ocorrerá entre 24 de agosto e 5 de setembro, também do ano que vem. Para isso, porém, será preciso um maior controle da pandemia de covid-19. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são quase 15 milhões de casos confirmados da doença no mundo, com recorde em 24 horas atingido há cinco dias: quase 260 mil novos infectados. São mais de 618 mil mortes no planeta. O próprio Japão, sede dos Jogos, vive a segunda onda da pandemia. Nesta quinta-feira (23), o país teve 726 novos casos, número mais elevado desde 12 de abril.