A influência neoliberal no Brasil, comparando retrocessos nacionais com o avanço civilizatório da China.
O jornal O Globo, de 20/12/2024, traz duas pérolas para os leitores. A reportagem com o governador do Estado do Rio de Janeiro tendo título: “Claudio de Castro: ‘O criminoso perdeu o medo do Estado‘”, e outra, a coluna de Bernardo Mello Franco com o seguinte início: “O Superior Tribunal Militar deu uma contribuição original à ciência jurídica. Inventou o fuzilamento com 257 tiros sem intenção de matar”.
Poderia parecer novidade, porém é mais uma contribuição da ideologia neoliberal que tomou o País na década de 1980.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) fornece um caminho do esclarecimento, com a divulgação do Caderno de Getúlio Vargas, que Celina Vargas do Amaral Peixoto, neta de Vargas, doou, no fim de 2022, ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (FGV/CPDOC). Filha de Getúlio e mãe de Celina, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, no bilhete afixado na capa do caderno, observa que as 51 páginas “são notas de um homem revoltado e consciente”.
Quanta informação e, principalmente, que percucientes análises naqueles anos de exílio, 1945 a 1949, sobre seu governo e as traições que sofreu (1930-1945) e voltariam a vitimá-lo até a morte (1954).
No artigo anterior, “Brasil: o País que desistiu de existir como Estado Nacional”, insisti na questão da instrução, que, a meu ver, transcende à escolaridade, ainda que não a dispense. Educar é entregar ferramentas para o conhecimento e a permanente realimentação sobre as modificações da realidade, em todas as dimensões: política, social, econômica, tecnológica, cultural, psicológica etc.
Portanto, há nesta dimensão da comunicação, a necessária presença do Estado, como representante de todos os brasileiros. A privatização do ensino, como da comunicação resultam na incompleta formação para a cidadania. Não propugno a integral ação estatal, mas condeno o monopólio privado, como vemos o Brasil caminhar.
O governador Tarcísio de Freitas, do Estado mais rico do Brasil, São Paulo, mostra ser um radical neoliberal ao aprovar leilões para privatização das escolas públicas. Quanto prejuízo para o Estado, que péssimo exemplo para o País. Que abismo se criou no Brasil após Vargas, que, no mês que foi escolhido Presidente do Governo Provisório, tratou de colocar o Estado na educação, na saúde e nas relações de trabalho. E ainda era tão recente a escravidão legal (1888)! E o governador Tarcísio é, provavelmente, um saudoso do século 19.
A escravidão serve também para entender os oito votos majoritários do Superior Tribunal Militar (STM) no caso do fuzilamento do músico Evaldo Rosa e do catador de recicláveis Luciano Macedo, que tentou ajudá-lo, por 257 tiros. Não é a ignorância jurídica, ainda que dela se possa esperar num poder que a cada dia mais envergonha a Nação.
É o absoluto desprezo pela verdade, pela coisa pública, por todos nós, brasileiros, que um pequeno conjunto da classe média considera escravos; indignos de qualquer consideração, e de quem o conceito não tem o menor valor.
São os mesmos que elevam as taxas de juros para “reduzir a inflação”, em tempo de desemprego, desindustrialização, de miséria e fome. Um escárnio lançado sem pudor aos pobres, aos que lutam 12, 15 horas diárias por um pedaço de pão.
Como “inflação”, onde faltam empregos e salários? Vê-se apenas ironia ou sarcasmo, nenhum conhecimento, nenhuma consideração pelo semelhante. Não esqueça esta minoria, que nem é formada por bilionários, que eles, como aqueles que eles agridem, são todos australopitecos, saídos da Etiópia há uns 50 mil anos.
Capitanias hereditárias, escravização, mistificações, zero em instrução formaram esta camada de péssimos brasileiros que a corrupção do neoliberalismo financeiro colocou em postos decisórios.
Doses massivas de educação, 12 horas por dia, em escolas públicas de horário integral, como os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), criados por Darcy Ribeiro, Oscar Niemeyer e pelo grande governador Leonel Brizola, no Rio de Janeiro. E, no tempo restante, a programação no rádio, na televisão, em redes virtuais, ensinando o Brasil, sua geografia, sua história e de seus grandes, ainda que poucos, vultos que trabalharam para nossa soberania e cidadania, e os diversos aspectos da cultura brasileira.
A China, em duas ocasiões, depois da vitória de Mao Tse Tung (outubro de 1949), enviou um grupo de autoridades/representantes ao Brasil. Desejavam maior aproximação com nosso País, e conhecer o modo como crescemos 10% ao ano, no período denominado Milagre Brasileiro.
A China enfrentava diversas dificuldades, quer pelas condições naturais, quer pela falta de respostas da ideologia dominante, quer pela oposição do estrangeiro. No Brasil, país subdesenvolvido, majoritariamente analfabeto e desinformado, parecia-lhes haver um caminho. Porém, a partir de 1990, enquanto o Brasil caía nas armadilhas neoliberais, a China buscava um caminho próprio, culturalmente seu, no mais entranhado pensamento e sentimento chinês: o do confucionismo (500 anos antes de Cristo).
O resultado está às claras, reconhecido e causando temores no Mundo Ocidental. A China se revela, nesta terceira década do século 21, potência mundial, quer no desenvolvimento social, econômico, militar, tecnológico, quer no relacionamento igualitário com seus parceiros da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), ou a Nova Rota da Seda, constituída em 2013.
O Brasil retrocede, alienando o patrimônio construído nos 50 anos iniciados com a Revolução que colocou Getúlio no poder, a Era Vargas (1930-1980), com a ignorância crescente, como se vê nos próceres bolsonaristas, desindustrializando o Brasil, entregando de graça a produção de energia hídrica, com a empresa Eletrobrás, colocando a Petrobrás, a maior empresa brasileira, detentora de tecnologia única para produção de petróleo em águas ultraprofundas, para trabalhar dando lucro a empresas estadunidenses, britânicas, estrangeiras sempre, e fazendo do País um exportador de produtos agrários e minérios, produtos primários, como qualquer colônia.
Confrontar, sob qualquer aspecto, a China de 2024 com o Brasil do mesmo ano é ficar rubro de vergonha. Como caímos e como eles subiram na escala da condição humana, no avanço civilizatório.
O Estado e a nação
Não posso, conscientemente, atribuir ao atual governador do Rio de Janeiro citações críticas à teoria política ou jurídica. Mas ele sentiu, no exercício da função, que os marginais eram os verdadeiros gestores do Estado que ele governa. Por que o Estado não se impõe?
Resposta fácil: porque foi privatizado, ou melhor, vem sendo privatizado desde o governo de José Sarney. Cada presidente dando sua contribuição ativa ou, se fazendo de morto, omisso, deixando ocorrer.
Recorde-se a canção da cubana Maria Teresa Veras (1895-1965), Veinte años, o Estado privatizado “es un pedazo del alma, que se arranca sin piedad”. Mais cedo, mais tarde todos sofrerão com sua ausência. O governador Claudio de Castro já dá o sinal.
Alguém ganha, a maioria perde. Os beneficiários, receptadores, são os que especulam com os recursos do País, com as oscilações cambiais, com as altas taxas de juros, com as privatizações por joias ou valores insignificantes, com orçamentos secretos e fraudes de diversos tipos, maquiando a realidade econômica e social, arrancando um pedaço da alma junto com o corpo do Brasil.
E não há força que se lhes oponham. Ainda dos Veinte años, com que “tristeza miramos” nossa Pátria se dissolver. Mas quem enfrentará os filhos escravistas das capitanias hereditárias, das gerações que combateram o ensino universal, laico e gratuito, dos que foram estudar no exterior para não se contaminarem com algum nacionalismo brasileiro.
Em tudo o contrário da China de Zhao Zi Yang e Jiang Zi Min, e, no século 21, de Hu Jin Tao e Xi Jin Ping.
A prioridade da instrução é-nos indiscutível; quer a escolar, de escolas públicas de horário integral, laicas, grátis, para todos, em todo país, quer a que nos chega pela comunicação de massa, pelos canais abertos ou exclusivos, virtuais ou em eventos públicos.
Porém deve-se, paralelamente, reorganizar a estrutura governamental brasileira, como o fez a China, buscando, nos objetivos imediatos e de médio prazo e na cultura mais entranhada na alma do povo, os princípios que regerão esta construção.
O Brasil é um país continental, com diferenças facilmente reconhecidas, mas com o mesmo idioma e o mesmo sentimento de brasilidade. Isso nos leva ao governo central para planejamento, controle, auditorias e representação nacional, e governos regionais, para a programação, gerência, execução dos projetos, manutenção das atividades, auditagem e controle.
A grosso modo, simplificadamente, dir-se-á que as atividades relacionadas à Soberania estarão centralizadas, e as vinculadas à construção da Cidadania, descentralizadas, embora com diversas exceções.
De algum modo, com as Assembleias Provinciais e a Nacional, a China, também país continental, assim se estruturou.
E outra diretriz para estrutura de organização do Brasil deve ser a que dê maior participação popular ao modelo decisório. Comitês consultores com representação tecnológica, comitês gestores, com proporcionalidade de renda, comitês fiscalizadores, com distribuição geográfica etc.
Ficam estas considerações para recuperação do Brasil, eliminando o poder açambarcador da ideologia neoliberal financeira e caminhando no sentido do País que sabe usar sua riqueza em favor do seu povo: nacional trabalhista.
(*) Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.
*As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.