É muito fácil dar opinião. Tão fácil que o dito popular diz: “se opinião fosse paga o mundo só tinha milionários”.
Mesmo assim, me atrevo a opinar sobre o tema do amor entre pessoas do mesmo sexo, buscando um pouco do meu conhecimento jurídico para fazer uma ponte entre o que temos em nossa legislação, e a vida desta grande parte da população tão discriminada e excluída.
Para se discutir o amor entre pessoas do mesmo sexo (ou simplesmente amor verso sexo) é imprescindível se falar sobre sexualidade, tema este ainda evitado entre grande número de pessoas, vivido mas não falado pela quase maioria absoluta da humanidade.
Em agosto de 2000, a Assembléia Geral da WAS – World Association for Sexology (Associação Mundial de Sexologia) aprovou as emendas para a Declaração de Direitos Sexuais, decidida em Valência, no XIII Congresso Mundial de Sexologia, em 1997.
Esta Declaração começa dizendo que: “Sexualidade é uma parte integral da personalidade de todo ser humano. O desenvolvimento total depende da satisfação de necessidades humanas básicas tais quais desejo de contato, intimidade, expressão emocional, prazer, carinho e amor”.
Diz, mais adiante que “Os direitos sexuais são direitos humanos universais baseados na liberdade inerente, dignidade e igualdade para todos os seres humanos”.
Destaca alguns direitos essenciais à saúde sexual, tais como:
* direito à liberdade sexual;
* direito à autonomia sexual;
* direito à privacidade sexual;
* direito à livre associação sexual;
* direito às escolhas reprodutivas livres e responsáveis.
Comparando esses direitos com os direitos universais, ousamos dizer que não existe nenhuma incompatibilidade entre eles, ao contrário, eles se somam e fortificam os já existentes para possibilitar a defesa dos direitos das pessoas discriminadas por pertencerem a uma categoria que ousa viver a sexualidade fora dos padrões da maioria da sociedade.
Assim vejamos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos – assinada pelo Brasil no dia 10 de dezembro de 1948 – diz no seu artigo primeiro que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.
Mais adiante, o artigo XII estabelece que “ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.
Por outro lado (leia-se: do mesmo lado) nossa Constituição Federal proclama no seu artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”. O inciso II do mesmo artigo diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei” e o inciso X afirma que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas…”
Trazendo apenas estes dois documentos – a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que serve de subsídio aos nossos princípios legislativos e a nossa Constituição Federal, já temos material suficiente para dizer que os direitos individuais (liberdade, privacidade, dignidade etc.) são direitos comuns a todas as pessoas e que a vida sexual é um bem privado, pessoal e íntimo. Como tal, não deve ser objeto nem de discussão por parte de qualquer pessoa alheia a esta vida pois só interessa às/aos partícipes diret@s. Existirá sempre a exceção quando for praticado de forma violenta, através de coerção, tortura, mutilação, exploração, abuso ou qualquer outra forma que venha contra a vontade e prejudique @ outr@ ou a coletividade.
Diante de um casal heterossexual, não é comum se questionar como e que tipo de sexo é praticado entre eles. Porque então se questionar e constranger casais homossexuais, em nome de uma moral que nem sempre corresponde à perfeição? A busca da felicidade sempre foi a principal meta da humanidade e, se a felicidade d@ outr@ está junto de uma pessoa do seu sexo, o que isto irá interferir na “minha” felicidade? A intromissão, palpite ou repressão representam apenas uma forma de exercício do poder sobre o corpo e a vontade de outrem.
O que vemos no caso da discriminação que sofrem as pessoas que vivem sua sexualidade da forma que desejam, sem se apegarem ao que a sociedade considerou como “normal”, é a ausência de uma legislação explícita, clara, como ocorre com outras categorias também discriminadas, como a d@s negr@s, d@s portadores de necessidades especiais, das mulheres etc. Estes grupos possuem legislações específicas contra as discriminações que sofrem através dos tempos.
Hoje, apesar de ainda haver muita discriminação, preconceito e violência contra homossexuais partida de pessoas intolerantes, sentimos que o “cerco” a essa categoria está sendo rompido. O rompimento é lento e gradual mas já vemos uma luz no túnel. Talvez digam que estou sendo muito otimista. Aceito se tirarem o “muito”. Sou otimista e este meu sentimento cresce quando vejo atos ou fatos, como o do Instituto Nacional de Previdência Social – INSS, que estabeleceu, através de uma instrução normativa (nº 25/2000), os procedimentos a serem adotados para a concessão de pensão por morte de companheir@ homossexual. Sabemos que este ato não partiu da “compreensiva” direção do INSS e que muita luta judicial foi travada para que se chegasse a ele. Mas chegou. Assim, o Executivo, mesmo que forçosamente, teve que admitir a existência da homossexualidade entre @s brasileir@s.
Outro passo importante para o avanço da luta pelos direitos d@s homossexuais surgiu no Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH, do Ministério da Justiça – Conselho Nacional dos Direitos Humanos.
Houve um verdadeiro avanço entre o PNDH I e o PNDH II assinado pelo Presidente da República, dia 13 de maio. Enquanto que o anterior trazia a questão da discriminação em razão da orientação sexual no bojo das demais discriminações e programava algumas ações isoladas, o segundo enfoca a orientação sexual em artigos próprios, propondo emenda à Constituição Federal para incluir a garantia do direito à livre orientação sexual e a proibição da discriminação por orientação sexual. Propõe apoiar, também, a regulamentação da parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo e a regulamentação da lei de redesignação de sexo e mudança de registro civil para transexuais. O ducumento também aborda o aperfeiçoamento da legislação penal no que se refere à discriminação e à violência motivada por orientação sexual; a exclusão do termo ‘pederastia’ do Código Penal Militar e a inclusão nos censos demográficos e pesquisas oficiais de dados relativos à orientação sexual.
No item da Garantia do Direito à Igualdade, também os Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais – GLTTB estão explícit@s em diversas áreas, inclusive nas do ensino, das políticas públicas, no Poder Judiciário e Ministério Público, segurança, saúde e comunicação.
Os Três Poderes
Nossos tribunais têm recebido, debatido e julgado questões específicas dos homossexuais. Hoje já não causa “assombro” nem “cochichos” em seus corredores o protocolo de um processo onde casais homossexuais de homens ou de mulheres, exercem o direito de buscarem o direito, peticionando o que consideram justo para que suas vidas sejam vividas com respeito, dignidade e igualdade. Juizas ou juízes, promotores ou desembargadores têm tratado do tema, inclusive produzindo artigos para a grande imprensa, abordando temas como “união homossexual”, “adoção por casais homossexuais” e outras questões afins. Revistas e jornais jurídicos incluem entre seus temas estas questões e, o que é mais importante: transferindo essas discussões para o campo do Direito de Família, o que demonstra ser a união entre pessoas do mesmo sexo uma questão de afetividade, ou “homo afetividade” como bem disse uma juíza gaúcha.
A atuação legislativa não tem tido a mesma intensidade, mesmo porque não trabalha com a premência do judiciário que tem o dever de julgar o que se tornou um problema vivenciado pelas pessoas. Entretanto também abriu suas portas para esta questão através de um projeto de lei que regulamenta a união de pessoas do mesmo sexo. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados tem procurado mostrar aos/às parlamentares a questão da violência contra homossexuais em nosso país e a necessidade da não discriminação.
A participação dos três Poderes em debates, propostas de ações ou intervenções é uma prova de que o reconhecimento da existência desta categoria de pessoas existe em nossa sociedade. Como uma realidade nossa, deve ser tratada e não mais escamoteada como tem sido feito até pouco tempo atrás.
Desta forma, à medida que a sociedade vai evoluindo e as pessoas vão se conscientizando de que têm direitos que devem ser respeitados e buscam na Justiça ou nos órgãos públicos esses direitos, eles vão se tornando visíveis e contribuindo para quebra de tabus ou preconceitos. A homossexualidade não pode ser considerada como crime, pois em nossa legislação penal não existe tal figura. Poderá ser considerada como um pecado exclusivamente para aqueles/as que acreditam nesta forma de punição religiosa, por ser uma questão de foro íntimo, não atingindo aqueles/as que não compartilham a mesma crença. A sexualidade está inserida na intimidade e na privacidade das pessoas ou mais, a sexualidade é a própria intimidade e, como tal, deve ser tratada no âmbito dos direitos fundamentais de todo ser humano. Como Direito é que deve ser encarada e respeitada.
Continuando com o otimismo que me empolgou no início desta matéria, sem minimizar as dificuldades que ainda têm que ser superadas, prevejo que, como o movimento de mulheres na década de 80 ou o movimento d@s negr@s na década de 90, o movimento d@s homossexuais nestas próximas décadas vai deslanchar e mostrar para a humanidade que só com a tolerância e o respeito ao ser humano, da forma que ele se apresente, chegaremos a uma plena democracia, com igualdade e equidade.
(*) Por Iáris Ramalho Cortês, advogada e integrante da Assessoria Técnica do CFEMEA
Artigo atualíssimo, foi publicado, originalmente no Jornal Fêmea, edição de maio 2002. (p. 6 e 7)
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