Rapper falou sobre caso ocorrido em escola particular de Salvador, quando mãe de aluno vandalizou livro infantil Amoras
O rapper Emicida se pronunciou, nesta terça-feira (7), após seu livro infantil Amoras ter sido alvo de intolerância religiosa praticado pela mãe de um aluno do ensino fundamental de uma escola particular de Salvador. O rapper divulgou um vídeo comentando o caso.
“Hoje minha reação a isso é de tristeza. Não uma tristeza de derrota. A história do livro, ela fala por si, e é uma grande vitória. A repercussão dele, fala por si. A tristeza é por essas pessoas que querem que a sua religião, no caso a cristão, protestante, conhecidos como evangélicos, seja respeitada, e deve ser respeitada, mas não se predispõem nem por um segundo a respeitar outras formas de viver, de existir e de manifestar sua fé”, disse Emicida.
Viva as religiões de matrizes africanas e indígenas ✊🏾 pic.twitter.com/E64Bv40tNC
— emicida (@emicida) March 7, 2023
O rapper disse ainda que não é a primeira vez que é alvo de manifestações deste tipo, como as ocorridas na escola da Bahia. Ele disse que se sentiu triste por viver em uma sociedade onde é preciso conviver com “radicais”.
“No começo, imaturo, eu fiquei com raiva e levei para o pessoal, mas era uma questão muito maior. Então, eu fiquei triste porque é de entristecer viver entre radicais que se propõem a proibir e vandalizar livros infantis. Livros. Sobretudo um livro tão inofensivo como esse, Amoras. Quer dizer inofensivo para os não racistas”, disse.
O rapper ainda parabenizou os professores que adotam o livro em suas turmas escolares, e convidou seguidores evangélicos a demonstrarem indignação em suas células e igrejas contra este e outros casos de intolerância religiosa, além de pedir que criassem um ambiente de respeito a outros tipos de fé e religiões.
Emicida também celebrou as religiões de matriz africana e afirmou que elas “resistiram, resistem e seguirão resistindo em nome do respeito e da vida”.
Entenda o caso
![Capa do livro 'Amoras', de Emicida — Foto: Ilustração de Aldo Fabrini](https://s2.glbimg.com/Jj8PAdpAF8CqkxhSdZopyWaVoX4=/0x0:2421x2421/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2018/A/D/FFYcXaRU6d4gbC8HqSqw/emicidaamorascapa.jpg)
As páginas do livro foram riscadas com indicações de salmos bíblicos, enquanto informações sobre orixás foram indicadas como “falsas”. O caso se tornou público na segunda-feira (6), quando uma mãe de aluno encontrou a obra vandalizada.
O caso é classificado como racismo religioso pela advogada criminalista e Conselheira Seccional da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) da Bahia, Dandara Amazzi Lucas Pinho.
De acordo com a direção da escola Clubinho das Letras, o livro, que é adotado nas práticas de ensino, foi indicado como sugestão de obras didáticas para o projeto Ciranda Literária.
Nele, os responsáveis pelas crianças são convidados a comprar livros sugeridos pela unidade de ensino que, em seguida, são levados à escola e disponibilizados entre os alunos.
- Confira algumas mensagens deixadas no livro:
![Primeira página do livro "Amoras" — Foto: Arquivo pessoal](https://s2.glbimg.com/V8czBcrHgdm0OMSuFZ7Kna8xry8=/0x0:1600x1200/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2023/v/O/J3AmDKQtmiRGxeyH784g/whatsapp-image-2023-03-06-at-14.52.00-1-.jpeg)
Primeira página do livro “Amoras” — Foto: Arquivo pessoal
![Páginas do livro foram riscadas à mão — Foto: Arquivo pessoal](https://s2.glbimg.com/C6AkMnAspyzreE2txHV-QvFvCNg=/0x0:1600x1520/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2023/h/n/7eR9uETVO2YJCecWliUg/whatsapp-image-2023-03-06-at-14.52.01-3-.jpeg)
Páginas do livro foram riscadas à mão — Foto: Arquivo pessoal
![Livro tem glossário, onde alguns termos são explicados para as crianças — Foto: Arquivo pessoal](https://s2.glbimg.com/UW_CNXKhMm1geKyEWgosRQssxeY=/0x0:1474x1600/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2023/4/m/l9YPE7TcaXAoV0EQyk2Q/whatsapp-image-2023-03-06-at-14.52.02.jpeg)
Livro tem glossário, onde alguns termos são explicados para as crianças — Foto: Arquivo pessoal
![Página do livro escrito por Emicida é vandalizado em escola de Salvador — Foto: Redes sociais](https://s2.glbimg.com/q-EZqQXKyG6LcLU5mz23q_D1iJ4=/0x0:1545x1600/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2023/G/a/e4ODtsSn2HuyZr81mORQ/whatsapp-image-2023-03-06-at-11.25.07.jpeg)
Página do livro escrito por Emicida é vandalizado em escola de Salvador — Foto: Redes sociais
![Ilustração de Emicida também foi vandalizada — Foto: Arquivo pessoal](https://s2.glbimg.com/4rEgTyCuSNhEhSx0VG2yYepY8T4=/0x0:1600x1397/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2023/O/C/AZpBKHSr6nz9FrUGcFzw/whatsapp-image-2023-03-06-at-14.52.03.jpeg)
Ilustração de Emicida também foi vandalizada — Foto: Arquivo pessoal
A obra é indicada para crianças de cinco anos e conta a história de uma menina negra que está aprendendo a se reconhecer no mundo. Em conversas com seu pai, ela tem acesso a conhecimentos ligados às culturas e religiões diferentes, além de ser apresentada a grandes ícones das lutas dos povos negros, como Zumbi, Martin Luther King e Malcolm X.
A primeira edição do projeto Ciranda Literária teve início na sexta-feira (3) e, após o final de semana, a unidade de ensino foi alertada por um responsável que o livro estava com textos escritos à mão com mensagens preconceituosas.
Unidade de ensino pretende repor a obra
Procurada pelo g1, a direção da escola disse que é contra as declarações escritas no livro e assegurou que a obra será reposta, para que os estudantes continuem tendo acesso ao conteúdo do livro. Outra medida que deve ser tomada é a convocação da família para uma reunião.
O g1 também entrou em contato com a advogada criminalista e Conselheira Seccional da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) da Bahia, Dandara Amazzi Lucas Pinho, que informou que o caso pode ser considerado racismo religioso.
Ela reforçou que todas as escolas brasileiras, públicas ou particulares, são obrigadas pelo Ministério da Educação (MEC) a implementar o ensino da história afro-brasileira e indígena nas escolas.
“O livro que deveria nortear um comportamento benéfico em sociedade acaba sendo interpretado de maneira equivocada e sendo uma arma para violentar pessoas que possuem um seguimento religioso distinto de quem fez as ‘notas de rodapé’. Conseguimos perceber de forma muito nítida como o racismo religioso está penetrado em cada linha subscrita”, disse.
O g1 entrou em contato com a mulher que escreveu na obra, que não quer ser identificada. Ela contou que não considera o caso como intolerância religiosa, pois escreveu no livro que ela mesma comprou e não se negou a levá-lo à escola.
Ela diz ter comprado a obra sugerida pela escola por achar que seriam abordadas apenas questões raciais. Porém, identificou que a obra também falava sobre religiões, assunto que, segundo ela, a escola havia informado que não seria tratado neste ano.
Como no livro o cristianismo não era abordado, ela decidiu escrever as passagens bíblicas à mão, para que, desta forma, os pais dos alunos pudessem ler, se quisessem, diferentes versões para seus filhos.
Após o caso repercutir na unidade escolar, a mulher contou que foi hostilizada por um grupo de pais de alunos e chamada de “vândala” e “intolerante”.
Páginas riscadas
O g1 identificou que pelo menos oito páginas da obra foram vandalizadas. Na primeira página do livro, o autor fala sobre Obatalá e o caracteriza como o “orixá que criou o mundo”. Ao escrever no livro, a mulher caracterizou a informação como falsa e citou o livro bíblico Gênesis.
O livro também traz ilustrações didáticas para caracterizar os orixás. Nelas, foram escritos textos como “essa imagem representa um ídolo” e que os orixás são “anjos caídos”.
A obra ainda traz um glossário para ajudar crianças a entenderem algumas palavras que são citadas ao longo do texto, como Obatalá, orixás, África e Alá.
Para explicar o que é o continente África, o autor destacou que “é o lugar onde a raça humana começou, e por isso, é conhecida como o berço da humanidade”. Ao lado do substantivo, a mulher desenhou um “x” e escreveu: “essa informação é falsa”.
Os atos de degradação da obra foram direcionados também ao autor do livro, Emicida. Como o rapper já contou em várias entrevistas, o seu nome artístico é um acrônimo: a junção das palavras homicida com MC. O nome foi criado depois que ele, que se chama Leandro, passou a vencer diversas batalhas de rap – ou seja, “matar” os adversários com suas rimas poderosas.
A história por trás do acrônimo foi destacado pela mulher, que pediu que os outros responsáveis “conheçam também a biografia do autor”, já que o nome usado por ele tem relação com a palavra “homicida”.
só deixando aqui 🤪https://t.co/PUFSyDZI77 https://t.co/Kny7YOhoiv pic.twitter.com/849Y2M5ju9
— Laboratório Fantasma (@lab_fantasma) March 7, 2023