O pedido de adiamento foi feito pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso. Até o momento, quatro ministros votaram a favor da descriminalização da maconha
Nesta quarta-feira (2), o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou, mais uma vez, julgamento que analisa a descriminalização do porte de droga para consumo próprio. O pedido de adiamento foi feito pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso. O decano afirmou que analisará os votos apresentados e prometeu liberar até a próxima semana.
Três ministros já haviam votado a favor de algum tipo de descriminalização da prática. Nesta tarde, o ministro Alexandre de Moraes apresentou voto-vista pela descriminalização quando o indivíduo transportar ou trazer consigo de 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas.
O julgamento
O RE 635.659 discute a constitucionalidade do art. 28 da lei de drogas (11.343/06), o qual tipifica como crime o porte de drogas para consumo pessoal. No caso dos autos, um homem foi condenado pela Justiça paulista à prestação de dois meses de serviços à comunidade por portar três gramas de maconha para consumo próprio.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que representa o condenado, sustenta que essa tipificação penal ofende o princípio da intimidade e vida privada, previsto no art. 5º, inciso X, da CF/88. Alega também que não há lesividade na hipótese do porte de drogas para uso próprio, uma vez que tal conduta não afronta a saúde pública (objeto jurídico do delito de tráfico), “mas apenas, e quando muito, a saúde do próprio usuário”.
Até o momento, votaram três ministros – Gilmar Mendes (relator), Edson Fachin e Luís Roberto Barroso – a favor de algum tipo de descriminalização da posse de drogas.
Gilmar Mendes foi o único a votar pela descriminalização do porte de qualquer droga, sem especificar quantidade, em razão do direito à intimidade e à inviolabilidade da vida pessoal do usuário. Fachin, por sua vez, sugeriu que seja descriminalizado apenas o porte de maconha. Barroso também votou nesse sentido, e sugeriu que o Supremo determine que não é crime andar com até 25 gramas de maconha ou cultivar até seis plantas para consumo pessoal.
Voto-vista
Ao iniciar o voto-vista, ministro Alexandre de Moraes apresentou um panorama do resultado da despenalização em outros países. De acordo com Moraes, países como Portugal, Itália, República Tcheca e Estados Unidos são exemplos de locais que já adotaram medidas nesse sentido.
O ministro ainda expôs que, conforme a experiência internacional, especialistas concordam que em Portugal e Holanda houve melhora na regeneração dos usuários, como resultado de tratamentos ambulatoriais. Ademais, na Itália e na Austrália, houve o aumento da persecução administrativa dos usuários. Por outro lado, contrapôs o ministro, em vários países verificou-se crescimento no uso de alguns entorpecentes.
Em seguida, Moraes lamentou o fato do Brasil ter se transformado em um país consumidor de entorpecentes. Segundo S. Exa., por números absolutos, o Brasil é o maior consumidor de maconha e o segundo maior consumidor de cocaína do mundo.
“Se nós consideramos a Europa toda como um único ente, o Brasil passa a ser o terceiro maior consumidor de cocaína do mundo. Ou seja, o Brasil, infelizmente, hoje é um mercado consumidor extremamente atraente para todos os cartéis do mundo de entorpecentes.”
Na visão de Moraes, os resultados produzidos pela alteração da lei de drogas (lei 11.343/06) foram totalmente diversos daqueles pretendidos pelo Congresso Nacional. Isto porque, de 2007 até 2013, a proporção de presos pelo tráfico aumentou de 15,5% para 25,5%. “Em São Paulo capital e em Ribeirão Preto, após a edição da nova lei, uma grande parte dos usuários passou a ser presa como traficante”, asseverou.
No voto, Moraes citou estudo da Associação Brasileira de Jurimetria revelou que, dependendo do grupo social o qual o suspeito integra, há diferença da média de droga apreendida para a caracterização de tráfico. S. Exa. destacou que a mediana para caracterização de tráfico de maconha para os presos analfabetos é a apreensão de 32,275 gramas, enquanto aquele que tem segundo grau completo é de 40 gramas. Agora, para os portadores de diploma superior é de 49 gramas. “Não há Justiça nisso”, asseverou.
Moraes ainda citou a diferença da apreensão por tráfico quando o suspeito é negro. “Também aqui a mediana é de 80% a mais. O branco para ser considerado traficante deve ter 80% a mais que o preto ou pardo”, afirmou.
“Há necessidade de equalizar uma quantidade média padrão como presunção relativa para caracterizar e diferenciar o traficante do portador para uso próprio, porque essa necessidade, de equalizar essa quantidade média padrão, vai ao encontro do tratamento igualitário dos diferentes grupos sociais, culturais, raciais.”
Assista trecho do voto:
Por fim, o ministro concluiu que a ausência de fixação acabou levando a esse excesso de discricionaridade por todos os agentes públicos, desde a autoridade policial e seus agentes até o próprio poder Judiciário. “Analfabeto, negro e jovem leva desvantagem em relação ao branco, maior de 30 anos com curso superior, que pode ter, às vezes, até 136% a mais de droga. (…) Para evitar essas discrepâncias, eu entendo necessário a fixação de uma presunção relativa, mediana.”
Assim, propôs a seguinte tese:
1- Não tipifica o crime previsto no artigo 28 da lei 11.343/06, a conduta de adquirir, guardar ter em deposito, transportar ou trazer consigo para consumo pessoal a substância entorpecente maconha, mesmo sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
2- Nos termos do parágrafo 2º do art. 28 da lei 11.343/06, será presumido usuário aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trazer consigo de 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas.
3- A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo quando a quantidade de maconha for inferior a prevista no item 2, desde que de maneira fundamentada comprove a presença de outros critérios caracterizadores do tráfico de entorpecentes.
Após o voto do ministro Alexandre de Moraes, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, pediu adiamento do julgamento.
Processo: RE 635.659
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