Na semana passada, foi destaque na mídia o fato de uma criança de três anos atirar contra o irmão gêmeo, em Macapá, com o revólver do pai, colecionador de armas. A vítima se encontra na UTI, com a bala alojada na coluna, e seu estado de saúde é grave. Roga-se a Deus que se recupere sem sequelas. No mês passado, outra criança, de oito anos, também atirou contra o cunhado de 27 anos. O acidente ocorreu em Jacareí, no interior de São Paulo. A arma pertencia ao tio da criança, um colecionador de armas.
Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado no ano passado, revelou que, entre 2017 e 2021, 35 mil crianças e adolescentes foram vítimas de mortes violentas, sendo 86%, entre 10 e 19 anos, por armas de fogo. A tragédia tem um quê de seletividade étnico-racial: os negros têm 3,6 vezes mais chances de serem executados.
A cada uma hora, uma criança morre por armas de fogo no país. Pelo menos, a cada duas horas, uma é atendida com ferimentos à bala, segundo Sociedade Brasileira de Pediatria. Uma tragédia atrás da outra, que coloca o Brasil como o quinto país mais inseguro para os menores.
A quantidade de licenças no país cresceu 473% em quatro anos, atingindo o maior número da série histórica. Em 2018, havia 117,4 mil colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs), no ano seguinte eram 197,3 mil — alta de 68%. No momento, a curva aumentou para 673,8 mil, até junho deste ano. Há 2,8 milhões de armas de fogo particulares, isso também significa um crescimento em relação a 2020.
Há quem discorde e se insurja contra a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de restringir o acesso a armas e munições, previstas em decretos do presidente da República e defenda um “libera geral”, promessa de Jair Bolsonaro na campanha de 2018, para quem o Estatuto do Desarmamento deveria ser rasgado.
Sempre se soube, e hoje não há dúvida de que a flexibilização de armas em mãos de civis é algo extremamente danoso. Interessa, sem dúvida, ao crime organizado no país, que dispõe de um poder bélico bem superior ao das forças de segurança pública. Entretanto, passa longe da possibilidade de garantir ao portador proteção a si e à família contra a ação de criminosos. Segurança pública é responsabilidade do Estado, como bem determina a Constituição de 1988 (artigo 144).
É dever do Executivo desenvolver políticas adequadas para conter o avanço desenfreado da violência, das organizações criminosas e de quaisquer outras ações que coloquem em risco a vida das pessoas. A transferência de responsabilidade aos cidadãos é, no mínimo, imoral ou admissão de incompetência do poder público para proteger a sociedade.
(*) Por Rosane Garcia, jornalista, para o Jornal Brasil Popular
Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense
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Rosane Garcia se formou em jornalismo em 1981, pelo UniCeub. Fez estágio no Correio Braziliense, onde trabalhou, como repórter até 1986. Em seguida, foi para a Folha de S.Paulo, seguiu para a sucursal do jornal Zero Hora, passou pelo O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil.
Ao longo da carreira se dedicou às causas sociais, com foco nas questões indígenas e no movimento dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Hoje, é subeditora de Opinião do Correio Braziliense.
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