A fuga do dólar pelos países da periferia capitalista empobrecida pela financeirização econômica ao produzir fenômeno da desdolarização pela palavra de ordem dominante dos BRICS globaliza frente anti-imperialista multipolar.
É novo fato político global.
Desdolarizar tenderia a se transformar em movimento político internacional multipolar que mobilizaria a classe trabalhadora em defesa, por exemplo, de moratória global, a fim de mudar regras draconianas impostas pelos credores contra os devedores, como ocorre, nesse momento, com Argentina.
Os Hermanos estão sufocados e sem saída para pagar empréstimos a juros altíssimos tomados ao FMI pelo ex-presidente ultra neoliberal Maurício Macri, cujas condicionalidades aprofundaram perda de poder aquisitivo dos salários, graças aos ajustes fiscais baixados pelos neoliberais, responsáveis por destruir a moeda nacional.
Se o movimento internacional que o BRICS desencadeia e precipita desdolarização, a moeda americana passa sofrer desconfianças do mercado financeiro especulativo.
O medo toma conta dos investidores de Wall Street.
A praça financeira americana colheria resultado negativo e é bem provável que diante de agitação financeira dessa natureza, os credores adotariam solução heroica.
Defenderiam, junto ao FED, ao FMI e Banco Mundial, renegociação imediata das dívidas impagáveis dos endividados, para não ocorrer calote internacional generalizado.
Em seu documento final, em Joanesburgo, BRICS reclama mudança de regras do império na condução do FMI-Banco Mundial e o presidente Biden admitiu-as na próxima reunião do G7.
CHINA SUJEITO DA DESDOLARIZAÇÃO
A opção de utilizar moeda chinesa em grande escala nas trocas comerciais pela generalização do comércio mútuo com moedas locais, havendo nova câmera de compensação internacional, cuja garantia deveria ser yuan chinês – ou uma moeda dos BRICS – cria fato novo.
Os Estados Unidos, frente a tamanha irreversibilidade, seriam ou não forçado a guerra monetária ou a uma alternativa salvacionista?
O FED, FMI, Banco Mundial teriam ou não, forçosamente, que repetir o comportamento de Washington, em 2008, para evitar crash global incontrolável.
Naquela ocasião, o FED ampliou em mais de 15 vezes, segundo o economista André Lara Resende, a base monetária global, para renegociar dívidas dos bancos americanos ameaçados de falência, trocando dívidas velhas por dívidas novas, esticando, consequentemente, prazos de pagamentos etc.
As dívidas públicas dos países devedores, por meio desse movimento característico de modelo monetário ancorado em finanças funcionais – a chamada MMT – seriam liquidadas/roladas, diante dos juros cadentes, abrindo espaço para novas expectativas econômicas e financeiras.
Foi o que se registrou com a economia americana, desde então, sem que ocorresse o que os neoliberais mais temiam com suas teorias monetaristas: a inflação não explodiu e o dólar se salvou.
Teria chegado a vez de o imperialismo financeiro americano salvar não apenas os credores, mas também os devedores para não se sucumbir diante da desdolarização pregada pelos BRICS.
GUERRA MONETÁRIA
O movimento da China, que capitaneia Rússia, Índia, Brasil, África do Sul e atrai mais de 40 países, como se verificou, durante a semana em Joanesburgo, não passa de ataque monetário à moeda americana, abalada pelo excessivo endividamento público dos Estados Unidos, bem como sua hegemonia comercial global?
A tática visível do império, desde Bretton Woods, em 1944, no pós-guerra, até o momento, tem sido a de lançar mão do privilégio imperial de emitir moeda sem lastro e cobrar senhoriagem dos devedores, em forma de juros escorchantes, impondo-lhes, ajustes fiscais draconianos, via monetarismo do tripé neoliberal: metas inflacionárias, câmbio flutuante e superávits primários.
É a forma geral do império americano de extrair riqueza da periferia.
O Brasil de Lula, por exemplo, sob tacão do Banco Central Independe, está sendo sucateado por juros escorchantes e obrigado, conforme arcabouço fiscal, aprovado por maioria conservadora, no Congresso, a se comprometer zerar déficit em 2023 e superavit fiscal em 2024.
Ninguém, no mercado financeiro e nos setores comercial, industrial e de serviços, acredita ser possível tal façanha, sem que haja aprofundamento econômico recessivo.
Politicamente, representaria receita política desastrosa: derrota nas eleições municipais e, na sequência, em 2026, na disputa presidencial.
Caso Lula não consiga, com o arcabouço/calabouço neoliberal, zerar o déficit esse ano e realizar superávit, no ano que vem, terá que reduzir de 70% do total da arrecadação para 50% o montante a ser gasto em investimento.
Estaria, irremediavelmente, inviabilizado crescimento econômico sustentável.
MORATÓRIA À VISTA
Não é à toa que o governo Lula é o mais entusiástico defensor/torcedor do BRICS, forçando, como agiu, entrada da Argentina, no grupo, porque não conseguirá pagar juros e amortizações da dívida pública que consume cerca de 50% do total Orçamento Geral da União, de perto de R$ 5 trilhões, em 2022, inviabilizando desenvolvimento.
A salvação das economias capitalistas periféricas, portanto, depende da moratória de suas dívidas públicas, como, indisfarçadamente, os Estados Unidos promoveram relativamente a sua, no crash de 2008, por meio do modelo monetário das finanças funcionais, cujo princípio é o de que os governos não inflacionam suas economias se se endividam em sua própria moeda.
A moeda BRICS – ou algo semelhante –, como produto da desdolarização, vira esperança de sobrevivência dos endividados para voltarem a crescer, sustentavelmente, mediante ampla renegociação de suas dívidas públicas impagáveis sob juros impostos pelos bancos centrais, braços diretos do FED, que emite dólar sem lastro e os jogam na bancarrota.
No frigir dos ovos, a palavra volta para Adam Smith, autor de “A Riqueza das Nações”, ideólogo do liberalismo inglês, diante da dívida pública, quando torna empecilho ao desenvolvimento: “Dívida pública não se paga, renegocia-se.”
Não é o que Lula propõe aos endividados pessoas físicas impossibilitados de liquidarem seus passivos e voltarem a serem consumidores, paga dinamizar o capitalismo?
Por que não valeria para as economias nacionais escravizadas pela agiotagem financeira internacional?
(*) Por César Fonseca, jornalista, atua no programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, é conselheiro da TVCOMDF e edita o site Independência Sul Americana.
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