Análise crítica do neoliberalismo e suas implicações globais na política, economia e sociedade. Por Pedro Augusto Pinho
Na apresentação das Cartas da Economia Nacional contra o Livre Comércio, Lorenzo Carrasco, da Capax Dei Editora, chama a atenção para o fato de este “Sistema Americano” ter impulsionado não apenas os Estados Unidos da América (EUA), mas a Europa Ocidental, o Japão e a Rússia, e se caracterizado “por uma oposição aberta ao sistema colonial britânico de livre comércio idealizado por Adam Smith e seus seguidores” (Alexander Hamilton, Friedrich List, Henry Carey, Cartas da Economia Nacional contra o Livre Comércio, Capax Dei, RJ, 2009).
Confirmando esta apreciação, a Associação Francesa de Economia Política denomina “os 30 anos gloriosos”, o período que vai do fim da 2ª Grande Guerra (1945) ao das “crises do petróleo” (1973-1979), quando as finanças conseguem destronar a industrialização e dominá-la, como fizeram no século 18 na Inglaterra. Anos gloriosos no Brasil foram a Era Vargas (1930 a 1980), quando, do mesmo modo, as finanças, sob a falácia da redemocratização, submetem o País aos interesses financeiros e travam a industrialização que então se desenvolvia.
Querem, caros leitores, exemplo mais nefasto do que a extinção da Eletrobrás em 30 de outubro de 1989? Não era só o Estado que saía de área onde deveria atuar monopolisticamente, mas o Brasil que abria mão da soberania tecnológica, da efetiva transição energética que é para o futuro, e não para o passado, como vêm fazendo os governos desde o fim do século 20 (Sarney, Collor, Itamar e, o mais impatriótico de todos, FHCardoso).
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Além do que, perde o País a capacidade de ampliar, nos modais e quantidade, sua rede de transporte pela imensidão dos recursos fluviais. No início de setembro de 2023, o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Eduardo Nery, informou que o Brasil dispõe de 42 mil km de rios navegáveis, porém menos de 20.000 km são utilizados para transporte de carga e passageiros. Com a privatização da Eletrobrás aliena-se também a ampliação das opções de transporte.
A década de 1980 foi particularmente nefasta para a tão decantada “civilização ocidental”, pois marcou o seu fim: pelas desregulações financeiras, que deram mais poder às finanças do que à indústria, e pelo desfecho dourado do “Consenso de Washington” (novembro de 1989), cujo decálogo deve-se recordar:
- (1) Disciplina fiscal, evitando grandes déficits fiscais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB);
- (2) Redirecionamento dos gastos públicos de subsídios (especialmente subsídios indiscriminados) para uma ampla provisão de serviços essenciais pró-crescimento e pró-pobres, como educação, saúde e investimento em infraestrutura;
- (3) Reforma tributária, ampliando a base tributária e adotando alíquotas marginais moderadas;
- (4) Taxas de juros determinadas pelo mercado;
- (5) Taxas de câmbio competitivas;
- (6) Livre comércio: liberalização das importações, com ênfase na eliminação de restrições quantitativas (licenciamento, etc.), proteção comercial a ser fornecida por tarifas baixas e uniformes;
- (7) Liberalização do investimento estrangeiro direto interno;
- (8) Privatização de empresas estatais;
- (9) Desregulamentação: abolição das regulamentações que impedem a entrada no mercado ou restringem a concorrência, exceto aquelas justificadas por motivos de segurança, proteção ambiental e do consumidor e supervisão prudencial de instituições financeiras;
- (10) Segurança jurídica para direitos de propriedade privada.
Observem o caráter religioso destes “mandamentos”. Não precisam de explicação, justificativas técnicas ou demonstração do bem-estar para as sociedades, são verdades evidentes por si só. Do monoteísmo judaico ao monoteísmo financeiro, a mesma soberba, a mesma arrogância.
Esta é uma das dimensões do neoliberalismo. Mas o que é, na verdade, o neoliberalismo?
O que se entende por neoliberalismo foi concebido no século 20, procurando ressuscitar o liberalismo clássico, laissez-faire ou liberalismo de mercado, que surgiu no renascimento, ganhou força no século 18, contestando formas de dominação ideológicas e políticas, da religião e do estado monárquico absolutista, tendo por princípio um “direito natural” à liberdade, que ia da manifestação do pensamento à propriedade privada.
Tomou características específicas conforme a nacionalidade dos seus autores, que se voltavam contra situações existentes em seus países. Por exemplo, a questão religiosa foi predominante nas manifestações de autores italianos, onde as cidades-estados tinham forte influência do Vaticano. Na Prússia e países de língua alemã, o protestantismo de Lutero influenciou seus liberais, como ingleses, escoceses, franceses tiveram, nas condições de seus países, as bases para formulação dos seus “princípios”.
Estas “ideologias” liberais atravessaram o Atlântico e se desenvolveram nas Américas, como aceitação colonial ou contestação independentista.
No neoliberalismo do século 20, além da condição ideológica, também se identificam a “governança” e a “política da banca”, ou seja, na administração do país e relações internacionais e entre as classes dominantes locais e estrangeiras, mostrando a relatividade da “globalização”.
Os modos neoliberais de governança transformam os funcionários públicos, civis e militares, de servidores da Nação e do seu povo, de guardiães da soberania e do bem público, em agentes responsáveis pelo sucesso monetário da banca no País e de seus capitais, no exterior.
No caso brasileiro, estas alterações na política e na governança podem ser vistas no empoderamento do poder judiciário, do poder legislativo, no controle externo das mídias, e na redução do poder executivo, onde se ressalta a depreciação das forças armadas, que responderam pelos 50 “anos gloriosos” do País: crescimento econômico, direitos trabalhistas e previdenciários, exaltação nacionalista, tecnologia (CNPq, Capes, Petrobrás, Eletrobrás, Nuclebrás, Cobra, Embratel, Radiobrás), saúde e assistência social (INPS, Sucam, Ceme), educação (Mobral, Reforma Educacional com ênfase no ensino técnico e no conhecimento e orgulho do País, Escolas Públicas, Fename) e cultura (INL, Funarte, Embrafilme).
Consequências do domínio da banca
Na primeira década, 1990-1999, do domínio da banca, o Brasil privatizou 119 empresas dos ramos de telecomunicações, energia, mineração, entre outros. Os serviços logo tiveram um enorme aumento no preço das tarifas – da energia, da comunicação, do transporte – e foram reduzidos a aqueles mais rentáveis, pagando direitos de uso e importando equipamentos e produtos; em resumo, transferindo renda nacional para o exterior. O Brasil se desindustrializou e conheceu tragédias, nunca antes ocorridas, como em 05 de novembro de 2015, da Empresa Samarco, em Mariana, e, logo a seguir, também em Minas Gerais, em 25 de janeiro de 2019, da privatizada Vale (antes Cia. Vale do Rio Doce), com quase 300 mortes registradas e muitos corpos ainda hoje não encontrados.
E, dominando as mídias, tradicionais e digitais, espalharam falsas evidências, tais como: a eficiência do mercado financeiro, a necessidade de limitar a despesa pública, os ganhos da competitividade, e que a dívida pública transfere o custo dos nossos excessos para nossos netos.
Analisemos somente estas quatro falácias, não apenas no Brasil hoje, mas em diversos países e ocasiões, pois elas têm a pretensão de serem globais, servirem para a Alemanha e para o Gabão, para a Índia e para a Finlândia, para os EUA e o Kiribati, este arquipélago de 811 km², composto por 33 ilhas, com atóis e recifes, no Oceano Pacífico, com 130 mil habitantes. Ou seja, em realidades geográficas, econômicas, demográficas, culturais inteiramente diferentes.
Seria o Mercado eficiente? O investimento público e a dívida que o acompanharia dispensáveis? Constituiria o funcionalismo público civil e militar despesa desnecessária para o Estado Contemporâneo? E a dívida pública geradora de despesa ruinosa, transmitida para as gerações futuras?
Analisando as farsas da banca
Kiribati é dos menores países do mundo, cercado por colônias estadunidenses, francesas e neozelandesas. Especula-se que desaparecerá, tragado pelo Oceano e pelas mudanças climáticas. Sua população vive da pesca e da polpa do coco; desconhece-se a existência de minerais naquelas ilhas. Enfim, nada em comum com os EUA, potência líder do mundo ocidental. A população de Kiribati tem expectativa de vida de 60 anos e taxa de mortalidade infantil de 54 mortes para mil nascimentos. Os quiribatianos recebem influência da cultura ocidental, sendo seu único estilo de cultura própria o que trata das crenças sobre fantasmas e criaturas mágicas. Imaginar que orientações econômico-financeiras e políticas para estadunidenses e quiribatianos possam ser iguais e que produzirão os mesmos resultados é verdadeiro deboche aos ouvintes ou leitores.
E a história dos EUA também é coleção de inverdades e fabulações construídas para iludir o próprio povo de estar vivendo na terra da liberdade e da democracia, que só existem para a limitada plutocracia que, desde 1787, estabeleceu as regras do poder que vigoram até hoje, com apenas 27 emendas.
Energia é fundamental para a soberania e o desenvolvimento dos países. As guerras desde o século 19 foram colonizadoras, exploradoras das riquezas existentes fora do continente europeu, porém foram se concentrando no domínio das fontes primárias de energia, onde o petróleo é ímpar, pelas qualidades intrínsecas, facilidade de transporte e pelo custo.
Descoberto antes da Guerra Civil ou da Secessão (1861-1865) não teve queda na produção, mas passou de 500 mil barris para 2 milhões e 500 mil barris nos cinco anos do conflito.
Vejamos os dados apresentados pelo historiador francês Pierre Melandri, presidente da Sociedade Francesa de Estudos Americanos, em seu livro de 2000: História dos Estados Unidos desde 1865 (na tradução de Pedro Elói Duarte, para Edições 70, Lisboa, 2006, 2ª edição):
Qualquer expansão duradoura das atividades de produção pressupunha, simultaneamente, uma base financeira sã e um aumento de crédito. Ao exigir, para o seu financiamento, a emissão de 450 milhões de dólares de papel moeda (greenbacks) e 2.600 milhões em empréstimos de Estado, a Guerra Civil fez mais do que injetar no mercado somas consideráveis de capitais americanos. Facilitou, sem qualquer dúvida, uma reforma tão sistemática quanto necessária das estruturas monetárias. Em 1860, com efeito, enquanto o governo federal se contentava em cunhar moedas, pelo menos 1.600 bancos estaduais gozavam do direito de emitir moeda fiduciária. De forma que havia uma pletora de notas, 8.730 tipos de notas, cujo valor e autenticidade eram muitas vezes difícil de confirmar.
A autorização dos bancos estaduais foi sendo desencorajada a partir do National Bank Act de 1863, mas até dezembro de 1913, com a criação do Sistema Federal de Reserva (Federal Reserve System), o sistema privado de bancos centrais dos EUA, o número de bancos ainda era superior à dezena de milhar, só que a emissão de moedas estava restrita a poucos. Atualmente, os EUA contam com pouco mais de 4.800 bancos espalhados pelo país, com perspectiva de redução, principalmente após a ocorrência com o Silicon Valley Bank (abril de 2023), que mostrou a incapacidade de honrar seus compromissos.
Empiricamente, os EUA aplicaram no século 19 o que será denominado, no pós II Guerra, de Modern Money Theory (MMT), ou Teoria Monetária Moderna, que pode ser a resposta ao neoliberalismo do “Consenso de Washington”.
O doutor em economia Gustavo Galvão escreve (GG, Finanças Funcionais e a Teoria da Moeda Moderna, Brasília, 2020):
Apesar do nome, a Modern Money Theory não é nem moderna e nem se refere apenas ao dinheiro. A primeira formulação abrangente dessa teoria vem de uma concepção teórica chamada de chartalismo ou cartalismo, exposta pela primeira vez pelo economista alemão Georg Friedrich Knapp em 1895. Chartalismo vem de chartal, que significa carta. Foi usada por Knapp para mostrar a natureza institucional e impositiva da moeda em contraposição a todos que consideravam, no século 19 e início do século 20, que o valor da moeda deriva do seu valor em ouro, fixado pelos Bancos Centrais.
Teto de gasto é o limite da sujeição de qualquer país às finanças apátridas, composta de capitais tradicionais, marginais e muitas ilusões rentistas (títulos sem lastro).
(*) Por Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, é atual presidente da Aepet – Associação dos Engenheiros da Petrobrás.
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