Na avaliação de Lênio Streck, professor de Direito Constitucional, eventual anulação não teria impactos em provas obtidas nas investigação e só prejudicaria o próprio Cid
A possível anulação da delação premiada firmada pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, não invalidaria as provas obtidas pela Justiça em investigações sobre uma articulação pró-golpe de Estado e só prejudicaria o militar.
A avaliação é do jurista Lênio Steck, pós-doutor em Direito e professor de Direito Constitucional.
“Não há impactos jurídicos, a não ser contra Cid, que pode ter seus benefícios anulados. A delação não é uma prova, mas um meio de prova. Ela é um processo em movimento: à medida em que vai delatando, a PF vai fazendo a verificação”, disse a CartaCapital.
Cid voltou a ser preso nesta sexta-feira após depoimento no Supremo Tribunal Federal. O militar teve de prestar esclarecimentos sobre áudios revelados pela revista Veja, nos quais afirma ter sido pressionado por agentes da PF a relatar coisas inexistentes em sua delação e faz críticas ao ministro Alexandre de Moraes.
Na oitiva, contudo, o tenente-coronel reafirmou interesse em manter o acordo de colaboração premiada e disse não ter havido coação. Mas, quando indagado sobre a pessoa a quem expôs as críticas, Cid silenciou – a atitude foi um dos motivos para levar Cid de volta à prisão, sob alegação de “obstrução à Justiça”.
À reportagem, Streck ainda descartou a possibilidade de as gravações resultarem à anulação de provas obtidas ao longo do inquérito. “Cid está tentando tumultuar a sua própria delação. Há que se apurar o modo como vazou essa gravação. O própio Cid pode estar a serviço de alguém“, acrescentou o jurista. “E [se isso for comprovado] sua situação só piorará”.
Os diálogos divulgados pela imprensa teriam acontecido após o último depoimento do militar à PF, em 11 de março.
A delação de Mauro Cid, informou o Supremo, ainda está sob análise e pode ser confirmada ou anulada. Se for anulada, o entendimento dos investigadores também é que os termos não perdem eficácia, já que ela serviu apenas como ponto de partida às investigações.
Depois da publicação dos áudios, os advogados do ex-ajudante de ordens explicaram que o conteúdo foi produzido em contexto de “desabafo”, no qual o militar “relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional” que está vivendo.
Cid foi preso pela primeira vez em maio do ano passado, no âmbito da operação que investiga falsificação de cartões de vacinação de Bolsonaro, parentes e assessores. Ficou detido por seis meses e deixou a cadeia após fechar o acordo de delação premiada.
À época, prestou esclarecimentos que nortearam o trabalho da PF em inquéritos que miram o ex-presidente, entre eles o que apura a tentativa de golpe de Estado articulada após as eleições de 2022 com objetivo de impedir a posse de Lula (PT)
Ao revogar sua prisão, contudo, Moraes impôs algumas medidas cautelares, a exemplo do uso de tornozeleira eletrônica, cancelamento de passaportes e restrições a viagens. O militar também ficou impedido de se comunicar com outros investigados e obrigado a se apresentar semanalmente à Justiça.