Na contramão do que se afirma na grande imprensa ocidental, que as transformações na economia chinesa se iniciaram através do investimento estrangeiro em zonas especiais, existiu uma origem interna que conduziu a uma profunda reforma agrária que mudou a dinâmica econômica desse gigantesco país e abriu as portas a uma economia de mercado socialista.
Esta transformação agrária se iniciou em Xiaopang, um “povoado enormemente atrasado isolado e empobrecido”. Na noite de 24 de novembro de 1978 um grupo de 21 agricultores enfraquecidos, denominados peles-amarelas, se havia reunido em segredo, vestiam roupas esfarrapadas porém mostravam uma atitude digna e juraram que prefeririam ir pro cárcere ou serem executados antes de seguirem com o sistema imperante que tornava o povoado dependente dos subsídios oficiais que ofereciam grãos para comer, empréstimos e ajuda financeira. Acordaram dividir os campos de cultivo em função de cada casa e cultivar os terrenos por sua própria conta. Criaram o sistema de “da-bao-gang” ou grande panela comum, pelo qual alguns pagamentos se faziam em grão e outros em metálico. “No ano seguinte Xiaopang produzia uma colheita recorde e pela primeira vez entregava grão público para o governo e saldava parte da dívida”. Vendo os resultados, as autoridades que buscavam alternativas de mudança promoveram o modelo em toda a província, depois de um primeiro momento de indecisão e aproveitando o clima de mudança nacional promovido por Deng Xiao Ping. Batizado como “sistema de responsabilidade contratual pessoal”. Analisando a experiência descobrimos que o povo é quem provoca as transformações mais relevantes. Os políticos viram que sua missão era entender como “se deixar levar pela corrente” e melhorar o resultado final. Só lhes faltava entender como canalizar a criatividade das gentes tratando de seguir o caminho do desenvolvimento.
Penso que essa experiência, que conduziu a uma nova reforma agrária na China, dinamizou a economia de todo o país, começando por abastecer a população de comida, o que a converte na base das transformações e na modernização da economia. Recordemos que [naquele] então a China era um país rural e a ativação da produção agropecuária envolveu a milhões de pessoas, impulsionou a produção de maquinaria por parte da indústria e estimulou os serviços de apoio e transporte. O mais importante, no entanto, foi que o governo, ao adotar uma via de desenvolvimento que respondia à visão popular, desencadeou uma dinâmica social, uma espécie de “espírito de combate” que contagiou de esperanças a toda a sociedade. Sobre esta onda de reativação econômica, dinâmica social e políticas públicas para criar zonas econômicas integrais, que incluíam a capacitação da mão de obra; o investimento estrangeiro pôde encontrar condições ótimas que estimularam os encadeamentos com a economia local.
Cuba, que não é China, ainda que continua sendo rural, conhece a experiência desse grande país que bateu os recordes mundiais de desenvolvimento tirando da pobreza a mais de 800 milhões de pessoas. Neste sentido, deve considerar neste momento que as sanções externas têm extremado as dificuldades; escutar [acerca] das experiências e vozes de seus campesinos e técnicos de vanguarda e tomar as medidas para flexibilizar e estimular a comercialização campesina. É preciso ter presente o imenso peso do campesinato no agro cubano e as experiências avançadas em agroecologia e desenvolvimento regenerativo com tecnologia local, que estimulam o enraizamento da população no campo. Por outra parte, as empresas agrícolas estatais deficitárias, integradas por operários agrícolas, poderiam se transformar em empresas cooperativas, isso sim, com autonomia real, como Hondupalma [Honduras, CA] ou Coopesilencio na Costa Rica, para incrementar a produção nacional com desenvolvimento humano.
(*) Por M.S. Miguel Sobrado Chaves, professor aposentado da Universidade Nacional de Costa Rica, trabalhou também como assessor da Federação de Cooperativas Agropecuárias de Autogestão e consultor em vários países centro-americanos para a OIT, a FAO e outras organizações internacionais. É autor de numerosas publicações; coautor e coeditor [com o belga Raff Carmen] do livro “Um Futuro para os Excluídos” [Edições IATTERMUND, Brasília, tradução: Joaquim Lisboa Neto]. É comentarista social o Diario La Nación de sua natal Costa Rica.
Tradução > Joaquim Lisboa Neto
Biblioteca Campesina, Santa Maria, 30abril2024.
(*) Joaquim Lisboa Neto, colunista do Jornal Brasil Popular, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.