O caro leitor permita-me recomendar um réquiem, algum que seja de sua predileção, para leitura deste artigo e de toda notícia econômica, política e cultural do Brasil atual. Por exemplo, de Geraldo Vandré, o “Réquiem para Matraga”, ou do prodígio Wolfgang Amadeus Mozart (27/01/1756 – 05/12/1791).
Porque é hora de muita tristeza. Da morte de um País, do fim de uma nação.
Em recente artigo “Em mais um dia de confinamento” (Pátria Latina, AEPET Direto, Jornal Brasil Popular) mostrei minha perplexidade com os números que O Estado de S. Paulo atribuía ao IBGE sobre o desemprego o Brasil.
Vem o insuspeitíssimo liberal Ricardo Bergamini, em análises sempre calcadas nos dados oficiais, e nos informa: são 77,8 milhões de desempregados. Número bem mais perto do que já mencionara anteriormente: mais de 50% da população em idade de trabalho estava fora deste “mercado. O que ainda não chegou aos jornalões paulistanos. A Folha de S.Paulo insiste, em 07/08, que são 13,3% de desempregados. Deve ser um denominador inflacionado.
Em mercado cada vez mais aviltado, pois até os “uberizados” tiveram reduzida sua participação neste primeiro semestre de 2020 (queda no transporte “por aplicativos”).
E volto à minha nota, pois estamos na era de uma nota só: a tragédia neoliberal, que caiu sobre o mundo nos anos 1980, tornando-se senhora de todos com a queda do Muro de Berlim.
Nada de produção, nada de emprego; só especulação, capitalismo estéril e para ricos. Compare, como no artigo de Bergamini (Com a estagflação o Brasil entra em estado de coma, respirando por aparelhos, divulgado em 07/08/2020):
“O IPCA nos últimos doze meses, até julho de 2020, foi de 2,31% ao ano (inflação da primeira classe, a turma dos 40 salários mínimos).
O IGPM nos últimos doze meses, até julho de 2020, foi de 9,27% ao ano (inflação real do mercado, aumento dos aluguéis).
O IPP nos últimos doze meses, até junho de 2020, foi de 6,38% ao ano (inflação dos produtores)”.
Nada tenho a acrescentar, mas lembro de que a SELIC de julho/2020 foi 2,25% a.a. E que na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), em 31/07/2020, fechou em baixa, com a retirada de US$ 1 bilhão, pelos “investidores estrangeiros”. O que nos remete ao Caso Banestado.
Recentemente reavivado pelo ex-governador Roberto Requião e pelo blogueiro editor-chefe do Duplo Expresso, Romulus Maya, o caso das contas CC5 nunca foi concluído. Houve uma acordão dos partidos para enterrá-lo, como ocorreu também com a “Lista da Odebrecht”, na Procuradoria da Justiça em Berna, na Suíça.
O sagaz leitor está lembrado, o Caso Banestado se deu pelas remessas de dinheiro ocorridas da agência do banco estadual paranaense em Foz do Iguaçu para a agência de Nova Iorque, entre 1996 e 2002.
O período da gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com o rumoroso caso da reeleição e de privatizações, foi de janeiro de 1995 a janeiro de 2003. Entre outros negócios tivemos, em 1997, a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, a maior mineradora do mundo, pelo ínfimo valor de US$ 60 bilhões, quando a paridade real-dólar era de 1 para 1, e, em 1998, a da TELEBRÁS, por US$ 19 bilhões (câmbio: 1 dólar para 1,16 reais).
A evasão de divisas, pelas CC5 no Banestado, em valor da época, foi estimada em US$ 20 bilhões. Considerando a pouca paga nas compras da Vale e da Telebrás, foi um “por fora” bastante modesto. Alguns nomes surgidos na época da CPI do Banestado: Gustavo Franco (Presidente do Banco Central de FHC), Celso Pitta (Prefeito de São Paulo, do grupo malufista), Konder Bornhausen (políticos da ARENA, PDS, PFL de Santa Catarina) e empresários da comunicação como os Marinho do sistema Globo, nos fazem pensar em valores mais substantivos, principalmente pelos sinais exteriores de riqueza dos parceiros de FHC, além desse próprio mandatário.
Mas a evasão era uma parte do crime. Estas quantias após a distribuição, pelo doleiro nominalmente citado Dario Messer, para contas de pessoas físicas e jurídicas em paraísos fiscais, retornavam ao Brasil para compra de imóveis e aplicações em títulos do governo. Assim, sonegadores fiscais passavam a constituir credores da dívida pública brasileira, pela qual somem os recursos para saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, transporte urbano e tantas outras necessidades dos trabalhadores e do povo brasileiro.
Mas a quem se põe a culpa desta situação? Aos maus modos do Bolsonaro, ao cinismo do Paulo Guedes, ao vice-presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Banestado, Rodrigo Maia (PFL), ao José Dirceu que monitorava o deputado José Mentor (PT), relator desta CPI, aos diversos partidos que ajudaram a enterrar o caso das CC5, aos milicianos cariocas e fluminenses, ao ex-juiz Sergio Moro e aos colendos magistrados dos Tribunais Superiores e Supremo do Brasil tramando sentenças, ao Primeiro Comando da Capital (PCC), cogestor do Estado de São Paulo há quase 20 anos com o PSDB e hoje dominando a marginalidade em 22 dos 27 estados brasileiros, aos oportunistas identitários, ou, como se expressou o político que uniu contra si todos os demais partidos e estamentos, Leonel de Moura Brizola, íntegro e nacionalista, que tinha vontade e capacidade de promover a verdadeira independência do Brasil: “há um mar de cumplicidades”.
É o neoliberalismo quem responde pelas 100 mil mortes de hoje, com o Covid 19 em progressão assustadora, de nossos irmãos brasileiros. Seus agentes, com farda e sem farda, estão no poder. Não será a roupa, mas a cabeça que os distinguirá, como sempre foi; pois se tivemos um servidor dos Estados Unidos da América (EUA), em 1964, tivemos também um nacionalista, com o mesmo uniforme, desenvolvendo e defendendo o Brasil de 1974 a 1979.
O neoliberalismo corrompe. Loretta Napoleoni, economista e jornalista italiana, residente em Londres, resumiu algumas das ações neoliberais, dos anos 1980 até 2006, no livro “Economia Bandida – A nova realidade do capitalismo” (DIFEL, Editora Bertrand Brasil, RJ, 2010).
Transcrevo em sínteses.
“Na primavera de 2006, a agência antitruste francesa acusou os fabricantes de cosméticos – L’Oreal, Chanel, Christian Dior, Yves Saint Laurent, Estée Lauder e Clinique – de conluio para manter preços elevados em prejuízo do consumidor. Vendedora de loja de cosméticos em Paris confirma que inspetores de várias marcas dão incertas para garantir que as lojas não reduzam os preços dos produtos. O desconto máximo é 10%”.
“No começo de julho de 2005, as autoridades britânicas retiraram 120 mil caixas de Lipitor, um popular redutor de colesterol, usado diariamente por milhões de cidadãos britânicos. O gigante farmacêutico Pfizer negou a falsificação do produto que surgiu, misteriosamente, no Reino Unido. A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que uma em cada dez pílulas vendidas é falsificada. Medicamentos falsificados geram 32 bilhões de dólares e matam um milhão de pessoas todos os anos”.
“A receita da pornografia nos EUA excede as receitas somadas da ABC, CBS e NBC (US$ 6,2 bilhões) e a pornografia infantil gera US$ 3 bilhões, anualmente”.
“O ciber-Estado é dirigido por princípios utilitaristas que facilitam a troca de bens e serviços em prol da diversão da população virtual. O reino bandido dos empresários e mercadores do prazer lhes proporciona abundantes riquezas com jogatina e pornografia on-line, ciberguerras e construção de mundos sintéticos, atividades que são a base dos cibermercados desregulados da atualidade”.
Mozart Nino, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na resenha do livro de Philip Bobbitt, “A Guerra e a Paz na História Moderna: O Impacto dos Grandes Conflitos e da Política na Formação das Nações” (Editora Campus, RJ, 2003) escreve: “A emergência do estado-mercado se dá sobre o acúmulo de promessas não realizadas pelo Estado-nação e decorre da adaptação constitucional ao fim da longa guerra e à inédita revolução tecnológica – computação, telecomunicações e armas de destruição em massa. O estado-mercado mais depende dos mercados internacionais de capital e em menor grau de moderna rede de corporações multinacionais, para trazer estabilidade à economia mundial, e menos da gestão por órgãos políticos de escopo e abrangência nacional ou transnacional”.
“O estado-mercado avalia seu êxito ou fracasso econômico pela capacidade da sociedade de obter mais e melhores bens e serviços, sem, no entanto, ser não mais que um redistribuidor ou provedor mínimo”.
“Alguns empreendedores no estado-mercado irão fracassar. Os consumidores, todos, terão suas opções, em graus variados, limitadas por seus recursos. Mas ambos, fracasso e limitação, são necessários para a escolha – que seria inexistente se não há a possibilidade de errar; aliás, optar é clara consequência da escassez” (em MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia, Volume III, Número 2 (Edição 6) Julho-Dezembro 2015).
Admitindo esta sucessão, a que nos levará o estado-mercado? Duas forças se oporão, ou melhor, já se opõe a este estado neoliberal: a demográfica e a identidade pessoal.
Sendo o neoliberalismo concentrador de rendas, eliminador da produção, crescentemente virtual, cada vez mais desempregados ele irá acumular. O crescimento populacional, por menor que seja a taxa de natalidade, não é nem se estima negativo. Logo haverá quantidades cada vez maiores de pessoas precisando comer, se agasalhar, se abrigar. O estado-mercado estará cada vez mais encurralado, assediado. E precisará contar com forças repressivas até o seu limite da economicidade ou enfrentar a regressão dos ganhos.
A identidade das pessoas começa pela família que lhe dá um nome e, logo em seguida, pelo país que lhe dá a nacionalidade. E a nacionalidade é mais do que um gentílico. É uma cultura, um idioma, uma música, uma dança. Acaso um paraense não se mexerá ao som do carimbó, um pernambucano do frevo, um carioca do samba?
As ideologias universais ainda não se constituíram realidades efetivas. Há muito chão a percorrer com os estados nacionais.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.