Fábio Crespo: “O movimento anticiência acontece quando temos um fenômeno
natural novo e pouco conhecido como essa pandemia do coronavírus”.
O Brasil só teria condições de quebrar uma possível patente de vacina contra o coronavírus se for considerado um país em desenvolvimento, segundo os critérios da Organização Mundial do Comércio (OMC). O presidente Jair Bolsonaro concordou em começar a abrir mão do tratamento especial e diferenciado que o Brasil tem na OMC, como quer Donald Trump. Em troca do apoio que os EUA prometeram à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecido como o “clube dos países desenvolvidos”.
Por outro lado, e ainda bem, a China já informou que se descobrir uma vacina vai deixar sua fórmula aberta e acessível a todos os países. O presidente chinês, Xi Jinping, disse na ONU que a vacina chinesa será “um bem público mundial”.
Para falar sobre a pandemia do Covid-19, o site entrevistou o infectologista Fábio Crespo (43), formado em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos, em 2002.
Atualmente, Fábio trabalha no Sistema Único de Saúde (SUS) atendendo pacientes com HIV e tuberculose, como servidor da Secretaria Municipal de Saúde de Londrina (PR). É também plantonista da emergência e da UTI do Hospital do Coração de Londrina. Ele fez residência médica no Instituto de Infectologia Emilio Ribas.
Outra habilidade de Fábio está relacionada ao triatlo. Desde 2014, o médico paulista vem participando de competições como atleta amador. Essa prática esportiva tem, segundo ele, “ajudado a superar os obstáculos no trabalho e na vida”.
Sobre a produção de vacina a curto prazo, Fábio Crespo disse: “os laboratórios já estão trabalhando na produção de vacina, mas não vejo solução a curto prazo, pois para produzir uma vacina eficaz e segura exige tempo”.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Você é um triatleta. Essa é uma condição que te dá tranquilidade como pessoa imune ao coronavírus?
Clinicamente falando, o que se sabe é que o vírus diminui a oxigenação dos tecidos do organismo. Ele destrói os alvéolos do pulmão e provoca trombose. Os sedentários, os idosos, aqueles que possuem problemas cardíacos, os obesos, o diabetes, são os mais propensos a sofrer com a chamada tempestade inflamatória causada pelas formas graves do coronavírus. Essa condição de triatleta pode ser que ajude, mas não me dá tranquilidade como pessoa imune ao coronavírus.
Como está a situação da cidade de Londrina? Há isolamento social? Muita ou pouca adesão?
Londrina está começando a entrar na curva de crescimento mais acelerado, talvez pelo aumento do número de testes e talvez pelo aumento das formas graves internadas em UTI. Os últimos dados que tenho dizem que em Londrina são 403 casos confirmados, 197 curados, 24 óbitos, 292 aguardando exames e 2.058 descartados.
No início no mês de março houve um isolamento social com maior adesão e conseguimos achatar a curva, mas depois houve um afrouxamento das medidas mais restritivas. Nesse momento há um isolamento social, porém com menos adesão que no início.
Como é a rotina no hospital em que você trabalha? Teve casos de contaminação entre os funcionários? Algum óbito?
No hospital onde trabalho a rotina, por enquanto, está tranquila, com um número de pacientes internados em UTI e Enfermaria por Covid19 flutuando com tendência a aumento. Houve casos isolados de contaminação entre os funcionários, mas provavelmente o vínculo epidemiológico foi extra-hospitalar. Não houve óbitos entre os funcionários, houve pacientes confirmados com Covid-19 que faleceram na UTI.
Você receitaria cloroquina para um doente afetado pelo coronavírus? O que acha do protocolo do Ministério da Saúde?
A cloroquina é conhecida há mais de 300 anos pelos Incas. É originada de uma planta chamada chinchona. Na Segunda Guerra Mundial foi amplamente usada na cura de malária. O protocolo tem que ser usado com restrições. É preciso considerar a Consulta Centrada na Pessoa (CCP) e analisar caso a caso para individualizar o tipo de conduta e tratamento. Eu receitaria apenas se o paciente manifestasse o desejo em tomar e mesmo assim avaliaria se teria contra indicações ao medicamento como problemas cardíacos, hepáticos; e mesmo assim esclareceria que esse medicamento no momento não mostrou benefício clínico e faltam trabalhos clínicos melhor controlados para estabelecer eficácia em humano para Covid-19.
O protocolo do Ministério da Saúde estabelece o uso precoce da cloroquina ou hidroxicloroquina (entre o segundo e o quinto dia do início dos sintomas), mas ao mesmo tempo exige vários critérios de prescrição levando em conta fatores de risco do paciente e exames laboratoriais, o que pode tornar bem difícil a prescrição no âmbito da Atenção Primaria do SUS (nos postos de saúde).
Você nota alguma possibilidade de produção de vacina no curto prazo? Qual a perspectiva que você tem quanto ao cenário pós-pandemia?
Os laboratórios já estão trabalhando na produção de vacina. Não vejo solução a curto prazo, pois para produzir uma vacina eficaz e segura exige tempo.
Quanto ao cenário pós-pandemia, o que posso dizer é que é preciso mudar os hábitos alimentares principalmente baseados em animais selvagens que têm maior semelhança taxonômica com o homem, pois o “pangolim”, um mamífero de escamas (parecido fisicamente ao nosso tatu) atribuído como hospedeiro intermediário vendido nos mercados livres chineses é mais semelhante filogeneticamente ao homem do que o boi ou o frango por exemplo. Creio que enquanto não houver vacina, vamos ter que conviver endemicamente com esse vírus com ondas intermitentes de aumento e diminuição do número de casos.
Um laboratório (Moderna, dos EUA) já produziu uma vacina a partir do RNA. Foi usada com poucos efeitos colaterais, testada em 45 pacientes com 3 grupos de 15 pessoas que receberam doses diferentes e produziram anticorpos protetores. Esse pode ser um caminho. O problema é que essa tecnologia de vacina de RNA poucos laboratórios têm no momento e a capacidade de produção mundial gira em torno de 5 bilhões de doses em um ano. Ou seja, inicialmente não vai dar conta dos 7 bilhões de habitantes do planeta
Como vê o negacionismo da pandemia e o movimento anticiência em pleno século XXI?
O negacionista busca se proteger negando o grave problema da pandemia. O movimento anticiência acontece quando temos um fenômeno natural novo e pouco conhecido e previsível como essa pandemia do novo coronavírus.
O fato concreto é que onde há uma alta incidência de casos de doença, a cidade tem que parar, não há outra maneira de deter a expansão do vírus. Agora, todas as medidas têm que levar em conta a densidade demográfica da região afetada e tomar as medidas adequadas para se evitar o contágio, o estrangulamento da rede hospitalar e o número de mortes. É importante termos em mente que os dois principais fatores de propagação desse vírus é a densidade demográfica e o comportamento social. Então as medidas preventivas se basearão nesses dois fatores.