A partir desse ano, alunos de dois colégios militares do DF terão preferência na matrícula dos cursos de idiomas ofertados pelo GDF. Até então, após as matrículas dos alunos da rede pública, as vagas remanescentes eram sorteadas com a comunidade em geral. Em 2025, os alunos dos colégios Militar de Brasília (federal) e do Dom Pedro II (do Corpo de Bombeiros) serão beneficiados antes do restante da comunidade. Novas regras já estão em vigor e provocam polêmica entre especialistas.
Do you speak English? Parlez-vous Français? Hablas Español?
Dominar umas dessas línguas é necessidade imperiosa para os jovens que desejam seguir carreira universitária e, é claro, para quem vai enfrentar posteriormente o mercado de trabalho, cada vez mais global. No lugar de buscar universalizar o ensino de idiomas para os alunos da rede pública de ensino, a secretaria de Educação do DF decidiu criar condições diferenciadas a alunos dos colégios Militar de Brasília (federal) e do Dom Pedro II (do Corpo de Bombeiros).
Tradicionalmente, egressos de redes privadas de ensino apresentam maior domínio de outras línguas, inclusive pelo fato de terem condições financeiras de ingressar em escolas pagas de idiomas. Aos alunos das redes públicas a história é mais complexa. Em Brasília, eles contam com os Centros Integrados de Línguas (CILs), que oferecem curso de idiomas, no contra-turno, para melhor capacitar os estudantes. Embora haja dezessete centros espalhados pelo DF, a totalidade dos estudantes de ensino médio da rede pública não está matriculada. É necessário se submeter a um sorteio. Até aqui, havendo sobra de vagas, essas eram ofertadas aos demais jovens de Brasília. Agora, alunos dos dois colégios militares citados serão beneficiados antes do restante da comunidade
Pelo censo da educação de 2023, 80.925 jovens estão matriculados nos colégios de ensino médio da rede pública. Finda a etapa desse ano de matrículas nos CILs, a secretária de Educação informa que até o momento, apenas 8.383 alunos da rede pública foram contemplados com uma vaga. Pouco menos de 10%. A próxima etapa agora é o sorteio dos alunos dos dois colégios militares e, havendo vaga remanescente, serão ofertadas à comunidade em geral. Se existe vaga remanescente o que se questiona é o não preenchimento da totalidade delas com jovens da rede pública.
Universalizar
A inclusão dos colégios militares gera uma sobrecarga na demanda. Isso levanta um debate do papel do CIL. “Se o que se pretende é elevar a qualidade do ensino público no DF, essa entrada dos alunos das escolas militares não contribui para isso” – avalia o professor de Sociologia e ex-distrital, Leandro Grass. “A secretária não está no caminho certo. Hoje, a oferta de vaga nos CIls já é menor do que a demanda. O que era preciso, é universalizar a oferta dos cursos de idiomas, numa proposta de educação integral a todos alunos da rede” – complementa.
Em atenção à Lei nº 5.536/2015, os CILs devem atender, prioritariamente, a estudantes devidamente matriculados no 3º Ciclo do Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na EJA (2º e 3º Segmentos) da Rede Pública de Ensino e, em caso de vagas remanescentes, à comunidade do Distrito Federal. Nessa lei, não está prevista prioridade para ofertar vagas remanescentes a nenhum outro segmento discente. Jovens da comunidade, como um todo, teriam que concorrer em pé de igualdade. Não há previsão, por exemplo, de se priorizar estudantes de colégios militares.
Especialistas levantam dois questionamentos quanto à nova postura do GDF: primeiro, os colégios militares cobram mensalidades de deus alunos e deveriam, em função delas, ofertar o ensino de idiomas em suas próprias estruturas. Segundo, consideram a nova regra uma metodologia que amplia a desigualdade existente entre os alunos da rede pública e os dos demais sistemas de ensino.
“Essa alteração não faz sentido – sentencia o ex-secretário de Educação – da primeira gestão de Ibaneis Rocha -, Rafael Parente. Os colégios militares fazem seleção de alunos, de professores, cobram mensalidades, têm uma dinâmica e uma realidade completamente diferentes das escolas da rede pública. As ações da secretaria de Educação deveriam ir, na verdade, na direção oposta: na direção da ação afirmativa, que diz que devemos priorizar aqueles que mais precisam, ou seja, nossos alunos mais vulneráveis, mais excluídos, em situação de fome, pobreza, violência, são estes alunos que merecem e precisam de um olhar especial da secretaria de Educação”.
Para Antonio Ibañez Ruiz, ex-reitor da Universidade de Brasília e secretário de Educação do DF de 1994 a 1998 – governo de Cristovam Buarque – o correto seria permutar um quantitativo fixo de vagas por outros serviços que essas escolas militares podem proporcionar aos estudantes da rede pública. “Ofertar vantagens que o sistema escolar da Seed-DF não tem, por exemplo educação física de qualidade, laboratórios científicos, ou outras atividades em troca das vagas cedidas.
Maior prejudicada
A secretaria de Educação afirma não haver prejuízo para seus estudantes. Ex-presidente do Sinpro-DF, a professora Rosilene Correa, avalia que a maior prejudicada será a comunidade em geral que podia concorrer as vagas sobrantes. “Com a presença dos estudantes dos colégios militares, as vagas para os demais jovens do DF serão menores ou mesmo zeradas.” Ela aponta ainda um outro problema: o custeio para o funcionamento dos CILs. Segundo Corrêa, o GDF ao elaborar o orçamento dos CILs, não considera como alunos da rede pública os que são provenientes dos colégios militares. Assim, a verba fica mais rala. O ex-secretário de Educação no governo de Agnelo Queiroz, Marcelo Aguiar, acredita que os Colégios Militares deveriam investir em cursos próprios de idiomas e, uma vez que eles cobram mensalidades de seus alunos, deveriam contribuir com um reforço orçamentário para a manutenção dos CILs.
(*) Chico Sant’Anna é jornalista profissional, documentarista, moro em Brasília desde 1958. Trabalhei nos principais meios de comunicação da Capital Federal e lecionei Jornalismo também nas principais universidades da cidade. Ver todos os posts de Chico Sant’Anna