Em um mundo moldado pela lógica do lucro e pela perpetuação de papéis de gênero, o peso das cobranças sociais sobre as mulheres se mostra uma das faces mais angustiantes da realidade contemporânea. O sistema capitalista cria um ambiente onde o valor individual se mede pelo desempenho, pela produtividade e pelo consumo. Paralelamente, o machismo constrói expectativas de cuidado, beleza e disponibilidade, sobrecarregando as mulheres com um acúmulo de papéis que parecem nunca se esgotar. O resultado? Uma pressão constante para atender a padrões que não só esgotam fisicamente, mas também corroem a saúde mental e emocional.
No capitalismo, o ato de descansar é visto com maus olhos. Não importa o quanto você produza ou quão intensas sejam suas responsabilidades; o descanso, muitas vezes, carrega um sentimento de culpa e cobrança. Isso atinge todas as pessoas, mas o impacto é amplificado nas mulheres, especialmente naquelas que, além de suas jornadas de trabalho, assumem o papel de cuidadoras em suas famílias. Cuidar dos filhos, zelar pela casa e dar apoio emocional são funções comumente atribuídas às mulheres, como se fossem uma extensão obrigatória de sua identidade.
Mesmo que avancemos em políticas de igualdade, a ideia de que a mulher deve estar disponível para as necessidades do lar e da família persiste. Esse acúmulo de responsabilidades gera uma sobrecarga emocional e física que não permite descanso completo, uma vez que há sempre uma expectativa de que ela esteja pronta para atender aos outros, independentemente de suas próprias necessidades e vontades. E pior: quando o faz ou pensa em fazer algo para si ou por si, muitas vezes a culpa se instala — culpa machista e capitalista, pois não é permitido à mulher descansar ou priorizar suas próprias vontades.
Neste contexto capitalista, o sofrimento individual se torna uma oportunidade de mercado. A insatisfação das mulheres com sua aparência e o desejo de corresponder aos padrões de beleza não surgem por acaso; são alimentados por uma indústria que lucra vendendo um ideal inatingível. Os produtos de beleza, as cirurgias plásticas, as roupas de última tendência e até mesmo as dietas milagrosas são vendidos como promessas de aceitação, sucesso e felicidade.
A felicidade como produto e a falsa sensação de liberdade
O capitalismo também vende a felicidade como algo que pode ser adquirido. Em vez de buscar a autorrealização e o bem-estar por meios mais sustentáveis, o sistema incentiva o consumo de produtos que supostamente trarão satisfação. Essa promessa de felicidade, no entanto, é ilusória e leva a uma alienação ainda maior. Muitas mulheres se veem tentando preencher o vazio emocional com compras, acumulando objetos que, no fundo, não atendem às suas reais necessidades. E o ciclo se perpetua: compramos, consumimos e descartamos, em um processo que destrói tanto nossa saúde mental quanto o próprio planeta.
Essa lógica de consumo que liga felicidade ao acúmulo também é profundamente machista, pois reforça a ideia de que as mulheres só são valiosas se se adequam a esses padrões. Elas são encorajadas a gastar com cosméticos, roupas e acessórios que supostamente aumentam seu valor aos olhos da sociedade, enquanto a verdadeira liberdade e o autoconhecimento são deixados de lado.
A campanha dos 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres
Em meio a esse cenário, iniciativas como a campanha dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres ganham ainda mais relevância. Realizada anualmente entre 25 de novembro, o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher, e 10 de dezembro, data da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a campanha busca conscientizar a população sobre os diferentes tipos de violência sofridos por meninas e mulheres em todo o mundo.
Com o apoio de atores da sociedade civil e do poder público, a mobilização não apenas propõe medidas de prevenção e combate à violência, mas também amplia os espaços de debate com a sociedade. Ao abordar as diferentes formas de opressão que afetam as mulheres, a campanha reforça a importância de enfrentar as raízes culturais, sociais e econômicas dessas violências, promovendo uma visão de mundo mais justa e inclusiva.
Unindo forças para resistir e transformar
Uma das formas mais eficazes de lidar com a dupla opressão capitalista e machista é por meio da conscientização e da união. É fundamental compreender que a dor e a cobrança não são problemas individuais, mas sim reflexos de estruturas sociais mais amplas. Trazer esse conhecimento à tona proporciona alívio e um senso de comunidade. Saber que outras mulheres enfrentam as mesmas dificuldades fortalece a criação de redes de apoio e resistência, fundamentais para desconstruir padrões e buscar formas mais livres e saudáveis de existir.
A união em espaços de troca e diálogo, como os proporcionados durante os 21 dias de ativismo, é essencial para enfrentar as cobranças e redefinir os padrões sociais. Encarar o capitalismo e o machismo como sistemas que se alimentam da angústia feminina é o primeiro passo para romper com essa lógica. Somente ao enxergar o problema de forma coletiva, a sociedade pode caminhar rumo a mudanças reais, onde o bem-estar e a liberdade sejam colocados acima do lucro e das imposições de gênero.
Resistir é essencial. Simplificar, repensar as necessidades e lutar pela autonomia são gestos que desafiam a lógica de opressão e ajudam a abrir caminhos para uma sociedade mais igualitária e humana.
(*) Por Luciana Ribeiro – Jornal Brasil Popular