À Fórum, o cartunista Gilberto Maringoni, que participou de várias exposições do Salão do Humor, explica a importância histórica e contemporânea do espaço
“O Salão de Piracicaba é um acontecimento com uma história importante nas artes e na cultura brasileira. Ele começou em 1974 e desde então, ininterruptamente, ele vem acontecendo a cada ano não apenas com desenhos de humor, mas virou um acontecimento na cidade e teve repercussões internacionais, jurados internacionais que no fim dos anos 1970 vinham de outros países, o Sérgio Aragonés, que era do Mad (revista de humor que encerrou as atividades em 2018), desenhistas franceses, mas ele também contava com a participação de gente do teatro, do cinema, gente de outras áreas”, conta Maringoni.
“Sempre foi, especialmente na ditadura, um oásis importante pela liberdade de expressão, pela democracia e as expressões dos seus cartoons, das charges denunciavam não apenas esse aspecto político, mas questões como racismo, misoginia, preconceito de classe, os programas econômicos de concentração de renda da ditadura, fortes denúncias contra qualquer tipo de autoritarismo”, revela o cartunista e professor da UFABC, Gilberto Maringoni.
Além disso, Maringoni explica que o Salão sempre foi um espaço libertário e, além de ser uma referência internacional nas artes gráficas, é também um espaço importante de memória das artes gráficas brasileira e lembra que a primeira premiada do Salão foi a cartunista a Laerte.
Em conversa com a Fórum, a cartunista Laerte lamentou a tentativa de censura ao Salão. “Acho o fim da picada o ataque e a tentativa de censura do Salão de Piracicaba. Fico totalmente solidária em defesa deste espaço histórico da cultura e do humor brasileiro – assim como solidária está a nossa categoria profissional e, tenho certeza, a população do país. Essa vergonha chamada bolsonarismo vai ter fim e vamos respirar novamente ares democráticos”, disse a cartunista.
Quem também repudiou a tentativa de censura ao Salão foi o cartunista Aroeira. “É tão absurdo querer censurar o Salão de Humor, querer impedir a existência, que só mesmo na cabeça desses imbecis, que subiram ao poder, no desastre da última eleição presidencial, é que podiam pensar nisso. Esses caras jogam as ideias para ver se cola, é um absurdo muito grande. Mas, esse tipo de coisa pode prosperar porque eles estão enfrentando a imprensa desde o primeiro minuto, eles odeiam a imprensa, se possível só teria a imprensa oficial. Então, é perigoso e o pior é que uma coisa dessa (fechar o Salão do Humor) pode acontecer.
Para Aroeira, caso a ação de censura ao Salão prospere, “seria um desastre para Piracicaba o Salão ser proibido, seria um desastre para o país e seria um desastre para a história do humor. É claro que outros lugares poderiam sediar, a gente sempre poderia dar um jeito de driblar isso, como já fizemos em outras ocasiões da história do país. Mas, eu acho que esse caso específico não vai prosperar”, disse o cartunista que já sofreu processo por parte do governo Bolsonaro por conta de uma charge onde apresenta o presidente Bolsonaro ao lado da suástica nazista.
O ex-prefeito de Piracicaba José Machado (PT), que foi um grande incentivador do Salão, também não acredita que a tentativa de fechar o Salão do Humor prospere, pois, ele afirma que tal ação teria consequências nacionais e internacionais.
“Eu não me surpreendo com essa atitude de um determinado vereador da cidade, ele, desde que tomou posse tem dado demonstrações de ser uma pessoa senão desequilibrada, uma pessoa completamente afinada com o quadro político que nós estamos no país que é de barbárie. Então não me surpreende ele estar questionando o Salão de Humor porque ele não gostou das críticas que o Salão faz através da arte sobre o atual presidente da República. O Salão, independente do autoritarismo, sempre fez críticas, portanto, não seria diferente do momento que estamos vivendo, de obscurantismo e, tendo em vista que o atual presidente é uma figura tragicômica, é lógico que isso mexe com a criatividade dos chargistas. O Salão de Humor nunca poupou ninguém, ele é um espaço de crítica democrática e é inadmissível qualquer tipo de censura”, afirma José Machado, ex-prefeito de Piracicaba.
“É algo muito grave e abre espaço para coisas que a gente já viu no passado recente com a aquela tentativa do MBL de fechar uma exposição queer no Santander Cultural em Porto Alegre e outras, o Masp já foi pressionado para não fazer determinada exposição. Se isso passa em branco, a porteira está aberta para a censura, a porteira está aberta para perseguição aos artistas, aos agentes culturais, aos produtores artísticos que se opõem a esse modelo vigente. É algo que deve ser repudiado”, finaliza Gilberto Maringoni.