Enquanto Trump cedeu nas tarifas sobre eletrônicos, o líder chinês deu um golpe fatal no setor aeroespacial
A decisão do governo chinês de suspender as entregas de aeronaves da Boeing e impedir a aquisição de peças e equipamentos de aviação de empresas dos Estados Unidos revela, com clareza, que o presidente Xi Jinping dispõe de cartas mais fortes do que Donald Trump no tabuleiro da guerra comercial. Ao mesmo tempo em que sinaliza firmeza, a China também demonstra racionalidade estratégica ao proteger sua soberania em setores sensíveis como o aeroespacial – onde não pode, de forma alguma, depender de fornecedores controlados por um governo que age de forma imprevisível.
A medida veio como resposta direta ao pacote de tarifas decretado por Trump, que chegou a impor alíquotas de até 145% sobre produtos chineses, em sua tentativa de redesenhar a balança comercial entre as duas maiores potências do planeta. Mas, em vez de enfraquecer a China, esse gesto impensado revelou os limites do poder de barganha dos Estados Unidos. Tanto é assim que, poucos dias depois, Trump foi forçado a recuar parcialmente, retirando os eletrônicos – setor vital para empresas como Apple, Dell, Nvidia, entre tantas outras – do escopo das tarifas. O motivo é evidente: essas empresas não apenas produzem na China, mas dependem profundamente da sofisticada e eficiente cadeia de suprimentos instalada no país asiático.
A verdade incômoda para os estrategistas norte-americanos é que a globalização, por mais contestada que seja, consolidou uma realidade em que as engrenagens do capitalismo ocidental estão conectadas ao motor de produção chinês. Ao ameaçar esse elo, Trump mexe com os próprios pilares da economia dos EUA. E a resposta de Xi – pragmática, certeira e calculada – foi atingir justamente uma empresa simbólica como a Boeing, já fragilizada por problemas técnicos e pela concorrência acirrada com a Airbus.
Ao fechar seu mercado à Boeing, a China envia uma mensagem clara: pode abrir espaço para o fortalecimento de sua própria indústria aeronáutica, como a estatal Comac, e, ao mesmo tempo, atingir a espinha dorsal da indústria aeroespacial americana. Diferentemente do comportamento errático de Trump, que lança tarifas como se estivesse em um tabuleiro de pôquer, Xi atua como um jogador de xadrez, que pensa a longo prazo e move suas peças com estratégia.
Esse episódio demonstra também o limite da arrogância imperial de quem acredita que ainda pode ditar as regras da economia global sem sofrer consequências. Ao deixar de agir racionalmente, o governo dos Estados Unidos empurrou a China para uma posição de ainda maior autonomia, fortalecendo sua indústria e minando a confiança de parceiros internacionais na previsibilidade norte-americana.
No final das contas, o caso Boeing é mais do que uma retaliação comercial. É um alerta para os próprios Estados Unidos: na nova ordem multipolar, não há mais espaço para medidas unilaterais sem custos. E quem insiste em agir por impulso, como tem feito Trump em seu segundo mandato, corre o risco de perder a dianteira em setores estratégicos – não por falta de recursos, mas por ausência de estratégia. Xi Jinping sabe disso. E por isso joga com mais inteligência.