“Que falta faz a democratização da mídia no Brasil!”
A cada dia, o Jornal Nacional aprimora as técnicas de informar desinformando, mas a edição de ontem (11) [11/3/2022] pode ser considerada paradigmática. Na escalada, a primeira reportagem anunciada foi sobre o aumento no preço dos combustíveis e as enormes filas geradas nos postos de gasolina e o impacto sobre os revendedores de gás em todo o país. A segunda chamada, numa espécie de continuação, abordava a Guerra na Ucrânia.
O resultado dessa técnica, sem que Bonner ou Renata precisassem dizer qualquer palavra, é que o telespectador, de forma automática, associa o aumento dos preços dos combustíveis no Brasil à Guerra na Ucrânia.
Já no primeiro bloco do telejornal, uma longa reportagem tratou do aumento no preço dos combustíveis, mas sem fazer qualquer referência sobre a total responsabilidade dos governos Temer e Bolsonaro. Depois de eximir as petroleiras internacionais de pagarem impostos na exploração do pré-sal feita por Temer, Bolsonaro vem fatiando e privatizando refinarias e demais setores da Petrobras, além de atrelar os preços internos dos combustíveis ao dólar, sem a menor necessidade, pois o Brasil é autossuficiente em petróleo.
Tamanha deferência para com Bolsonaro numa questão crucial deve ter lá seu preço, mas sinaliza igualmente que a família Marinho não está fechando as portas para um possível apoio a ele nas eleições de outubro.
Para confundir ainda mais o telespectador em relação à responsabilidade sobre o aumento nos preços dos combustíveis no Brasil, o JN apresentou uma longa reportagem sobre redução do ICMS, apontando a medida como uma solução possível, mesmo que não imediata. O que não passa de mais uma mentira deslavada.
É o vale tudo para esconder a realidade: o preço dos combustíveis está nas alturas e vai continuar subindo por causa da destruição da Petrobras, que tem dado lucro bilionário apenas para um grupo de acionistas nacionais e internacionais, verdadeiros oligarcas.
Quanto à cobertura sobre a Guerra na Ucrânia, a ladainha continuou a mesma: a culpa é da Rússia e do ‘sanguinário’ Putin. Todas as imagens e referências positivas ficaram por conta de Zelensky e de Biden. A denúncia da existência de armas químicas na Ucrânia feita por parte da Rússia foi minimizada e o JN continua mostrando as atrocidades da guerra apenas pelo ângulo do interesse ocidental.
No mais, a importante posse, hoje, do novo presidente do Chile, Gabriel Boric, mereceu do JN apenas um mero registro. Nem uma palavra sobre a reunião que ele teve com líderes da América Latina, onde defendeu a integração da região.
Nem uma referência ao fato de o representante brasileiro, o vice Hamilton Mourão, ter sido vaiado por populares e muito menos o carinho desses mesmos populares para com a ex-presidenta Dilma Rousseff, que foi à posse representando o PT.
Aliás, o JN se limitou a dizer que Boric herda uma carga pesada em termos de desafios políticos, econômicos, sociais e sanitários, sem qualquer menção à ditadura Pinochet e aos recentes governos neoliberais que destruíram a economia daquele país.
A expectativa é de que Boric consiga encerrar de vez essa triste página na história do Chile, mas Bonner e Renata não falaram nada sobre isso.
Haja manipulação, mentiras e desinformação. Tudo junto e misturado.
Que falta faz a democratização da mídia no Brasil!
(*) Artigo de Ângela Carrato, jornalista e professora de Comunicação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicado, originalmente, no site dos Jornalistas Livres
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