Emílio Chagas: A revista Tição, é pioneira no movimento negro brasileiro, sendo hoje
uma referência na imprensa negra do Brasil. Ela surgiu em 1978, ainda em plena
ditadura militar, abordando questões até então não tocadas na questão do negro
brasileiro, e procurando despertar a consciência da comunidade negra. Foi idealizada
por um grupo de jornalistas negros de Porto Alegre, se propondo a ser uma voz contra
a discriminação racial e a violência policial, principalmente. Racismo, mercado de
trabalho eram outras grandes bandeiras, ao mesmo tempo em que procurava exaltar a
negritude, os valores afro-brasileiros, a estética e cultura negras.
Quem estava à frente da iniciativa?
EC: À frente estavam um grupo de jovens jornalistas e militantes, entre eles Jorge
Freitas, Emílio Chagas, Jeanice Ramos e Vera Daysi, grupo ligado ao jornalismo, ao qual
se somaram outros três fundadores históricos: o poeta e pesquisador Oliveira Silveira, o
sociólogo Edilson Nabarro e o militante Valter Carneiro. O jornalista Jones Lopes passa
a integrar o grupo a partir da segunda edição, de 1979. Foram três edições, uma em
1978, outra em 1979 e uma versão em jornal em 1980.
Quais as principais abordagens e pautas?
EC: As pautas se mantém extremamente atuais: a questão do racismo, da violência
policial, da exclusão do mercado de trabalho, do genocídio da juventude negra, da luta
antirracista, entre várias outras. Prestes a completar 50 anos do seu lançamento, a
Tição está com proposta de uma reedição especial trazendo como conteúdo as
temáticas apresentadas nas suas três edições, fazendo um comparativo e evolutivo de
vários temas tratados com abordagens analíticas, comparativas e jornalísticas feitas
por estudiosos, pesquisadores, acadêmicos, jornalistas e seus remanescentes. Terá 60
páginas, com distribuição gratuita de 2 mil exemplares para escolas, museus,
bibliotecas, universidades, pesquisadores e comunidade negra.
Por que a sua retomada neste momento?
EC: Além de significar um resgate importante da publicação, a reedição histórica da
Tição é também uma contribuição à luta antirracista neste momento de
recrudescimento da discriminação racial no Brasil, em especial no RS, um dos estados
mais racistas do país. Ou seja, trata-se de uma proposta de resgatar a memória da
revista enquanto um patrimônio cultural da imprensa negra gaúcha e brasileira, e ao
mesmo tempo retomar a luta antirracista. Embora tenha havido um grande avanço em
algumas questões, como o ensino, através das políticas de cotas nas universidades e do
Prouni; a visibilidade, a autoestima e uma relativa ascensão ao mercado de trabalho, a
questão do racismo estrutural permanece intacta, reforçando a violência policial e
discriminação se tornaram ainda mais violentas. É importante lembrar também queneste governo foram retomadas políticas voltadas ao povo negro, como a criação do
Ministério da Igualdade Racial (MIR) e a Fundação Cultural Palmares, que sobreviveu
ao seu desmonte, voltou a ter uma orientação política negra correta.
Qual a proposta daqui para a frente?
EC: A ideia, inicialmente, é trazer uma edição especial de retomada da revista, dentro
deste propósito de mostrar o que evoluiu e avançou nesses quase 50 anos de lutas.
Vale lembrar que a Tição é anterior ao próprio Movimento Negro Unificado (MNU) e
lançada 10 anos antes da criação da própria Fundação Cultural Palmares. Ou seja, na
sua época não havia nenhuma política pública em nenhuma esfera – municipal,
estadual ou federal. Além disso, um dos seus fundadores, o poeta Oliveira Silveira, hoje
reconhecido nacionalmente, foi um dos principais mentores da criação do 20 de
Novembro como data máxima do povo negro em substituição ao 13 de maio. Todos
esses avanços foram frutos da pressão e da luta social do povo negro, onde a Tição tem
papel fundamental com o seu pioneirismo. Para 2025 pretendemos lançar mais quatro
edições, temáticas: Tição Mulher Negra, Tição Juventude Negra, Tição Racismo
Estrutural e Tição Políticas Afirmativas. E começar a elaborar o projeto de um
documentário dos 50 anos da sua fundação.
(*) Adeli Sell é professor, escritor, bacharel em Direito e vereador
até 31.12.24.