A Convergência Negra, articulação que reúne a maior parte das organizações nacionais e locais do movimento negro do Brasil aprovou na sua última reunião plenária em 23 de outubro, onde participaram mais de 300 representantes de entidades do movimento social, a realização de atos de rua no dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, com o lema: Fora Bolsonaro racista!
Esta decisão da Convergência Negra se deu como produto da sua avaliação de que o Brasil sob o governo Bolsonaro vive sob uma tripla tragédia: de ordem social, politica e econômica. E a principal vítima desta tripla tragédia é a população negra por conta do racismo estrutural.
Pandemia e racismo
O contexto de pandemia mundial provocada pelo Covid-19 não apenas deixa exorbitante número de vítimas fatais, como também provoca significativas mudanças no comportamento e práticas sociais da população. Os números das vítimas do Covid-19 indicam que ele é mais fatal entre negros e pobres, segmentos populacionais mais vulneráveis profundamente atingidos pelas desigualdades e problemas infraestruturais como ausência de saneamento básico e de acesso ao atendimento de saúde com dignidade. Mas pesa sobretudo o racismo estrutural. Este, historicamente implacável na marginalização, opressão, violência, desemprego e iniquidades contra a população negra, atingindo com mais veemência a mulher negra e a juventude negra.
Que o capitalismo se estruturou no Brasil introduzindo o critério de divisão racial na divisão social do trabalho há muito tem sido dito por intelectuais e militantes negrxs. Os perversos efeitos da pandemia escancararam essa realidade dando visibilidade as desigualdades raciais em todas as áreas: nas hierarquias do mercado de trabalho; no número maior de negros/as mortos; nas dificuldades de aulas on-line que desqualifica e expulsa estudantes negras e negros do sistema de ensino. Enfim, no corte de salários e no desemprego, ao tempo que aumenta o número de brasileiros no rol dos bilionários. Trata-se da pandemia nitidamente empregada como forma de controle social e provimento da morte, com números estarrecedores: 21,7 milhões de infectados, 604 mil mortes, 130 mil crianças órfãs e um imenso número de sequelados (falta dados) que traumatizam a sociedade brasileira.
Perfil do governo Bolsonaro
Contra os avanços que a população negra, através de suas organizações, conquistou em termos políticas de igualdade racial, o atual governo, sob o comando das elites, desmantela paulatinamente e sucateia as políticas públicas em geral. É preciso lembrar: o Estado e suas instituições são os únicos em condições de responder e realizar política pública em escala universal. E que em um cenário de fome, ampliação da pobreza e desemprego é necessário lutarmos para reverter o processo de desmonte do Estado brasileiro e redefinir o seu papel no que se refere à prestação de serviços públicos e às necessidades da maioria pobre e excluída, principalmente à parcela negra da população.
A população brasileira sente e expressa a gravidade do quadro sócio, econômico e político em curso. Os índices de aprovação do governo despencaram: 53% da população o consideram ruim/péssimo, apenas 22% o aprovam – uma queda de 8 dígitos desde a última plenária nacional realizada pela Convergência Negra em 21 de abril. Essa queda de popularidade atinge setores que o elegeu e lhe deu sustentação: a classe média e os evangélicos. Porém, negros, negras e mulheres compõem o segmento que mais rejeita o governo Bolsonaro, razão pela qual o movimento negro tem grande papel neste processo de enfrentamento desta tragédia.
Tragédia social
O Brasil continua sendo um dos epicentros mundial da pandemia do coronavírus. A política negacionista do governo Bolsonaro que apostou na proposta genocida da “imunização de rebanho”, negou a ciência, boicotou todas as medidas de saneamento, promoveu experimentos nazistas e fake News, instituiu um gabinete paralelo e permitiu a invasão de oportunistas no Ministério da Saúde para enriquecerem com vendas de vacina superfaturadas, levou o país a esta situação: recordes de número de mortes diárias e abandono das variadas vítimas, colapso do sistema de saúde, agravamento das finanças dos estados e municípios. O Brasil em pleno século 21 foi vítima de uma política genocida de Estado abertamente aplicada.
Estudo realizado pelo núcleo afro do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) mostra que a mortalidade entre negros é o dobro da de brancos no estado de S. Paulo, que lidera este quesito de desigualdade racial nas mortalidades (clique aqui para ler).
O governo Bolsonaro desprezou até onde pode a imunização. Não aceitou participar do consórcio de distribuição de vacinas criado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), foi contra a proposta de quebra de patentes defendida pela maior parte dos países do Terceiro Mundo e também pela direção da OMS, alinhando-se aos interesses das grandes corporações farmacêuticas e demorou na compra e investimentos para produção de imunizantes no pais. Resultado: mais de três quartos das infecções, mortes, sequelas e orfandade evitáveis, uma carnificina inescrupulosamente imposta à Nação.
Em paralelo, pouca atenção esse governo genocida tem dado ao Sistema Único de Saúde – o SUS, muito afetado pela EC 95 que determina um teto de gastos para a saúde e a educação. É importante destacar, também, que as deficiências do SUS decorrem do não investimento e da intenção de grupos econômicos que atuam na área de saúde de torná-lo ineficiente e ineficaz, para garantir seus lucros. Para a população negra, majoritariamente dependente desse sistema, o SUS é fundamental, principalmente num momento de pandemia, para acessarmos a saúde pública que necessitamos.
A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado instituída para investigar o comportamento do governo federal na pandemia deu visibilidade a esta postura do governo, demonstrando como agentes governamentais atuaram na defesa das teses negacionistas, sem contar as práticas corruptivas na tentativa de compra de vacinas e medicamentos. Não contente em submeter o povo brasileiro a esta mortandade, ainda buscou rapinar recursos públicos para benefícios pessoais.
Todos estes fatores explicitam que Bolsonaro é um mensageiro da morte, tem milhares de corpos derrubado pela sua política genocida contra a população brasileira, em particular negros e negras.
Tragédia econômica
Desde o seu inicio, o governo Bolsonaro se orienta por uma política neoliberal radical – alguns a chama de “ultraliberal”. As reformas da previdência e trabalhista, aprovadas pelo Congresso Nacional em 2019, retiraram direitos históricos dos trabalhadores. No caso da aposentadoria, as novas regras estabelecem que para receber 100% do valor do benefício, trabalhadores homens devem contribuir, no mínimo, por 40 anos; e mulheres, 35 anos. A perversidade deste sistema é que a reforma trabalhista aprovada logo na sequência aumentou ainda mais o trabalho informal e precário – muitos trabalham sem registro e sem contribuir para a previdência.
Mesmo a aposentadoria por idade é excludente, pois ao estabelecer a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens é praticamente igual a longevidade media da população negra (67 anos), o que significa que a maioria de negras e negros irão trabalhar até o fim das suas vidas sem direito a se aposentar (ainda que contribuam).
A tragédia econômica é completada pelo aumento da miserabilidade. A reforma trabalhista aprovada em 2019 que praticamente destruiu a CLT aumentou ainda mais a precarização do trabalho. Por conta da crise econômica, milhares de trabalhadores, em sua esmagadora maioria negros e negras, são obrigados a trabalhar de forma informal, sem registro e sem qualquer proteção. São os que vivem de trabalhar em aplicativos de transportes e entregas, ambulantes, trabalhos domésticos, entre outros. Para estes, não trabalhar significa não receber nada. Junto com os que trabalham nas atividades que ainda estão funcionando apesar do caos econômico que impôs o fechamento de mais de 800 mil empresas, arriscam-se nos transportes coletivos lotados na luta pela sobrevivência.
Para coroar a tragédia: a alta dos preços dos alimentos (15% nos últimos doze meses, segundo o IBGE, o triplo da inflação, com previsão de escassez) e do gás de cozinha (10% no ano de 2020, o dobro da inflação do período), gasolina (aumento de 51% em 2021, segundo ANP).
Perversamente, o governo Bolsonaro ante ao derretimento de sua popularidade prepara uma proposta de atualização do auxílio emergencial, mesmo furando o teto de gasto, sofrendo pressão da sua equipe econômica e do mercado, no valor de R$400,00. Não há empatia com o sofrimento do povo, não há solidariedade com as pessoas nas filas de ossos e cercando caminhões de lixo em busca de alimento, o objetivo é nítido: buscar sua reeleição à Presidência da República.
A pandemia demonstrou que a única forma de se enfrentar a crise é por meio de investimentos do Estado. Mesmo uma nação que prega o liberalismo, como os Estados Unidos, o governo destinou quase US$2 trilhões de investimentos públicos como forma de enfrentar a crise. No Brasil, o ministro Paulo Guedes insiste em subordinar qualquer política de enfrentamento da pandemia ao “equilíbrio fiscal”. Setores do grande capital com apoio unânime da mídia hegemônica, embora preocupados com os avanços da epidemia, resistem em defender qualquer medida que contrarie o absurdo da regra do teto de gastos, inserida como norma constitucional após o golpe parlamentar de 2016. Por conta desta regra do teto de gastos que os orçamentos da Saúde são insuficientes para dar conta da tragédia sanitária que o país vive atualmente.
O governo Bolsonaro insiste na ideia de que a “economia” não pode ser prejudicada pelas medidas de combate ao coronavirus. Mas que economia ele está falando? Evidente que a economia dos super-ricos brasileiros. A revista Forbes registra que o Brasil ganhou mais 20 novos bilionários durante a pandemia. O país tem agora 65 pessoas a com fortunas superiores a 1 bilhão de dólares. Ao mesmo tempo que a fome bate recordes e atinge 19 milhões de pessoas.
O modelo econômico de Bolsonaro/Paulo Guedes reforça esta situação pois prioriza os interesses do capital rentista. A Emenda Constitucional do Orçamento de Guerra aprovada em março – condição exigida pelo governo para a aprovação do auxilio emergencial – possibilita que o Banco Central transfira recursos públicos para empresas do setor rentista “em dificuldades” sem qualquer contrapartida. O modelo de gestão das empresas estatais, como a Petrobrás, prioriza os acionistas privados destas empresas ou ainda direciona para o seu enxugamento para posterior privatização.
É esta “economia” que Bolsonaro/Guedes quer defender. A economia que ao mesmo tempo favorece os bilionários e leva a maior parte do povo brasileiro à miséria. Economia que possibilitou o crescimento da riqueza do ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto aplicado em paraísos fiscais somente por conta da valorização cambial. Uma economia que para negras e negros só tem o genocídio como proposta.
Tragédia política
O governo Bolsonaro expõe reiteradamente seus traços nazifascistas. Vai perdendo base até mesmo em sua antiga base aliada. A tragédia social o faz perder apoio de diversos setores, mesmo entre a classe dominante. Governadores e prefeitos de partidos conservadores, diante da tragédia social que tem que enfrentar, criticam o governo, assim como a mídia hegemônica. Empresários de diversos segmentos vêem seus negócios sendo prejudicados com a longevidade da crise da pandemia e também exigem mudanças que não chegam pelas mãos do Presidente da República. A base de apoio do governo Bolsonaro vai se reduzindo a passos largos.
A base de apoio conquistada, a alto custo, no Congresso Nacional tem mostrado fragilidades, ao tempo que garante um salvo-conduto contra o impeachment, tem lhe imposto sucessivos revés, derrotando medidas e derrubando vetos, em outras palavras, esvaziando a caneta de Bolsonaro.
O ponto mais sensível é o relatório da CPI, que indicia Bolsonaro em 9 crimes, dentre eles 3 crimes contra humanidade: extermínio, perseguição e atos desumanos. Segundo especialistas, a soma desses crimes, caso condenado, dariam no mínimo 40 anos de prisão – crimes contra humanidade são imprescritíveis. Indicia seus filhos Carlos, Flávio e Eduardo Bolsonaro, ministros de Estado e um contingente de 72 pessoas envolvidas diretamente na consecução dos crimes atribuídos a Bolsonaro. Dias difíceis se avizinham a Bolsonaro e sua família, as 600 mil mortes não serão esquecidas e não ficarão impunes, fato repercutido fortemente na imprensa internacional. Apesar de não aparecer no relatório da CPI, fica a marca de genocida a Bolsonaro.
As ameaças golpistas do governo Bolsonaro diminuíram na retórica, devido o revés sofrido na mobilização antidemocrática no dia 07 de setembro. Ficando patente, diante de seu crescente isolamento, que nem entre os militares o apoio a Bolsonaro não é unânime, embora sempre se deva ficar atento as manobras golpistas do presidente, o fato é que as condições objetivas para ele impor um golpe hoje são rigorosamente difíceis.
Apesar das vicissitudes políticas que vive, não podemos subestimar a resiliência de Bolsonaro ou negar as possibilidades que a Presidência da República abre em uma disputa eleitoral, a máquina estatal é poderosíssima. Por isso, a Convergência Negra aposta na força das ruas, se compromete com a luta nas ruas, está convicta que quanto mais forte as ruas, mais certa será a derrota de Bolsonaro. Compõe a Operativa Nacional da Campanha Fora Bolsonaro, é favorável ao impeachment do presidente genocida, e tem contribuído com as sucessivas mobilizações que ocorrem no país.
Contra as tragédias social, econômica e política, defender a democracia e os direitos da população negra
A Convergência Negra tem buscado se articular com o conjunto dos movimentos sociais brasileiros para defender os direitos da população e a democracia e parte das organizações nacionais do movimento negro brasileiro participam das Frentes Brasil Popular, da Frente Povo sem Medo e da Campanha Fora Bolsonaro.
O discurso militarizado do governo Bolsonaro atinge diretamente a população negra, maior vitima da violência policial e da ação dos grupos de extermínio, bases das milícias. O discurso fundamentalista pretensamente religioso dos bolsonaristas reforça o racismo religioso que se expressa pelos ataques às tradições africanas. O sucateamento das instituições públicas atinge diretamente a população negra que vê os equipamentos públicos de saúde e educação sucateados justamente no momento que mais necessita deles. E, por fim, o aumento do desemprego, da precarização do trabalho e da miserabilidade joga a maior parte da população negra no terrível dilema de ter que se arriscar em ser contaminada com o coronavirus porque precisa trabalhar para sobreviver.
Acabar com o governo Bolsonaro é fundamental para frear o processo de genocídio intensificado neste momento. E, ao lado disto, exigir programas de combate à miséria e racismo.
(*) Artigo de Dennis Oliveira – professor de jornalismo da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Rede Quilombação, que faz parte da Convergência Negra
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