Aruká sobreviveu ao massacre dos Juma, na década de 1960, mas não resistiu ao novo coronavírus: a política genocida de assassinar lideranças populares. Entidades apontam responsabilidade da Funai
O último ancião do povo Juma faleceu, na quarta-feira (17/2). Aruká Juma estava internado, há cerca de um mês, por causa do agravamento do quadro de Covid-19. Segundo informações da imprensa, Aruká apresentou os primeiros sintomas da Covid-19, em janeiro. Chegou a ficar internado em Humaitá (AM) por alguns dias. Em 26 de janeiro foi hospitalizado mais uma vez e, no dia 2 de fevereiro, foi transferido para o Hospital de Campanha de Porto Velho (RO). Além de Aruká, outros sete Juma foram contaminados, mas estão em recuperação.
O ancião deixa deixa três filhas, Mandeí, Maitá e Borehá, além dos netos Bitaté, Puré, Kunhãvé, Kuaimbu, Kajubi, Thiago Tembu, Mborep, Morangüi, Tejuvi, Anaíndia, Poteí; bisnetos, parentes e amigos. Aruká foi um dos sete sobreviventes do massacre no rio Assuã, no sul do Amazonas, em 1964. O ataque foi perpetrado por comerciantes de Tapauá interessados na sorva e na castanha do território Juma.
Em matéria publicada em seu site, o Instituto Socioambiental conta que, no episódio do riu Assuã, mais de 60 pessoas foram assassinadas. A chacina foi mais uma contra povos originários na história de sucessivos massacres e extermínios de indígenas. Esses crimes atingiram vários povos, incluindo aí o povo Juma ao longo dos séculos.
O Instituto informa que, no fim dos anos 1990, Aruká conquistou o reconhecimento de seu território e se tornou um símbolo de luta e resistência dos povos indígenas da Amazônia. Estima-se que, no século XVIII, existiam 15 mil indivíduos do povo Juma. A expansão das frentes extrativistas espalhou a violência, mortes e assassinatos sistemáticos de povos originários. Muitos foram extintos e, os Juma, foram reduzidos a poucas dezenas na década de 1960.
Em 2002, restavam apenas cinco indivíduos: um pai com suas três filhas e uma neta. Os Juma são falantes de uma língua Tupi-Kagwahiva, a mesma dos povos Uru-eu-Wau-Wau, Amondawa, Tenharim e Parintitim.
De acordo com o site, o antropólogo Edmundo Peggion, que trabalhou com os Juma durante anos, descreveu Aruká como uma liderança, um homem respeitado: “Um homem que detinha muito respeito. Uma pessoa séria, que carregava no semblante toda a experiência de sofrimento, e que trazia com ela a tradição Tupi-Kagwahiva”, afirmou.
Ainda segundo o site do IS, em 1998, os Juma foram transferidos para a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, onde as filhas de Aruká, Mandeí, Maitá e Borehá, se casaram com indígenas Uru-Eu. Anos depois, a família retornou à Terra Indígena Juma. Dois parentes de Aruká faleceram na TI Uru-Eu-Wau-Wau depois da mudança. Hoje, cerca de 17 indígenas habitam a TI Juma.
Jordeanes do Nascimento Araujo, professor de Antropologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a morte de Aruká deve entrar na conta da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Essa contaminação é fruto de total negligência da Funai, que não tem até agora um plano de contigência”, disse. Ele critica o fato de o órgão não ter feito nada para impedir a contaminação de um grupo pequeno, de 17 pessoas. “É a continuidade do extermínio do povo Juma”, lamentou.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Observatório dos Povos Indígenas Isolados emitiram uma nota sobre o episódio.
Matéria editada pelo JBP a partir de reportagem do Instituto Socioambiental (Isa), de 18/2/2021, publicada pelo site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU ) /Adital.