O impacto causado pela Inteligência Artificial/IA chinesa foi tão forte, que o insuspeito Jornal Inglês The Guardian estampou em sua capa o que segue: “o surgimento do DeepSeek como rival do OpenAI, é visto como seu momento Sputnik¹”. Esta é uma daquelas analogias que expressa um significado bem mais profundo do que aparenta.
Com chips nominados maduros, menos avançados, eficazes, com custos muito menores, dissipando menos energia, portanto mais sustentáveis, com código aberto e ainda com acesso ao aplicativo de forma ampla e gratuita, podendo fazer tanto quanto o Chat GPT, ou mais ainda, a IA chinesa fez sacudir o cenário high-tech americano e global nos últimos dias.
Portanto, com um modelo barato e eficiente, ainda com ampla possiblidade de acesso, talvez orientado por seus referenciais de business, de autonomia científico-técnica e de estratégia geopolítica soberana, a IA chinesa fez sacudir de forma irrefutável o mundo das Big Techs. Causando turbulências na hegemonia de USA neste terreno de enorme disputa mundial, fez com que as ações de grandes players de tecnologia global despencassem. Só para se ter uma ideia da dimensão e potência do tema, derrubou fortemente as ações em apenas um único dia.
Indiferente aos enormes desafios de dumping de mercados praticados deslealmente por alguns países e regiões e tendo que superar sanções vindas do Estado americano, que cancelou licenças da Huawei para peças de seus produtos, associadas ainda à complicadora proibição da venda de máquinas da empresa holandesa Advanced Semiconductor Materials Lithography – ASML – para o país, a China não ficou parada ou imobilizada. Mesmo que impedida de litografar a manufatura de semicondutores, devido aos receios de USA de que poderia dar ao rival vantagens competitivas na “Chips War” global, a restrição não deteve os avanços do país neste campo. Pelo contrário, acabaram servindo como uma espécie de catalisadora ou um fermento, para que os avanços e desenvolvimentos viessem de forma mais célere e eficiente em solo chinês.
E hoje o que observamos é que o país domina a manufatura de chips com manometria (métrica de aferir o tamanho dos chips) já muito próxima do estado da arte, e ainda dá um salto também no desenvolvimento da confecção de suas próprias máquinas de litografia para manufaturar semicondutores. Ou seja, vai avançando na sua soberania científico-técnica no setor e vai plantando relações comerciais cada vez menos submissas e mais independentes.
Momentos como este, de grandes saltos inspirativos e lampejos iluminados, em que ocorra qualquer conquista científico-técnica que possa ser apropriada de forma universal pela humanidade, devem ser muito bem acolhidos e exaltados. Sobretudo por aqueles que sabem que o conhecimento e a inteligência podem ser uma componente chave e estratégica na melhora do desenvolvimento de uma sociedade e na qualidade de vida de seu povo.
E nestes tempos, onde cada vez mais torna-se peremptório e determinante que se trabalhe de forma cooperativa e solidária, esperamos que iniciativas como esta possam arquitetar o que eu chamaria de relações de discernimento e lucidez, em oposição à multiplicação do contrassenso da irracionalidade.
Relações capazes de promover os intercâmbios econômicos, sociais e culturais entre as Nações e as cidadanias, numa mundialização sustentável e de novo tipo, proporcionando-nos o fraternal comércio do saber, um mercado enfim que institua a razão e a racionalidade como moeda fundamental de trocas do gênero humano.
- O Sputnik 1 foi o primeiro satélite artificial da Terra. Foi lançado pela União Soviética em 4 de outubro de 1957 na Unidade de teste de foguetes da União Soviética atualmente conhecido como Cosmódromo de Baikonur. A missão Sputnik 1, junto com o voo de Yuri Gagarin no Vostok 1, teve um impacto profundo na história da exploração espacial, foram os eventos que desafiaram os estadunidenses e foram a gota d’água para o lançamento do programa espacial dos Estados Unidos objetivando alcançar a Lua. A Sputnik tornou-se uma lenda e um marco da exploração espacial. (Nota do Editor, com informações da Wikipédia).
*Adão Villaverde é Engenheiro, Professor de Gestão do Conhecimento e da Inovação PUCRS e Consultor SemiCon TECNOPUC.
Foto da capa: Greg Baker/AFP/Getty Images
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