Eden Pereira, professor de história, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e membro do Grupo de Estudos 9 de Maio, destaca a importância da Rússia enquanto potência diplomática para a construção da nova ordem global apontada por Putin.
“A Rússia é evidentemente uma potência militar, e eu acho que isso é um elemento fundamental quando são discutidas as relações entre os países e, principalmente, entre as potências. Mas tem outra questão muito importante: a Rússia resgatou, ao longo das últimas décadas, principalmente a partir do começo do governo Putin, a sua potência diplomática, que é a sua capacidade de poder dialogar com outros países, inclusive grupos de países”, explica Pereira.
“Porque prevalece não só uma ordem internacional restrita, principalmente em nível do âmbito da ONU [Organização das Nações Unidas], do Conselho de Segurança [da ONU], onde você tem a presença preponderante de países que eram potentes em 1945, mas porque também outros países que poderiam fazer parte desses núcleos de poder estão hoje excluídos, como é o caso, por exemplo, da Índia, do Brasil.”
“E o que ocorreu é que, ao longo desse tempo, por meio desse processo, a Rússia foi aumentando a sua capacidade, a sua importância dentro dessa região, porque ela foi se inserindo como ator responsável”, explica Pereira.
Aproximação com América Latina e Oriente Médio
“A Rússia tem boas relações de longa data com os países árabes. Eles representam uma civilização única, desde o Norte da África ao Oriente Médio, que hoje está se desenvolvendo dinamicamente. Consideramos importante buscar novos pontos de contato com nossos amigos árabes para aprofundar todo o conjunto de parcerias. O mesmo vamos fazer na direção latino-americana”, observou o presidente russo.
“Até porque nunca esqueçamos que a América Latina não tem nenhum país no Conselho de Segurança das Nações Unidas, uma reivindicação que durante muito tempo o Brasil fez, mas nunca conseguiu o devido apoio por uma série de questões diferentes ao longo da história, mas que agora existe uma possibilidade muito grande, não só por conta do movimento de integração latino-americano, mas por conta de o Brasil estar dentro do BRICS”, explica Pereira.
“Isso é muito importante. Nós vimos agora, por exemplo, na COVID-19, como o Brasil e outros países ficaram à mercê daqueles que têm a tecnologia da vacina, da medicina. Eu sei que a Rússia está sofrendo sanções, então ela é mais enfática e para ela se torna crucial desenvolver tecnologias próprias, mas todos os países deviam ter isso em mente, ter uma soberania tecnológica”, complementa.
BRICS cresce enquanto G7 recua
“A única coisa que existe, em termos do orçamento por parte dos países do G7 garantido hoje, em termos de produção, é a indústria de armas”, explica o especialista.
“Enquanto de um lado nós temos o BRICS pensando em infraestrutura, integração tecnológica, infraestrutural, do outro lado nós temos o G7 pensando em renovar sua indústria armamentista e seus instrumentos de dominação internacional, porque eles não têm mais a capacidade produtiva e material de manter essa hegemonia que foi construída durante cinco séculos, um período de colonização de boa parte do mundo”, complementa.
Como a economia russa se mantém forte diante das sanções?
“Se nós pegarmos os dados que foram previstos no início da operação militar especial russa, por parte dos ocidentais, e pegarmos os dados práticos, nós vemos que, em termos de tentativa de parar o desenvolvimento social e econômico da Rússia, [a política de sanções] foi um fracasso. Porque a Rússia não só teve um crescimento econômico no ano passado, em 2003, que superou a média de crescimento nas economias do mundo, mas também a média mundial. Mas […] a Rússia tem passado por um processo de industrialização muito forte”, destaca.
“Então eu acho que a partir do BRICS, e agora com a ampliação do BRICS, essa discussão de forma prática vai ser possível.”
Qual a importância da diplomacia cultura russa?
“Essa diplomacia cultural não era do mesmo período da diplomacia cultural dos Estados Unidos, mas existia. Durante algum tempo, isso deixou de existir, porque a Rússia, por uma medida, deixou de visualizar a sua relação com os países do Terceiro Mundo para poder centralizar a sua relação com os países ocidentais. E os russos, então, hoje fazem uma autocrítica.”
“A Rússia tem um potencial imenso [na diplomacia cultural], mas infelizmente, até o momento, talvez até pelas questões, essa pressão constante que ela sofre, não conseguiu ainda poder pensar esse potencial cultural, filosófico e científico a ponto de ter um planejamento de política externa nesse sentido.”