“As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem”
Chico Buarque de Holanda
Já são 5 artigos que levantei problemas do Estado do Rio Grande do Sul, e neste 6° não consegui mudar. Eu queria achar coisas que mudassem as coisas por aqui, mas é o povo que se muda daqui.
Êxodo
Entre 2011 e 2019, 700 mil rio-grandenses deixaram o Estado. Lembro que nosso processo migratório começou nos anos 40 e 50 com legiões de “gaúchos” indo para as “terras novas”, no Extremo Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paran. Já nos anos 70 era uma multidão, invadindo o Centro Oeste. Mas, pasmem, em 2024 foram 500 mil que zarparam.
Pensei hoje no meu círculo de amigos e listei os filhos deles que estão no Reino Unido, na Austrália e no Canadá: “me caíram os butiás do bolso”.
Há algo muito errado acontecendo.
Quantos amigos seus estão morando em Garopaba? Já perguntaram a seus amigos daqui?
Quantos jovens estão em São José e Florianópolis nos Centros de Tecnologia? Todos formados aqui, pois aqui é que temos as boas e mais prestigiadas universidades, sejam públicas ou privadas.
Idosos
Somos o Estado com mais pessoas idosas e longevas. Muitas pessoas idosas já se mandaram daqui, pois nossa atenção a este segmento é precaríssimo. Se você for a Cascavel, no Paraná, vai encontrar praças e praças com equipamentos de ginástica para as pessoas. Já, aqui, conseguir uma em algum lugar nobre é um parto. Imagina os pobres de periferia.
A “chique” Balneário Camboriú não tem só badalação de grã-finos. Lá tem uma política municipal para pessoas idosas que inclui programas de atendimento e oficinas gratuitas.
Compare o que temos em BC com o que temos aqui, ou melhor, com o que não temos:
Programas de atendimento
Programa Centro Dia Para Pessoas Idosas: Atendimento especializado para pessoas idosas em situação de risco ou violência. O programa oferece cuidados e estimulação de habilidades físicas e cognitivas.
Secretaria da Pessoa Idosa (SPI): Oferece oficinas gratuitas de pilates, dança, reiki e horta.
Oficinas gratuitas
A SPI oferece oficinas gratuitas de pilates, dança, reiki e horta.
A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa tem como objetivo promover o envelhecimento ativo e saudável, além de garantir a atenção integral à saúde.
Nosso passado
Enquanto no início do século XIX Porto Alegre, nossa capital, levantou os prédios monumentais da Prefeitura, Correios, MARGS, Palácio Piratini e todos os espaços que hoje são guardados por lei patrimonial, a cidade se desfigura, numa imitação “pobre” de Balneário Camboriú.
Enquanto nos anos 40 e 50 como magistralmente registrou em crônica Sérgio Jockyman éramos a Belle Époche; em 70, Telmo Thompson Flores veio botando tudo abaixo. Parou o bonde em 1970 e começou o ocaso da capital.
Já listamos alguns setores econômicos que sumiram. Na área de fogões, parece que sobrou a Venax (450 operários) de Venâncio Aires, pois as grandes Wallig e Geral se foram no declínio dos anos 70, espaço cronológico em que localizo a nossa debacle.
Se ainda temos a nossa grande Tramontina na Serra, daqui sumiu a grande cutelaria Zivi-Hércules.
Já falamos das grandes indústrias da área de cervejas que despareceram, sendo que a vinda de uma indústria para Igrejinha é de fora, de São Paulo.
A Abramo Eberle era uma marca em Caxias do Sul. A metalúrgica se foi. Ainda bem que seus prédios ficaram com a Prefeitura.
Os mais velhos se lembram da chaminé da AGASA – Açúcar Gaúcho S/A – suscitando uma tese da renomada professora VÉRA LUCIA MACIEL BARROSO – MOENDAS CALADAS: Açúcar Gaúcho S. A. – AGASA: um projeto popular silenciado: Santo Antônio da Patrulha e Litoral Norte do Rio Grande do Sul (1957-1990).
O próprio título já diz tuto.
A falência de várias cooperativas tem a ver com nosso declínio. Vejamos:
- A Cotrijui, sediada em Ijuí, no noroeste do Estado, entrou em colapso nos anos 2000, acumulando passivos trabalhistas, tributários e dificuldades de pagamento a associados e fornecedores.
- A Cotrimaio não entrou em falência, mas apresentou um plano de recuperação para os credores. O pedido de recuperação judicial foi rejeitado pela justiça, em 2015.
Estas megainstituições têm sob sua “guarda” centenas de pequenos agricultores familiares.
Tem mais:
- O frigorífico Doux Frangosul, que chegou a processar 350 000 toneladas de carne por ano, teve a falência decretada pela Justiça, em 2017.
- Languiru anuncia encerramento das atividades de suinocultura e bovinocultura de corte, em 2023.
Medo
Voltando ao pensamento de Chico Buarque: ”Eu tenho medo que as coisas nunca mudem”, pois, então, este é meu medo.
As pessoas vão saindo do nosso Estado há mais ou menos 80 anos.
Aqui, a taxa de natalidade está em queda desde 2015 e chegou a 1,09 nascidos vivos para cada mil habitantes em 2021. Não há crescimento pois as mortes estão mais ou menos no mesmo patamar. Logo, o Estado não tem crescimento populacional, pelo contrário, com as pessoas migrando, ela descresse.
Alguém já escreveu que aqui não tínhamos capitalistas, mas muita gente rica. É verdade, o capitalista investe seus capitais e faz a economia girar. Aqui, os ricos compram casas de luxo em Florianópolis e apartamentos de ricaços em Balneário Camboriú.
O medo é que as coisas não mudem, continuem como estão. Este é um círculo vicioso. E círculo não é um caminho a seguir.
(*) Por Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito.
*As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.