Para falarmos sobre o Dia Nacional da Consciência Negra é fundamental realizarmos uma pequena viagem no tempo e no espaço. A sua origem aconteceu em 1971, em Porto Alegre (RS), por iniciativa do Grupo Palmares. Faziam parte desse grupo, universitários negros dentre eles: o poeta gaúcho Oliveira Silveira (1941-2009), Vilmar Nunes, Ilmo da Silva e Antônio Carlos Cortes.
Um dos objetivos era protestar contra o acesso e presença de jovens negros num clube da capital gaúcha. Cidade cuja população é predominantemente branca! E consequentemente, também debater sobre a realidade do negro vivido naquele momento no país. Discutiu-se também naquela ocasião, a ideia de uma data que seria uma referência para a celebração e valorização da cultura negra. Essa data de referência e que também foi definida para essa celebração; foi 20 de novembro; quando aconteceu a morte do Zumbi dos Palmares, autor da célebre frase: “Nascer negro é consequência, ser negro é consciência”.
Segundo Conceição Evaristo, no livro “Poemas da recordação e outros movimentos”. Belo Horizonte: Nandyala, 2008. Segundo O Quilombo dos Palmares era símbolo de luta e resistência contra a escravidão e referência à liberdade e autonomia de um povo que durante mais de três séculos vinha sendo brutalizados, arrancados à força de sua terra natal, a África, trazidos a outro continente para servir e produzir no nascente Brasil colonial. Foi nesse contexto hostil que nasceu o nosso país. Por isso, tudo o que foi gerado, produzido, construído se deve às mãos negras dos Africanos e seus descendentes.
Em meados do século XVII o Quilombo dos Palmares, foi uma grande referência de no que se refere a produtividade, a sustentabilidade e a fartura da sua produção. Basicamente a economia se baseava na atividade agrícola. O que se produzia era consumido internamente e o excedente era comercializado nas fazendas da região. Palmares impactou o sistema econômico vigente, tornando-se referência econômica para região. Inevitavelmente, com esse processo de crescimento, acabou incomodando interesses econômicos, o que resultou num processo de lutas, e no massacre e aniquilamento do quilombo.
Contudo, comunidades quilombolas e outros quilombos se mantem resistindo no país, e lutando para escrever uma outra História de lutas.
Contudo, a referida data adquire mais força com o surgimento do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNU), em 7 de julho de 1978, na cidade de São Paulo. Assim, nesse momento, o escritor paulista Osvaldo de Camargo, por meio do MNU, propôs que 20 de novembro fosse o Dia da Consciência Negra.
Assim, compreende-se por Consciência Negra o entendimento da importância da cultura e da história dos negros no mundo, e sobretudo, com a referência a realidade vivida pelo povo negro no Brasil.
Durante o século XX vários movimentos denunciavam o sistema racista existente no país. E ao mesmo tempo, lutavam por uma maior participação da população negra nos âmbitos artísticos, intelectuais e políticos.
No que se refere às Artes, e nas suas diversas linguagens, a presença do negro é marcante! Seja no cinema, no teatro, nas artes plásticas e na música. Contudo, não se pode relevar a existência da discriminação, do racismo, das dificuldades impostas, das limitações, da desqualificação quando se refere à produção e aos próprios artistas.
E aqui em Brasília, temos o exemplo de um artista plástico que vem desenvolvendo o seu trabalho tendo como centro temático, a arte afro-brasileira. Morando há quase 24 anos, o baiano Ronaldo Ferreira, vem desenvolvendo um trabalho em estamparia em tecido, utilizando a técnica do batik.
Ronaldo Ferreira é um artista autodidata, professor de História e Mestre em Turismo pela UnB, que começou a sua prática com o desenho livre, e a partir do momento que conheceu a técnica do batik, houve uma identificação muito forte. Haja vista, ter tido experiências anteriores com a xilogravura e o entalhe.
O batik é uma técnica de estamparia em tecido originário da ilha de Java, na Indonésia, e bastante divulgada na Índia e no continente africano e que posteriormente chegou à América. Ela consiste em trabalhar com a cera de abelha misturada com a parafina. A mistura quente desses dois ingredientes sobre o tecido possibilita o isolamento da área trabalhada, o que posteriormente contribui para um efeito característico do batik que é o craquelé.
Os trabalhos, antes apresentados apenas em estandarte de tamanhos variados, agora assumem outras formas, inclusive artigos utilitários como tecidos para decoração e almofadas. Temas da cultura ameríndia, o grafismo e elementos marinhos foram introduzidos. O mencionado artista realiza trabalhos em totens, utilizando uma linguagem do grafismo, dos símbolos e figuras rupestres.
Apreciador da música popular brasileira, jazz e, sobretudo do blues, ele escolheu esse tema para trabalhar plasticamente, pois é um gênero musical que ele se identifica, e que tem a sua origem na ancestralidade na cultura africana.
A partir do aprendizado da técnica do batik, em 1979, com o artista plástico e tapeceiro baiano Antônio Luís Figueiredo, o artista aliou essa técnica com a sua vivência com a dança dos orixás, samba de roda e capoeira, quando participou do Grupo “Exaltação à Bahia”. Essa vivência contribuiu muito para a sua inspiração, motivação e consequentemente para o seu processo criativo. Contudo, ele destaca alguns artistas que foram fundamentais, para a sua formação, como: Caribé, Rubem Valentim, Mestre Didi, Mário Cravo, Pierre Verger, o catalão Joan Miró, o grafismo indígena e a Lux Vidal que publicou um livro com esse título. Além do polonês brasileiro Frans Krajcberg.
Ronaldo Ferreira já realizou diversas exposições no Brasil e no exterior, com destaque para as coletivas no Teatro da Trinidad, em Lisboa; Opaxorô, em Salvador; II Congresso de Cultura Afro-Americana, em Salvador; Semana da Bahia, em Nova York, Casa do Brasil, em Madri e Africanidades Brasileiras, em Brasília. As principais mostras individuais foram realizadas no Encontro Brasil-África, em Salvador, Deuses Africanos, em Palmas de Gran Canária e Afrobatik, em Buenos Aires.
O artista tem várias obras em diversas entidades a exemplo da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, em Cachoeira – Bahia, Pousada Ile Omni, em Imbassay- Bahia, Casa do Brasil, em Madri, Casa Fundação Jorge Amado, em Salvador e sede da OEA, em Buenos Aires.
Nos últimos anos, Ronaldo Ferreira participou de algumas exposições, tanto individuais, como coletivas, a exemplo, as realizadas em Brasília, como: na Galeria Ary Barroso, do Sesc; fez a ilustração para o convite do VII Encontro de Educação Étnica Racial; participou de Oficina de Batik Contemporâneo ministrada pela Arte educadora Rita Ximenes; realizou exposição individual no Espaço Lúcio Costa; no Centro Cultural Brasília. Brasíl; na 1ª Feira Cultural de Ceilândia; participação na Coletiva. Amostra Etnográfica Negra. Biblioteca Central da Universidade de Brasília; realizou a Oficina de batik em papel, na V Semana de Ciência, Cultura e Arte. IFB. São Sebastião; e exposição “Estrelas do Blues”, no Festival Cara e Cultura Negra. Teatro Nacional.