O documento foi protocolado na Polícia Federal (PF). Nesta segunda matéria da série sobre os Correios e Telégrafos, Fátima Lessa mostra que gestores adotaram a prática, nos últimos 4 anos, dentro de uma das maiores empresas públicas do Brasil em Mato Grosso
Sob o sol forte que fazia naquela tarde do dia 29 de março, dona Maria Luzia moradora no bairro Jardim dos Estados, em Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá (MT) foi até o Centro de Distribuição Domiciliar (CDD) no centro de Várzea Grande receber sua encomenda. Ela queria também saber por que a encomenda prevista para ser entregue, segundo o Sistema de Rastreamento de Objeto (SRO) dos Correios, às 11 horas daquele dia, não tinha chegado. Comprar online e, depois receber pelos correios nunca foi problema para a moradora várzea-grandense.
“As encomendas sempre chegaram na data marcada pelos Correios”, dizia ela, muito chateada na porta do CDD. Ela contou ficou mais irritada quando foi informada, ainda em sua casa, com uma mensagem em seu celular: “objeto não entregue, endereço incorreto”.
Segundo Maria Luiza, a informação não procedia. “Além do endereço sempre coloco ponto de referência e nunca deu errado” disse.
Maria Luiza não sabia, mas ela foi mais uma vitima dos grupos denunciados à Polícia Federal pelo Sindicato dos Trabalhadores nos Correios em Mato Grosso (Sintect-MT) como responsáveis por supostas fraudes na inserção de dados falsos no Sistema de Rastreamento de Objetos da ECT a partir de Mato Grosso.
Grupos operam as fraudes dentro das Unidades
Segundo o advogado Alexandre Aragão, há uma atuação organizada atuando dentro de uma das maiores empresas públicas do Brasil, “com intuito de enganar e jogar a população contra os trabalhadores (carteiros e atendentes de balcão)”. A atuação ainda de acordo com o advogado é realizada de forma coordenada e simultânea. “As fraudes ocorrem sem qualquer preocupação, na grande maioria das vezes ao final do expediente dos trabalhadores”, completou.
As fraudes e inserção de informações falsas realizadas no Sistema de Rastreamento de Objetos (SRO) dos Correios aconteceriam de várias formas, mas três merecem destaques. Uma delas é “adulteração” do endereço do cliente para “justificar” que o objeto não foi entregue porque o endereço estava errado. Assim, quando a pessoa vai tentar saber a razão, no SRO, de não ter recebido a encomenda vai acreditar que “realmente seu endereço” estava errado. Esses casos, na maioria das vezes acontecem com encomendas via Sedex, segundo o advogado.
Outra forma de fraudar o sistema é trocar o código de finalização ou não das entregas do dia. Ao retorna das entregas, o carteiro deve atualizar o sistema da empresa. Se o objeto não foi entregue porque não houve tempo, o carteiro deve inserir o código 46. Mas por meio de coação e assédio moral, o gestor obriga o carteiro a colocar o código 34 que significa “trecho com numeração irregular”.
Assim, acreditando que seu endereço está com alguma irregularidade/inconsistência, ou falta informação, quando recebe a mensagem indicando que o objeto será devolvido para o remetente, o cliente vai até o CDD ou UDD para retirar e não ter prejuízo. Assim como aconteceu com a encomenda da dona Luiza.
O resto zero – Outra irregularidade é o abastecimento no sistema com relação às cartas simples principalmente nas Unidades de Distribuição Domiciliar (UDD) nas cidades do interior e em alguns Centros de Distribuição Domiciliar (CDD) com a mensagem “resto zero”.
Para os trabalhadores que preferem não se identificar, por medo de represálias, a manipulação acontece principalmente onde as correspondências não são entregues e se acumulam como foi constatado nas unidades dos Correios no município Campo Novo do Parecis, por exemplo, estão há correspondências com mais de ano sem ser entregues a população.
Neste caso, ao fazer o lançamento dos objetos que retornaram da rua por motivos diversos, o trabalhador é obrigado a falsamente lançar a informação de que foram entregues todas as correspondências, daí o nome “resto zero”.
Nem mesmo, o serviço mais antigo, mais confiável e mais ágil, o TELEGRAMA escapou do sistema de fraudes implantado pelos gestores dentro das unidades dos Correios em Mato Grosso.
A fraude é a mesma. A única alteração é que os telegramas sequer saem para entregas, e recebem anotação denominada pesquisa (número 5) e no mesmo momento que é recebido na unidade já é “jogado para pesquisa” e mais uma vez o consumidor é enganado.
Segundo documentos aos quais tivemos acesso, as “correspondências simples foram sistematicamente rasgadas” supostamente, segundo advogado Aragão, “pelos gestores do alto escalão” e enquanto isso “outra conduta criminosa era operada e colocada em prática pelos chefes imediatos (supervisores e gerentes) em cada unidade de distribuição”, o acúmulo de cartas, correspondências estocadas em caixas e depois sumidas.
Em julho de 2019 foram encontradas cerca de 600 mil correspondências acumuladas na agencia dos Correios em Campo Novo do Parecis/MT. Em fevereiro de 2020 as correspondências teriam sido trazidas para Várzea Grande, distribuídas entre o Centro de Tratamento de Cartas e Encomendas (CTCE), e o Centro de Distribuição Domiciliar (CDD) de VG, e então destruídas. A destruição, segundo os trabalhadores, teria sido levada a efeito por dirigentes dos Correios.
Por que isso acontece?
Para os sindicalistas essas ações supostamente criminosas acontecem justamente para passar a falsa informação de que a empresa está funcionando, para mascarar a ausência de trabalhadores. Segundo eles, essa estratégia de simular alta produtividade justificaria o enxugamento da quantidade de carteiros em cada unidade de trabalho.
Para o diretor do Sintec-MT, Luciano Gomes,” todas essas práticas são usadas para simular alta produtividade, justificar o enxugamento da quantidade de carteiros em cada unidade de trabalho e implantar o PDVs”. Muitos trabalhadores não aderiram ao plano de demissão, eles foram obrigados “eu conheço colegas que saíram chorando”, disse uma carteira do CTCE de Várzea Grande.
Aragão acredita que tudo isso faz parte do projeto de desmonte da empresa. Segundo ele, a empresa segue sua politica de redução da presença da ECT na sociedade, fechando unidades, juntando outras e reduzindo o quadro cada vez mais de trabalhadores.
Aliás, a defasagem em numero de trabalhadores e alteração de contrato de trabalho dos carteiros realizada pelos gestores prejudica a entrega de correspondências e sobrecarregando os que ficam. E devido à sobrecarga de trabalho os carteiros que antes visitavam as residências em posse de objetos sob-registro (encomendas, cartão de crédito, talão de cheques, eletrônicos dentre outros), todos os dias da semana, já não conseguem atender a demanda.
Com a implantação do Plano de Redistribuição de carga (PRC) que por sua vez foi substituído posteriormente uma vez por semana DDA4, e de tanta sobrecarga já não conseguiam sequer visitar as residências para tentar efetuar a entrega.
O número de carteiros em Mato Grosso reduziu em 47% nos últimos anos apesar da demanda pelo serviço ter aumentado. Em 2018 eram 1,7 mil servidores e hoje são um pouco mais de 900. O último concurso aconteceu em 2011.
Aragão afirma que como não há pessoal suficiente para a entrega as correspondências vão sendo estocadas e depois são destruídas manualmente. Antes a destruição acontecia com máquinas de triturar papel, mas como o volume é muito grande a destruição é feita manualmente com trabalhadores selecionados tem que rasgar as cartas.
Ainda de acordo com o advogado, “alguns gestores das unidades de distribuição (gerente e supervisor) agem, sob o comando do alto escalão, com divisão de tarefas pré-determinadas”. A atuação pode ser comparada, segundo ele, como uma “associação criminosa dentro da estatal, com a finalidade de enganar os clientes e fraudar o sistema de rastreamento de objetos”.
Sindicato protocola dossiê e faz denúncia-crime
As denúncias do advogado que atua no jurídico do Sintect-MT, consta em um dossiê com mais de 600 páginas resultado de quase cinco anos de investigações nas unidades dos Correios em dezenas de municípios mato-grossense protocolado na Policia Federal em Mato Grosso.
O dossiê revela através de fotos, vídeos e com depoimentos dos trabalhadores ecetistas como a superintendência estadual, gestores estaduais e gerência de operações especiais dos Correios em Mato Grosso decidiram colocar em prática, outra maneira de acelerar o projeto de desmonte da ECT.
O documento fundamenta a notícia-crime feita na Polícia Federal com pedidos de investigação contra gestores dos Correios no Estado de Mato Grosso. O pedido de investigações é do departamento jurídico do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas dos Correios em Mato Groso (Sintect-MT).
O dossiê protocolado na PF explica detalhadamente como nestes últimos anos, milhares de correspondências simples e registradas, telegramas e sedex foram destruídos, rasgadas e descartadas em centenas de sacos e caixas espalhadas nos corredores das unidades da ECT e até em banheiros.
Além das correspondências rasgadas, encomendas “extraviadas”, o dossiê contém denuncias de assédio moral e sexual contra os trabalhadores.
Segundo o advogado, os carteiros que se recusavam a seguir a orientação para colaborar com a fraude sofriam ameaças. Dentre as ameaças, a mais comum é do trabalhador ser prejudicado na avaliação do Gerenciamento de Competências e Resultados (GCR), ferramenta de avaliação utilizada pela empresa para progressão na carreira e participar de Processo Seletivo Interno; ou responder processo administrativo disciplinar (PAD) por indisciplina e insubordinação, passível de demissão por justa causa.
Com a garantia que teriam seus nomes preservados na reportagem, alguns carteiros confirmaram a pressão que sofrem diariamente com relação a inserção de dados. “Estou cansado, já tenho mais de 15 anos de correios e não posso ficar calado, quando for intimado vou contar detalhadamente como eles agem e tem mais se a gente não contar no final vai sobrar pra nós é capaz deles falarem que a gente fazia por própria vontade”, um carteiro de Várzea Grande .
IRREGULARIDADES APONTADAS PELO SINTECT/MT
1ª) destruição de cerca de 600 mil correspondências acumuladas na agência de Campo Novo do Parecis;
2ª) inserção de dados falsos no sistema de informações de movimentação de correspondências, a fim de ocultar entregas não realizadas;
3 ª) incorreta alimentação do sistema de correspondências não entregues diariamente pelos carteiros, simulando o resultado “resto zero”;
4 º) fraudes no serviço de entrega de telegramas, que não estaria sendo desempenhado;
5 º) ausência de entrega ao remetente dos comprovantes de entrega de correspondência (aviso de recebimento). |
Movimentação da noticia-crime na PF
Depois de analisar toda documentação, a Corregedoria Regional da Policia Federal em Mato Grosso remeteu cópias para o Ministério Público Federal (MPF); e solicitou o envio para à Presidência dos Correios, para conhecimento e providências julgadas cabíveis.
Para o MPF “o fato de a representação expor a ocorrência de fraudes – tais como a inserção de dados falsos no sistema informatizado da EBCT e a omissão na prestação de serviços contratados (telegrama e entrega de ARs) – com o intuito de mascarar a produtividade e a necessidade de reposição do quadro de pessoal e por se tratar de empresa pública federal, que presta serviços em todo o território brasileiro, a questão ganha contornos nacionais, demandando pesquisa de correlação com feitos em tramite em outras unidades do MPF”.
O procurador Gustavo Nogami, que assina o despacho determinou dentre outras medidas que o “Núcleo de Tutela Coletiva da PR/MT realize pesquisa de correlação nacional sobre investigações envolvendo possíveis fraudes perpetradas por funcionários da própria Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em seus serviços, bem como sobre apurações envolvendo suposto déficit de pessoal na empresa pública, além de ausência de contratação de novos quadros mediante concurso público e prejuízos decorrentes da referida escassez”.
O outro lado: a direção dos Correios não responde aos questionamentos da imprensa e se atém a dizer através de sua assessoria que só se manifestará “em juízo”.
Confira aqui a primeira matéria:
Carteira dos Correios de Mato Grosso denuncia assédio sexual
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