O Brasil é um país que tem 11.413 favelas urbanas onde vivem cerca de 16 milhões de pessoas em territórios altamente densos. Nos últimos 12 anos essa população aumentou 40% sem que a vida desses brasileiros melhorasse principalmente em educação, saúde e saneamento.
Nesses locais a violência é constante e as ameaças que rondam as salas de aula estão entre os fatores que explicam os péssimos resultados acadêmicos da população infanto-juvenil. As ocupações diárias de militares e de civis armados trazem consequências desastrosas para o desenvolvimento da nação no presente e no futuro.
O Complexo da Maré onde trabalho, tem 140.000 habitantes com 37.000 crianças e adolescentes matriculadas nas escolas públicas do ensino fundamental. Em 2024 já aconteceram 26 operações policiais no território com escolas fechadas num total de quase dois meses se contarmos com as faltas de luz e de água. O Brasil em certos aspectos não muda.
No final da década de 50 em São Paulo, a catadora de papelão Carolina de Jesus descreveu o retrato cru da vida cotidiano e sobretudo a luta pela sobrevivência na favela do Canindé. Além disso fez uma análise das consequências das privações materiais e culturais dos moradores e as futuras gerações.
Estamos em 2024 e a violência contra o povo periférico continua com a mesma falta de políticas públicas e do absoluto vácuo de políticas de segurança estaduais e federal. A grande maioria das favelas brasileiras são tomadas pelo narcotráfico e no Rio de Janeiro também por milícias numa guerra que só se avoluma cada dia.
O que caracteriza essas populações são o sobressalto e o desespero contínuo que lhes impede de ter seu ir e vir assegurado. Todos sabem que correm risco de vida e serem atingidos por tiros de fuzil cada vez que saem de casa. Esse medo tem provocado um aumento enorme da deterioração da saúde mental de todos e principalmente de crianças e adolescentes que são violentados todos os dias nos seus direitos básicos.
Na educação, os dados recentes demonstram que 44% das crianças não aprenderam a ler e escrever no 2º ano do ensino fundamental. No Rio de Janeiro, as piores notas do IDEB foram em escolas nas áreas conflagradas.
A violência diária provoca consequências graves no desenvolvimento corporal, emocional e cognitivo desses alunos. E desencadeia fatores traumáticos extremos como os que causam dano à própria vida e rupturas mentais.
O que fazer? Prevenir seria o primeiro passo ao reconhecer que essa violência precisa ser interrompida com ações imediatas do poder público como reprimir as drogas e as armas antes de chegarem a esses territórios. Só assim poderemos recuperar o afeto perdido, o fim do medo e pautar uma relação de comunicação e diálogo entre governos.
(*) Por Yvonne Bezerra de Mello, filóloga, mestre em Políticas Públicas, fundadora do Projeto Uerê no Complexo da Maré.