Ausência de oposição e guerra da Ucrânia dão o tom do cenário político na Rússia
As eleições presidenciais russas começam oficialmente em todo o país nesta sexta-feira (15/03) e vão até domingo (17/03). A expectativa é que a votação aconteça sem surpresas e garanta mais um mandato de seis anos para o presidente russo, Vladimir Putin.
No entanto, apesar do aparente marasmo em termos de disputa eleitoral, o contexto da guerra da Ucrânia e a a ausência de uma oposição concreta nas cédulas eleitorais ajudam a pintar um quadro da realidade política na Rússia.
A votação no país contém algumas particularidades este ano, sobretudo no atual cenário político. As regiões anexadas do leste da Ucrânia – Donetsk, Lugansk, Zaporozhye e Kherson – participam das eleições pela primeira vez como partes integrantes da Federação Russa, apesar de algumas destas áreas não estarem sob total controle de Moscou, havendo contínuas disputas entre as forças russas e ucranianas.
Nesses territórios, a votação foi antecipada para o final de fevereiro em Zaporozhye e Kherson, e no começo desta semana em Donetsk e Lugansk. O mesmo ocorreu em regiões remotas do país. No total, mais de 1,5 milhão de pessoas já votaram.
Além da antecipação do pleito, as eleições acontecem de forma híbrida, presencialmente e online. Nas zonas eleitorais, o voto acontece em cédulas de papel e os resultados preliminares da votação serão anunciados na manhã de 18 de março. A Comissão Eleitoral Central começará a divulgar seus primeiros resultados a partir das 21h (horário de Moscou, 15h de Brasília) de domingo (17/03).
O contexto da guerra na Ucrânia exerce um papel crucial nestas eleições. Por um lado, o conflito reforçou a retórica anti-Ocidente do Kremlin e a campanha da administração presidencial buscou destacar o sentimento nacionalista para apoio às ações de Vladimir Putin. Pelo mesmo motivo, houve um aumento de pressão sobre vozes da oposição. As únicas potenciais candidaturas que se colocaram diretamente contra a guerra na Ucrânia e adotaram uma plataforma abertamente anti-Putin – Boris Nadezhdin e Ekaterina Dunstova – foram rejeitadas pela Comissão Eleitoral Central.
Desta forma, as eleições estão sendo encaradas mais como um protocolo de confirmação da autoridade de Putin. Nenhum dos atuais candidatos representa uma oposição de fato ao governo e sequer é capaz de ameaçar chegar ao segundo turno. Os “concorrentes” de Putin não fazem nenhuma crítica contundente ao governo e, em linha geral, defendem a “operação militar especial” na Ucrânia.
A permanência do conflito ucraniano impele o Kremlin a demonstrar que há normalidade e estabilidade política no país, e, sobretudo, confirmar um alto índice de aprovação de Vladimir Putin. Outros três candidatos disputam o cargo: Vladislav Davankov, do Partido Novo Povo, Leonid Slutsky, do Partido Liberal Democrata, e Nikolai Kharitonov, do Partido Comunista. Apenas Davankov, político mais jovem e de um partido novo, adota um tom mais moderado em relação à guerra, defendendo negociações para resolver o conflito, mas destacando que essas negociações deveriam acontecer “sob as condições da Rússia”.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Rússia (Vtsiom), divulgada na última segunda-feira (11/03), Vladimir Putin tem 82% das intenções de voto. Nikolai Kharitonov e Vadislav Davankov têm 6% e Leonid Slutsky, 5%. Considerando que a votação na Rússia é facultativa, a expectativa é de que 71% da população compareça à votação, segundo a pesquisa do Vtsiom.
A posição menos beligerante de Vladislav Davankov tem gerado certo apoio, como forma de “voto crítico”, por parte de figuras oposicionistas a Putin – acadêmicos, jornalistas, políticos exilados, etc. Isso pode tirar do Partido Comunista da Federação da Rússia o seu tradicional posto de segundo lugar nas eleições presidenciais.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o doutor em Ciência Política pela Universidade Estatal de Moscou, Stanislav Byshok, afirma que estas nuances geram certa imprevisibilidade, mesmo que muito limitada. Ele destaca, no entanto, que o que toma conta das discussões oficiais sobre as eleições é de quem pode assumir o segundo lugar na disputa.
“Podem acontecer algumas coisas que agora não podemos prever, mas em geral a discussão que toma conta entre os especialistas, digamos assim, mais pró-Putin ou mais alinhados [ao governo], é na realidade de quem vai conquistar o segundo lugar, e se Davankov seria capaz de ficar em segundo. Apesar de que esse segundo lugar não significa segundo turno, pois, segundo as pesquisas, Putin tem entre 70 e 80%. Ou seja, um segundo turno não é possível”, analisa.
A ausência de uma disputa real nas eleições da Rússia se reflete nas ruas das cidades do país. O material de campanha política espalhado pelas cidades quase não é visto, seja do presidente Putin ou dos outros candidatos.
É curioso notar que a restrita presença de propaganda política nas ruas dos candidatos que competem com o presidente russo mostram os seus rostos em destaque, como de costume em convencionais campanhas políticas. Já os outdoors e cartazes dedicados a Putin basicamente reafirmam o slogan “Putin – 2024”, mas sem mostrar o presidente russo em si, tendo como foto da campanha algum cartão postal da Rússia.
Para o cientista político Stanislav Byshok, este cenário eleitoral e político na Rússia pode ser encarado como um processo de grande “despolitização” da sociedade como um todo. Segundo ele, na Rússia, a sociedade é “conscientemente despolitizada em relação ao governo”.
“E o que é essa despolitização? É quando você considera que o seu voto, ou o não voto, não faz diferença em nada. Você pode até estar insatisfeito com Vladimir Putin, mas, ao mesmo tempo, votar nele, e não entender que aqui existe qualquer contradição. Você pode ser contra a guerra, mas achar que a guerra e Vladimir Putin não tem nenhuma relação, que isso ‘aconteceu com a gente’. Ou seja, como se as ações dos políticos não influenciassem na realidade política”, argumenta.
Outra particularidade destas eleições é que elas acontecem após o referendo que alterou a constituição do país em 2020. De acordo com a constituição vigente até então, Putin se despediria da presidência após cumprir dois mandatos consecutivos – depois de cumprir outros dois mandatos entre 2000 e 2008, alternando com o cargo de primeiro-ministro entre 2009 e 2012.
Agora, com a atual constituição alterada por referendo e com a vitória tida como certa, Putin deve assumir o seu quinto mandato como presidente da Rússia. Na prática, ele ainda tem direito se reeleger nas eleições seguintes, podendo ficar no poder até 2036.
(*) Por Serguei Monin, Brasil de Fato