A menos de um mês para o primeiro turno das eleições municipais, as candidaturas de esquerda em Fortaleza têm na ponta da língua a resposta sobre o principal desafio do pleito de 2020 na quinta maior cidade do país: derrotar o bolsonarismo. Ao menos no primeiro turno, PT, PSOL, PCdoB, PDT e a sigla novata UP (Unidade Popular pelo Socialismo) marcham cada um com seu postulante ao Paço Municipal, ou seja, sem coligações que poderiam constituir uma frente ampla contra o autoritarismo.
Para a cientista política Carla Michele Quaresma, as esquerdas têm alguns desafios complexos e, principalmente, no período eleitoral, urgentes, porque pleito municipal ajuda na construção de uma base política para as eleições gerais. “E um desses desafios está na busca de uma mínima unanimidade, numa agenda comum entre partidos que componham esse espectro político e dentro do próprio partido”, avalia.
Quaresma destaca que o PT, por exemplo, “apresenta um racha muito grande” em Fortaleza, notório pelo fato de ter uma candidata a Prefeita, que não conta com o apoio do governador do estado, Camilo Santana, que é do mesmo partido. “Esse é um problema muito sério porque a imagem que se tem desse quadro é de que nem os próprios membros do partido conseguem construir essa base sólida”, afirma.
A cientista política chama atenção para um outro ponto desafiador para as esquerdas, e que precisa ser nacionalizado: “elas precisam propagar com muita objetividade a ideia do antibolsonarismo”. Isso precisa ser feito, na avaliação de Quaresma, de maneira articulada entre todos os estados da Federação, já nessas eleições, a partir de um discurso fortalecido pela ideia de que existe um projeto político diferente para o que está posto nacionalmente.
Colocando-se claramente como via oposta ao Governo Bolsonaro, a candidata Luizianne Lins, a mais bem colocada entre os partidos de esquerda nas pesquisas de intenção de votos, tem a experiência a seu favor: já foi prefeita de Fortaleza por oito anos (gestões 2005 e 2012). A jornalista e professora universitária ficou conhecida pelas ações em prol das populações da periferia, tendo realizado, principalmente, projetos de regularização fundiária, em bairros localizados na orla da área oeste da capital, com uma iniciativa denominada Vila do Mar. É reconhecida sua luta contra a especulação imobiliária.
Em seu segundo mandato de deputada federal, Lins foi a terceira mais votada do Ceará em 2018. Em todas as eleições proporcionais que disputou – já foi vereadora de Fortaleza e deputada estadual -, foi a mulher que mais conquistou votos. Para o pleito atual, tem sido a candidatura do PT com mais possibilidades de vitória entre as capitais em que o partido lançou nome para a disputa majoritária.
A chapa pura do PT em Fortaleza, no entanto, além do pouco tempo de televisão para Lins, evidenciou a dificuldade de o partido sair novamente em aliança com o PDT, partido do atual prefeito da cidade, Roberto Cláudio, reeleito e bem avaliado pelos fortalezenses, mas cujo nome escolhido para a sucessão ainda não emplacou, o deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa, José Sarto. A rivalidade entre a Lôra, como a candidata petista é conhecida, e os irmãos Ciro e Cid Gomes é histórica e aflora em cada disputa eleitoral.
No pleito marcado pela Covid-19, Luizianne Lins já fala em ações pós-pandemia. “O desafio da esquerda é conseguir consolidar uma frente antibolsonarista e a gente quer ser uma referência no Brasil. Para isso, vamos fazer uma política de distribuição de renda, de geração de emprego, cooperativismo, valorização das frentes de trabalho, frentes da economia criativa”, afirma Lins, em entrevista ao Brasil Popular. “Pensamos imediatamente no Plano Emergencial de Recuperação da Economia Local. Nós vamos ter que nos reinventar e encontrar soluções criativas para sair da crise”, reforça.
O candidato do PSOL, Renato Roseno, admite que não permitir o avanço do autoritarismo é a maior tarefa das esquerdas, mesmo que cada partido do campo político saia com candidaturas próprias. Advogado e servidor público, o psolista é deputado estadual e figura em sexto na preferência do eleitorado (segundo o Ibope), mas o partido lançou nomes conhecidos da população e está empenhado em conquistar vagas na Câmara Municipal de Fortaleza.
Em sua terceira disputa ao Paço Municipal, Roseno afirma que quer estabelecer um projeto de cidade mais igualitário, que aloque recursos na distribuição da riqueza e na proteção social e ambiental. “Queremos uma cidade com renda básica, prevenção social à violência, direito à moradia e valorização do meio ambiente. Acreditamos que a cidade pode ser pensada, cotidianamente, por sua gente, não pelo mercado. Por isso, vamos viabilizar com urgência um programa de renda básica para a população em situação de extrema pobreza, com a reconversão de empregos precários para papéis sociais fundamentais no combate à crise sanitária, econômica, humanitária e ambiental que vivemos” defende.
Estreante na eleição, a candidata da UP, Paula Colares, faz coro aos demais: “nosso principal desafio é combater o avanço do fascismo na nossa cidade. Dessa forma, precisamos derrotar o atual presidente fascista, Bolsonaro, e os seus candidatos. Para isso, é necessário fortalecer a luta dos movimentos sociais e propagar a luta pelo poder popular e pelo socialismo”. A UP elaborou uma plataforma política com 81 páginas, centrada nas principais questões urbanas, como moradia, saúde e assistência social, educação e lazer, transporte e meio ambiente.
A UP, segundo Colares, nasceu nas periferias, escolas, fábricas e universidades. “Somos um partido pobre, construído por trabalhadoras e trabalhadores. Defendemos o Brasil para os que trabalham”, pontua. “Acreditamos que apenas com organização e luta, poderemos resolver nossos graves problemas sociais. Temos plena convicção na força do povo, como prova nossa história de lutas e resistências” acrescenta a candidata, que é graduada em Pedagogia e atua como professora substituta da rede municipal da Capital cearense.
Os programas de governo do PT, PSOL e UP convergem, em grande medida, para o que a cientista política considera também tarefa das esquerdas: a apresentação de uma agenda que proponha um estado amplo, com medidas de intervenção estatal para fazer frente ao desemprego crescente e à incapacidade do governo federal de lidar com problemas como o controle da pandemia. “É essa busca de construção de uma agenda de um estado amplo, mais provedor, que intervenha de maneira mais incisiva na economia e na sociedade”, completa Quaresma.
Nesse ponto, é possível que todos os partidos do campo da esquerda se unam para enfrentar o candidato de Bolsonaro, Capitão Wagner (PROS). O Ex-policial militar vem caindo na preferência do eleitorado e, ultimamente, negando que seja o nome do presidente da República. Talvez porque na Capital cearense, o ex-capitão do Exército tenha a quarta pior aprovação do país. Segundo o Ibope, apenas 26% avaliam o governo federal como “ótimo/bom”, ao passo em que 47% o acham regular/péssimo.
Contactado, por meio de sua assessoria de imprensa o candidato José Sarto (PDT) não respondeu as perguntas até o fechamento da matéria. A reportagem não conseguiu falar com o candidato Anízio Melo (PCdoB).