Explorando a interseção de energia, comunicação e poder, o ensaio propõe reflexões sobre governanças, visando o futuro do Brasil
Iniciando esta série, em 19 de dezembro de 2023, perguntávamos: o que significa governar? E nos propúnhamos a refletir, tendo por base a história, como tirar o Brasil da crise que nos acomete desde quando aceitamos as finanças neoliberais como recurso para retirar os militares do poder, em 1980, ou seja, na sucessão do presidente Ernesto Geisel.
Pelo período, que hoje se encerra, percorremos criticamente a China Confuciana, as primeiras manifestações no Egito e na Mesopotâmia, e o mundo ocidental, de Roma ao neoliberalismo do Consenso de Washington. Arriscamos entender a África, por séculos um continente dominado por terceiros, que busca sua expressão de independência mais uma vez.
Todavia, para que todos estes exemplos nos servem hoje, na terceira década do século 21? Com o mundo dominado pelo medo de guerra, que pode eliminar a vida civilizada, com o retrocesso das transições energéticas e do domínio oligárquico da informação cibernética?
O gênio Darcy Ribeiro, esperançoso, via na revolução termonuclear o caminho da independência e da vida harmoniosa em nível planetário.
O Brasil, abundante em recursos naturais, proporciona gama sortida de fontes energéticas: as quedas d’água, as marés, os ventos, a luz solar, a biomassa, a termonuclear, além das imensas jazidas do pré-sal. Energia é trabalho, trabalho é riqueza, e riqueza é soberania. Nada falta ao Brasil, em termos materiais, para sermos soberanos.
Porém, o devido aproveitamento dos nossos dotes naturais passa pela consciência das nossas potencialidades – questão de comunicação – e pela vontade de realizá-las – questão de poder. Energia, comunicação e poder, eis a tríade sobre a qual realizaremos o sonho do Brasil Potência.
Desenvolveremos esses três temas para conclusão do leitor arguto e bem informado do Monitor Mercantil.
A energia
Pode-se entender a história do homem na Terra pela apropriação das energias. Quanto mais sofisticada e maior a quantidade de energia disponível, mais complexa e rica será a sociedade. Compare o homem coletor caçador, que viveu há mais de 30 mil anos, e só tinha a força das pernas e braços, e a China de hoje, que já produziu, em laboratório, a energia da fusão nuclear, o que significa ter criado, ainda que por poucos minutos, um sol.
Apropriar-se das energias mais possantes é não só ter maior bem-estar, mas igualmente mais poder para a sociedade.
No passado, as energias disponíveis eram a solar, a eólica, a dos rios e do fogo, a mais antiga. Desde a Revolução Industrial, o mundo conheceu o maior e mais rápido desenvolvimento, que se deveu às energias fósseis: o carvão mineral e o petróleo.
Sintetizando, temos hoje as energias hídrica, fóssil, atômica e da biomassa. Sendo o petróleo a mais versátil, barata e permanente, mas que concorre com o próprio petróleo como insumo industrial para infinidade de produtos.
Analisemos, separadamente, o petróleo como fonte primária de energia e como insumo industrial. Ele está distribuído irregularmente pelo planeta, formando quatro polos. O mais abundante está no Oriente Médio tendo, em 2020, reservas da ordem de 836 bilhões de barris, ao qual seguia a América Latina, 330 bilhões, a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), 146 bilhões, e a África, 125 bilhões.
Algumas informações divulgadas por revistas e instituições que tratam do petróleo cometem o erro de somar reservas de petróleo com as dos folhelhos ou areias betuminosas, que não apenas se encontram diferentemente do petróleo na natureza, como são extraídos por processos também diferentes.
Fora destes polos, poder-se-ia citar a China, com 26 bilhões de barris de reservas, a Noruega, com 8, e a Índia, com 4,5 bilhões de barris.
Esta concentração fora do domínio anglo-estadunidense ou, ainda mais, da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos da América (EUA), provoca uma situação diferente das Revoluções Industriais, no que se refere à concentração de poder político, econômico e militar.
Ainda no campo da energia, um barril de petróleo contém 1.700 KWh. E de energia que pode ser estocada e fornecida independentemente das condições de tempo e clima. E pode ser transportado quer na forma líquida quer gasosa com facilidade. Daí sua importância para a sociedade consumidora de grandes quantidades de energia como a industrial urbana.
As farsas da transição energética nada mais representam do que a luta pelo controle do petróleo, altamente concentrado no mundo, como demonstramos.
Cabe desenvolver a biomassa, no campo da energia. Ela também precisa do petróleo como fertilizante e como provedor de equipamentos. Mas pode trazer a descentralização da produção de energia que atende a áreas de vocação agrícola diversificada, pois são diversos insumos que produzem a biomassa.
O diplomata e economista Adriano Benayon (Brasil de Fato, janeiro de 2008) afirmou que “não é o uso da biomassa para gerar energia que agravará a fome, mas o modelo econômico concentrador”. Realmente, a grande vantagem da biomassa está na dispersão de produção de energia por pequenas propriedades, favorecendo, mais do que impedindo, a distribuição de renda.
No Brasil, o sucesso inicial do Pró-Álcool foi derrotado pela invasão estrangeira na produção e comercialização do etanol, tirando as possibilidades de “Empresas Brasileiras de Agroenergia”, como propusera José Walter Bautista Vidal, principal responsável pela implantação do Pró-Álcool, como secretário de Tecnologia Industrial no governo do presidente Geisel.
O petróleo como insumo industrial tem imensa gama de produtos: para indústria farmacêutica, para solventes, tintas e vernizes, para detergentes, fibras sintéticas, fertilizante, borracha, plásticos de uso na construção civil, em equipamentos industriais e de transporte etc. E durante muitas décadas ainda não encontrará competidor em diversidade de usos, facilidade de manuseio e custo.
Uma residência de classe média no Rio de Janeiro e São Paulo consome em torno de 350 KWh, ou seja, pouco mais do que 20% de um barril de petróleo. O preço do KWh, fornecida pelas empresas privadas de distribuição de energia, está em torno de R$ 1,30. Um barril está por US$ 80, logo o custo da energia deveria ser, para a residência escolhida, US$ 16. Porém as concessionárias cobram cerca de US$ 90, ou seja, mais do que um barril de petróleo para fornecer 20% da energia nele contida.
Não se trata apenas da fome de lucro destas empresas, mas as energias de outras fontes, que não o petróleo, não são permanentes, ou não permitem estocagem, ou exigem mais altos investimentos no transporte e distribuição. E, de algum modo, usam também petróleo…
A comunicação
Pathé Diagne, linguista, historiador e político senegalês escreveu: “A história visa ao conhecimento do passado. A linguística é a ciência da linguagem e da fala. A narrativa e a obra histórica são conteúdos e formas de pensamento. A língua é, em si mesma, o lugar desse pensamento” (“História e Linguística”, em História Geral da África I. Metodologia e pré-história da África, Unesco, 1980).
Antes de identificar as etnias, os antropólogos identificaram os falares. O mapa dos falares africanos permitiu identificar o caminhar dos primeiros homens pelo continente, donde se concluiu a dispersão inicial pela faixa de terra que parte do chifre da África, entre a zona de deserto e do Sahel, ao norte, e a floresta, ao sul, até encontrar as bacias dos rios Níger e Senegal, quase na costa do Atlântico.
Porém a comunicação passou pela revolução da Teoria Matemática da Comunicação (Claude Shannon, 1948), e os textos e falares passaram a ter tratamento digital, passo seguro e definitivo para a comunicação virtual. Embora a comunicação virtual tenha começado com a invenção do telefone, foi o advento das câmaras, das redes de informações e outros recursos para comunicações instantâneas que tornaram a comunicação virtual o grande sucesso de hoje.
O processamento digital, buscando a economia dos signos levou à construção de linguagens que depauperaram os idiomas, os empobrecendo, inclusive o inglês, que foi o mais utilizado. Esta alteração da comunicação teve grave influência no modo de pensar e agir.
Os vagidos pré-natais e dos primeiros dias da criança apenas mostram o desconforto pelas cólicas, pela fome, pela necessidade de trocar de roupas ou de ambiente. Paul Chauchard (Le langage et la pensée, 1956) discorre sobre um “processo inato” de acrescentar aos vagidos uma linguagem que poderá satisfazer ao círculo que cerca o bebê. E este médico e cientista francês afirma ser o começo para o domínio das linguagens.
Ora, os nascidos nesta era digital necessitarão conhecer a linguagem dos notebooks, dos celulares, das redes de relacionamento, sem a qual estarão limitando seu círculo de contatos, demonstrando uma contemporaneidade não coetânea.
Investir no controle das mídias deixou de ser uma necessidade de marketing para se transformar no controle da própria sociedade. Não é por acaso que as pessoas que surgem como as mais ricas, nas informações socioeconômicas, são as proprietárias de linguagens e de sistemas de comunicação digital.
Tão importante quanto dominar, há poucas décadas, línguas estrangeiras, é ter competência no uso dos recursos fornecidos pela Microsoft, empresa cujo principal acionista é o bilionário William Henry “Bill” Gates III. O mesmo diz respeito aos aplicativos que desconhecem fronteiras nacionais e estão no cotidiano de todos, como o Uber, o Instagram, o iFood.
E não estamos tratando das desinformações de interesse político, ideológico, religioso. Não seria minimamente razoável alguém se declarar, há mais de 20 anos, “sionista cristão”. Soa, para nós, como declarar-se “gordo magro”, ou “alto baixo”.
Sionista é o adepto do movimento político religioso que defende a autodeterminação do povo judeu e a existência do Estado nacional judaico, independente e soberano no território onde teria existido o antigo Reino de Sião. Sem levar em consideração as populações que também historicamente ocupam aquele território. Cristão é a pessoa que crê e vive de acordo com as mensagens de Cristo, que podem ser resumidas em “não faça aos outros o que não deseja para si”, ou “amai-vos uns aos outros”.
O domínio da comunicação passou a ser um bem tão valioso quanto o domínio da principal fonte de energia.
O poder
O poder surge, historicamente, pela força ou pela riqueza. Ao tratarmos da governança romana, assinalamos a excepcionalidade da lei, como poder, e da múltipla origem étnica na cidadania. Porém a ideologia religiosa demoliu esta construção societária.
Ao se desenvolver, as sociedades vão criando modelos mais sutis de governança, para que poucos a exerçam efetivamente. Veja a situação atual do Brasil. Tende-se a demonstrar a existência de diversos grupos disputando o poder. Na realidade, eles apenas disputam a possibilidade de servir ao único e verdadeiro poder, que tomou a civilização ocidental desde 1980: o financeiro neoliberal.
Urge, pois, o adequado planejamento estratégico da Energia, da Comunicação e do Poder para colocar a governança à persecução dos objetivos nacionais permanentes, quais sejam, a soberania, o desenvolvimento e a justiça social.
Não há “livre-mercado” quando se lida com os recursos vitais das coletividades: se o Estado Nacional não planejá-los em benefício da Pátria, as finanças transnacionais o farão em proveito próprio. Somente o Estado nacional é capaz de representar e resguardar a soberania, ainda mais em tempos de acirramento da competição entre impérios e civilizações, como hoje.
Eis, portanto, a necessidade de sistema de governança verdadeiramente nacional, para que, a despeito das vicissitudes históricas, o Brasil seja sempre dos brasileiros.
(*) Por Felipe Maruf Quintas, doutor em ciência política; e Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.