O Ministério do Meio Ambiente segue com a estratégia de passar a boiada em tempos de pandemia. Com o apoio do Governo de Minas, lançou o Edital de Chamada Pública nº 001/21 em 17.05.2021, para seleção de projetos para uma suposta “melhoria da gestão de resíduos sólidos a serem executados por Consórcios Públicos” no Estado. O edital é parte do Programa Lixão Zero do Ministério e prevê investimento de R$100 milhões provenientes de acordo de multa ambiental firmado entre a Vale e o IBAMA.
Apresentado como solução para o grave problema ambiental e social decorrente de centenas de lixões existentes em municípios mineiros, o edital atropela a legislação vigente, federal e estadual, e coloca em risco o trabalho dos catadores, a coleta seletiva e as metas para a reciclagem. A proposta é financiar a implantação de unidades de triagem mecanizada de resíduos oriundos da coleta convencional (sem separação na fonte) com a produção de combustível derivado de resíduos urbanos (CDRU), sem considerar o interesse público e a viabilidade técnico-econômica para os consórcios.
Assim, impõe a implantação de tecnologia de incineração dos resíduos, que destrói matérias primas e compromete o trabalho de recuperação de recicláveis realizado há décadas pelos catadores. Os recursos públicos irão para a iniciativa privada, e os consórcios serão responsáveis por operar as unidades e por encerrar os lixões nos municípios. Não por acaso, o edital foi lançado na FIEMG, sem representação dos municípios, o que foi objeto de crítica pelo presidente da Associação Mineira de Municípios – AMM (veja aqui).
Foram produzidas duas notas técnicas contestando o Edital: uma pela ABES/MG – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental e outra pelo ORIS – Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária e MNCR – Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. As notas podem ser acessadas neste link e apresentam argumentos técnicos demonstrando graves problemas e violações e por isso orientam a suspensão imediata do edital para adequações.
O edital é parte de um plano nacional para promover a queima substancial de resíduos do Brasil. Segundo matéria recente do portal Click Petróleo e Gás, gigantes multinacionais do setor se uniram à Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN) para alavancar a incineração no País, enquanto a União Europeia corta apoio para essas tecnologias (veja aqui).
Há dois anos, a ABREN vem fazendo forte pressão no governo federal para desenvolver o mercado de recuperação energética de resíduos. O lobby é tão escancarado que o texto base do PL 513/2020, que adultera a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para facilitar e conceder incentivos à incineração, é de autoria do presidente da ABREN, o advogado Yuri Schmitke.
Assim, visando proteger o interesse público, conclamamos a sociedade mineira e brasileira para denunciar essas ações e exigir a suspensão do edital para adequações.
(*) Marcelo Alves de Souza – engenheiro de produção, pesquisador do Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária (ORIS) e doutorando em Engenharia de Produção
(**) Fátima Abreu – engenheira civil/sanitarista, com mestrado em Promoção da Saúde, especialista em gestão de resíduos sólidos.
Ambos participam do “Minas Gerais Contra a Incineração”, iniciativa que integra o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e mais de 100 outras entidades em apoio à causa.