A espionagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi tema recorrente de jornais e revistas dos últimos dias. Assessores, ambientalistas, acadêmicos fizeram parte de uma lista de monitorados durante o governo Jair Bolsonaro (PL), que utilizou a ferramenta FirstMile, da empresa israelense Cognyte, para viabilizar e possibilitar o rastreamento do paradeiro de pessoas a partir de dados de seus celulares. Mas o que pouco se fala é que a arapongagem da Abin ameaça também o direito de trabalhadores comuns.
Reajuste salarial, melhores condições de trabalho, escola pública de qualidade, hospitais em funcionamento, combate ao assédio moral no ambiente laboral e uma série de outros direitos da classe trabalhadora são garantidos, sobretudo, pelos sindicatos classistas. A atuação dessas organizações exige estratégias, estudos e análises que, quando colocadas em prática, podem ir na contramão do que agrada governos e aliados.
“Quem pode garantir que lideranças sindicais também não foram espionadas nessa ação da Abin de Bolsonaro? Diante disso, quantas ações nossas foram inviabilizadas, quantas vidas foram colocadas em risco, como estimar o prejuízo disso para a classe trabalhadora?”, questiona o presidente da Central Única dos Trabalhadores do DF (CUT), Rodrigo Rodrigues.
Ele explica que o método de Bolsonaro, bem como o aplicado na ditadura militar no Brasil, é de vigília ostensiva. “Vimos que, de fato, naquele momento, o Estado brasileiro não garantiu a liberdade para se manifestar, para questionar o que não estava bom. E quem ousasse, ainda que não tivesse ciência disso, corria perigo. Foi o caso das lideranças sindicais e até mesmo da base atuante dessas organizações.”
Para o presidente da CUT, embora o Brasil esteja agora em um outro contexto político, que visa à segurança das liberdades, “é essencial que se crie instrumentos que coíbam e punam qualquer tipo de espionagem ilegal”.
“Hoje temos um governo progressista. Mas ninguém pode garantir que esse seja o único cenário garantido ao longo do tempo. Além disso, não se pode ter certeza de que ferramentas como a FirstMile não sejam utilizadas por outros setores da sociedade, como o patronal, por exemplo”, analisa.
Prejuízo para o povo
O coordenador geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Admirson Medeiros, o Greg, afirma que “para que haja democracia, é imprescindível que todos os cidadãos tenham acesso pleno à informação e condições de participar do debate público”. Entretanto, a perseguição a jornalistas foi uma das marcas do governo Bolsonaro.
O jornalista Leandro Demori foi um dos monitorados pela Abin, em 2019. Nesse período em atuação no portal The Intercept, Demori escancarou o esquema conhecido como Vaza Jato, que revelou conversas realizadas pelo aplicativo Telegram entre o então juiz, hoje senador, Sergio Moro, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, o então promotor DeltanDallagnol e outros integrantes da Operação Lava Jato.
“O caso mostra que, no governo Bolsonaro, o Estado Brasileiro estava atento também ao que chegava de informação à população brasileira. E é claro que o objetivo era coibir – e aí podemos pensar em uma milhão de maneiras – a veiculação de conteúdos de interesse público, mas contrários ao governo”, avalia Greg.
Ele ainda aponta que diversos outros jornalistas, principalmente os de veículos de comunicação com linha editorial progressista, também podem ter sido alvo da arapongagem da Abin. Assim como o presidente da CUT, Rodrigo Rodrigues, Greg alerta sobre a importância de coibir, de uma vez por todas, a existência de um Estado que combataliberdades. “No fim das contas, em um Estado que realiza espionagem ilegal, quem sai prejudicada é a classe trabalhadora, é a sociedade, que não pode saber e nem falar.”
O coordenador geral do FNDC informa que a executiva do Fórum avalia entrar comoAmicusCuriae (uma forma de adesão a ação judicial) na ação impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a divulgação dos nomes dos jornalistas que foram espionados ilegalmente pela Abin. A iniciativa é do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), junto com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Segundo a Fenaj, “entre os objetivos do pedido de divulgação dos nomes dos profissionais de comunicação que foram espionados, estão também poder compreender por quais motivos eles foram ilegalmente espionados e qual era o objetivo das pessoas envolvidas nessa arapongagem”.