Levantamento avaliou diferentes indicadores da atuação internacional do setor de defesa
Os Estados Unidos são o principal destino dos postos e missões militares brasileiras no exterior. Quanto maior as patentes, maior é a fatia dos Estados Unidos como destino dos cursos de militares brasileiros. Os dados são do texto para discussão “O Setor de Defesa Brasileiro no Exterior: Desafios, Oportunidades e Subsídios para a Revisão dos Documentos de Defesa” publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O trabalho é de autoria do técnico de planejamento e pesquisa, Pedro Silva Barros, em parceria com os pesquisadores Paula Macedo Barros e Raphael Camargo Lima. O objetivo do estudo é contribuir com a avaliação da atuação do setor de defesa brasileiro no exterior, por meio de uma análise exploratório das principais missões militares no estrangeiro. O país norte-americano também concentra o maior número de postos de oficiais de ligação e estágios.
Entre os anos de 2020 e 2023, 134 militares brasileiros fizeram cursos nos Estados Unidos. Dentre esses, 97 eram oficiais superiores. O segundo país que mais recebeu militares brasileiros nesse período foi a Suécia, com 63 militares (somente um oficial superior). Há aqui influência do projeto de treinamento relacionado à compra dos caças Gripen. “Houve quase dez vezes mais oficiais superiores em cursos nos Estados Unidos do que em qualquer outro país. Isso é claramente uma dissonância entre o objetivo da política externa brasileira, de autonomia e equidistância entre as principais potencias, e a concentração exacerbada em único parceiro”, afirma Barros.
Os Estados Unidos lideram também o ranking de países em que militares brasileiros realizaram cursos de pós-graduação stricto senso no exterior entre 2020 e 2023, com 27 estudantes militares brasileiros nesse período. Em seguida aparecem Reino Unido (9), Alemanha (5) e Argentina (5). Os Estados Unidos também lideram os levantamentos relacionados aos destinos de militares brasileiros associados a organizações internacionais, comissões de aquisições no exterior e em exercício funcional em instituições de ensino militares. “Há um contraste imenso entre os Estados Unidos, de um lado, e China e Rússia, de outro. Praticamente, não há militares brasileiros fazendo cursos nos países Brics”, diz Barros.
O estudo analisa o cenário, destacando que, embora seja esperado que os Estados Unidos, como uma das maiores potências militares do mundo, atraiam parcela significativa das missões internacionais dos militares brasileiros, a oferta de cursos, estágios e outras atividades internacionais jamais é politicamente neutra. Os pesquisadores ponderam que há interesses de alinhamentos estratégico e doutrinário nessa oferta, que, em última instância, podem ser contrários ao interesse brasileiro.
“Ao concentrar em um único parceiro da forma como verificamos nesse período, perdemos a oportunidade reunir conhecimento sobre países que são importantes no cenário internacional e que estão em espaços de decisão multilaterais, como o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Além disso, caminhamos na contramão das demandas que temos de visão de um mundo cada vez mais complexo, com mais tensões e multipolar”, avalia Barros.
A pesquisa também destaca o papel da Colômbia como destino de militares brasileiros no período de 2020 a 2023, em alguns casos, sendo mais relevante do que a Argentina, um parceiro histórico e tradicional do Brasil na América do Sul. A Colômbia recebeu 10 militares brasileiros no conjunto de instrutores e monitores, ficando atrás apenas dos Estados Unidos neste quesito.
O trabalho usou onze indicadores da atuação internacional do setor de defesa: atos internacionais sobre defesa e assuntos militares; aditâncias, adidos militares e equipes de apoio; cursos, treinamentos e capacitações militares no exterior; pós-graduações no exterior; postos de instrutores e monitores no exterior; funções militares em organizações internacionais; comissões militares especiais de aquisições no exterior; missões técnicas e assessorias militares; funções em instituições de ensino de educação profissional militar; intercâmbios em forças estrangeiras, oficiais de ligação e outros postos relevantes; e funções relacionadas à base industrial de defesa.
Além disso, o estudo traz ainda uma série de recomendações políticas para a atuação internacional do setor de defesa. Pondera a respeito de tópicos como atuação internacional do setor de defesa, entorno estratégico, Junta Interamericana de Defesa, comissões de aquisição e reequilíbrio de poder e multipolaridade. Sobre este último, sugere reequilibrar a atuação internacional do setor de defesa brasileiro, reduzindo o peso relativo dos Estados Unidos, e a busca de oportunidades em outros países de interesse do Brasil, especialmente potências emergentes, em um contexto de multipolaridade e aumento de competição estratégica.