O líder do governo chamou o feito de “devolver ao povo”, que afirmou ser “coproprietário” das receitas do petróleo do país
O Suriname, um país de tamanho reduzido (165.000 km²), o menor da América do Sul, tem uma população de cerca de 632.638 pessoas e guarda, junto ao seu vizinho a oeste, a Guiana — que está em crescimento acelerado, de acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional para 2024 —, enormes reservas de petróleo.
Enquanto a Guiana tem reservas de mais de 10 bilhões de barris, em estimativa de 2022, o Suriname teve, em 2020, sua primeira grande descoberta com potencial de extração na Margem Equatorial — de cerca de 4 bilhões de barris, ou 27% das reservas existentes no Brasil.
Desde então, gigantes do petróleo têm se aproximado da região: a Exxon Mobil, responsável pela descoberta de mais de 30 poços na Margem Equatorial, e que já coordena projetos de exploração petrolífera na Guiana (com planos de extrair 1,5 milhão de barris/dia até 2029); a Royal Dutch Shell; a Apache e outras empresas têm adquirido seus direitos para explorar as reservas do país.
Em vista desses empreendimentos, o governo do Suriname, liderado por Chan Santokhi (do Partido da Reforma Progressista), anunciou, em novembro de 2024, que deve adotar um programa de distribuição dos royalties (remuneração que incide sobre o valor da produção) do petróleo explorado na região.
O “Regalias para Todos”, como foi chamado o programa, deve garantir que cada surinamês receba uma porção dos lucros futuros do petróleo, que podem chegar a cerca de US$ 750 por habitante, de acordo com o governo.
São, portanto, aproximadamente R$ 4.500 por pessoa — com um rendimento que pode atingir 7% ao ano, anunciou Santokhi em discurso dado no Dia da Independência do país. O Suriname, aliás, teve um processo de independência bastante tardio — livrou-se do controle administrativo dos Países Baixos apenas a partir de 1975.
Santokhi chamou o feito de “devolver ao povo”, que é “coproprietário” das receitas do petróleo, e disse que “o futuro não será penhorado”. A iniciativa deve entrar em vigor assim que o bloco 58, uma das áreas de exploração, for liquidado.
A estimativa é que isso ocorra, de fato, apenas a partir de 2028, quando a empresa designada para o projeto, a francesa TotalEnergies, iniciará suas atividades.
Isso desperta suspeita de analistas, já que o programa está diretamente vinculado ao governo atual e, caso haja uma descontinuidade política até os “finalmentes”, quando a exploração der frutos, a distribuição também pode ser afetada.
Outras indefinições se ligam ao potencial de petróleo a ser explorado, que ainda não pôde ser estudado, além de às instabilidades políticas do país, marcado por um cenário de milícias, atravessado por rotas de tráfico de drogas e por atividades de garimpo ilegal.
A parte dos lucros de petróleo destinada à população em forma de transferência direta de renda deve ser, ainda, alocada em relação aos ganhos efetivos do governo em parceria com as empresas, aponta Iuri Cavlak, professor de teoria da história da Unifesp (Universidade federal de São Paulo), em entrevista à Sputnik Brasil.
De acordo com Cavklak, essa espécie de iniciativa sugere que os ganhos oficiais correspondem ao “triplo” ou “quádruplo” da renda compartilhada, e esse compartilhamento se mostra uma “solução imediata” a problemas estruturais de condução política e governança do país, em detrimento de soluções a longo prazo — como seriam os investimentos em infraestrutura, saúde e educação.
O investimento da TotalEnergies, petrolífera francesa que deve iniciar as atividades de extração do bloco 58, foi de pelo menos US$ 10,5 bilhões, um alto custo de entrada — o que pode explicar o “atraso” na exploração de petróleo do país.
Em uma entrevista anterior à AFP, Santokhi já havia afirmado estar ciente de que o Suriname, tal como outros países latino-americanos ricos em reservas energéticas, têm dificuldade de transformar as rendas obtidas com o petróleo em “sucesso econômico” efetivo — a chamada ‘doença holandesa’, termo que define o fenômeno econômico pelo qual receitas massivas com o setor extrativista acabam gerando efeitos negativos em outros setores da economia (como manufaturas e agricultura) e no equilíbrio cambial, e que afetou os Países Baixos e suas extensivas reservas de gás natural ao longo da década de 1960.