Discurso e posse de Donald Trump: geopolítica, energia, comunicação e exclusão social, comparando ao expansionismo romano.
Os habitantes do Lácio, região da Itália Central, origem de Roma, vizinha dos etruscos e sabinos, buscaram poder na miscigenação, antes de partirem para guerra. A história registra este evento como “rapto das sabinas”, porém o que ocorreu foi o intercâmbio sexual e cultural destes povos que tinham no rio Tibre e seus afluentes o supridor de águas para suas existências.
Fortalecidos com a miscigenação, Roma inicia sua expansão militar, cultural, política, que terá sua história como fundadora do mundo ocidental e o Mar Mediterrâneo como “Mare Nostrum”. A presença do latim nos idiomas europeus demonstra a força do poder romano.
A cerimônia de posse de Donald Trump e seus primeiros atos presidenciais mostram que enveredou por caminho inverso dos latinos: a exclusão de não brancos e não bilionários para constituir e usufruir do poder plutocrático, como estabelece a Constituição desde 1787 nos Estados Unidos da América (EUA).
Porém, à semelhança dos latinos, com a pretensão de ocupar o mundo para proveito e engrandecimento dos brancos e bilionários estadunidenses, o Destino Manifesto (1845) foi citado por Trump em seu discurso de posse, dia 20/1/2025.
Buscar-se-á examinar a presença bélica, o que resta do poder econômico e a ocupação territorial que a gestão Trump almeja para seu quadriênio no poder estadunidense. Far-se-ão analogias e serão destacadas as prioritárias conquistas conforme estabelecidas no discurso de posse de Donald Trump.
Um projeto geográfico
O “Mare Nostrum” trumpista será o Oceano Ártico, onde estiveram no passado os povos e cidades italianas, agora estarão representados pela Rússia, e, mais distantes, como antigos gregos e mesopotâmicos, os chineses, a República Popular da China (China).
O estágio em que o planeta Terra se encontra, nesta era interglacial, permite este onírico projeto, pois as geleiras se transformam em oceano/mares, e os novos etruscos já foram apontados por Trump como os canadenses.
Aspecto verdadeiramente importante para consecução do sonho foi a presença e apoio dos “donos” da mídia em sua posse, a começar pelo “ministro” Elon Musk, do Departamento de Eficiência Governamental, a ser criado.
Cabe breve digressão sobre dois pilares nos quais se assentam o Projeto Trump: a comunicação e a energia. Nem há ineditismo nem surpresa, pois estão nestes dois vetores da sociedade do século 21 as mais avançadas tecnologias e as que podem produzir mais um salto, positivo ou regressivo, na civilização humana.
Comunicação
Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon), Tim Cook (Apple), Sundar Pichai (Google), em negociações Zhang Yiming, do TikTok, serão os construtores das verdades de Washington. E toda gama de comunicação dominada nas Américas, na Europa, no Oriente Médio e África ecoarão em suas “fake news”.
Aqui e ali, surgirão raios de luz sobre as realidades. As revoltas dos povos do Sahel contra os colonizadores europeus e estadunidenses são das mais fundadas esperanças.
Porém o mundo estará inundado das mentiras e falácias que, aliadas à privatização da educação (vide os leilões de escolas públicas em São Paulo promovidos pelo governo bolsonarista de Tarcísio Gomes de Freitas), destruirão quaisquer raciocínios mais elaborados.
Os males provocados pela comunicação são mais duradouros e tendem a se reproduzir na medida em que a ignorância se amplia. E esta é, e sempre foi, um projeto do poder.
Veja-se na História do Brasil. Com o breve interregno devido a Benjamin Constant Botelho de Magalhães, ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos (abril de 1890 a outubro de 1891), somente quando presidente do Governo Provisório, Getúlio Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde Pública (14/11/1930), o ensino passou a ser responsabilidade pública e construtor da cidadania. E quanto suas escolas não foram atacadas, seus ministros tiveram que se submeter aos interesses retrógrados, principalmente das escolas católicas.
O caso mais recente está no ataque virulento e irracional que sofreu Leonel Brizola e seus Centros Integrados de Educação Pública (Cieps). Hoje, quando países, ainda de baixo desenvolvimento econômico, como Cuba, Venezuela e Bolívia, são territórios livres do analfabetismo, o Brasil, conforme o Censo 2022, para pessoas de 15 anos ou mais de idade desponta com 7% de analfabetos.
A Comunicação e a Instrução Pública devem ser analisadas conjunta e complementarmente para que se possa medir o verdadeiro alcance da desinformação.
No que se refere à comunicação, aliada à instrução, se Donald Trump tivesse manifestado alguma cultura literária poder-se-ia suscitar ter sido conduzido pela citação de Machado de Assis: “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas” (Quincas Borba 1891). Pois só demonstrou desprezo pelos pobres, humildes, carentes, e tudo que obtiver será destinado a seus pares, os brancos bilionários.
Energia
Energia abre diversos segmentos que afetam intensamente o poder. Vai da apropriação física das fontes primárias à coordenação internacional de vontades numa mesma direção ideológica e no desenvolvimento tecnológico de ponta.
O jornalista Thierry Meyssan, na rede Voltaire (Paris, 21/1/2025), discorre sobre a preparação da direita nazista para controle de organismos internacionais e nacionais como já ocorreu no Chile do Augusto Pinochet (1973-1990) e com a Ucrânia, do Volodymyr Zelensky, cujo mandato presidencial teve início em 20 de maio de 2019 e parece que irá se manter indefinidamente.
Também as perspectivas que governam os EUA de Trump e a China, de Hu Jin Tao e Xi Jin Ping, são radicalmente distintas; a primeira atendendo apenas à plutocracia estadunidense, e a segunda buscando no comércio multipolar o bem-estar possível para todas nações.
Trump pretende recolocar a industrialização como alavanca do progresso estadunidense, o que é sem dúvida um projeto louvável, se comparado com o que as finanças fizeram, com os EUA e o mundo ocidental, nestes últimos 45 anos.
Atualmente, energia mais eficiente e barata para indústria é a do petróleo, e Trump, ao sair do Acordo climático de Paris, de 2015, demonstrou que sua industrialização será para valer, com todos os ônus e bônus que comporte.
Certamente Trump recorda os dois períodos em que os EUA foram mais exitosos: após a descoberta do petróleo na Pensilvânia na segunda metade do século 19, que os fizeram definidores da I Grande Guerra; e após a II Grande Guerra, que levou o economista francês Jean Fourastié a cunhar a expressão “Os Trinta Anos Gloriosos”, onde os EUA, a Europa e mesmo o Brasil tiveram seus melhores momentos, no século 20, de desenvolvimento econômico e social.
Recordar o “Destino Manifesto” é assegurar que a expansão territorial está efetivamente no Projeto Trump. As “13 Colônias” ocupavam 970 mil km², e os EUA, excluído o Havaí, se estendem por pouco mais de 9.805 mil km². O Canadá tem território de 9.984 mil km², e a Groenlândia, 2.166 mil km².
Como mencionamos, o “Mare Nostrum” romano é hoje o Oceano Ártico. A Rússia ocupa quase a metade das margens deste Oceano, que, excluídas as porções onde apenas há encontro com outros mares/oceanos, só restam os países nórdicos (Finlândia, Suécia e Noruega), a Groenlândia, o Canadá e o Alasca, os dois últimos na América do Norte. Ou seja, Trump pretende dividir a ocupação do Oceano Ártico com a Rússia.
Por que esta consideração está sob o subtítulo Energia? Porque a maior parte do petróleo produzido pela Rússia está na Sibéria Ocidental e na ilha de Sakhalin, esta situada no Extremo Oriente siberiano. Ou seja, há petróleo, e muito, nas costas do Oceano Ártico. E mais, há também diversos minerais, inclusive os mais importantes para fabricação dos equipamentos e veículos para as novas tecnologias comunicacionais, que lá já foram encontrados.
O Oceano Ártico é um mundo a ser conquistado, mas a Rússia começou bem antes desta deglaciação. E, segundo cientistas do Reino Unido, cujos astrônomos conseguem prever os ciclos do Sol com precisão muito maior que no século passado, o planeta Terra pode entrar em pequena Era Glacial, já a partir de 2030. O tempo urge para Trump e seus comparsas.
E o volume deste petróleo russo pode ser confirmado pela proposta conjunta de Moscou e da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), em março do ano passado, de reduzir suas produções em 471 mil barris de óleo por dia. Obviamente sem que isto prejudique seus planos de desenvolvimento.
Donald Trump sabe que não há nos EUA nem no Canadá, que pretende ser o 51º estado da Federação, petróleo como o russo e do Oriente Médio, da Venezuela e do pré-sal brasileiro.
O que eles têm são folhelhos betuminosos cuja produção é muito diferente daquela dos reservatórios convencionais. A saída do Acordo de Paris, de 2015, não surpreende e está coerente com a aprovação e ampliação do uso do “fracking”.
Sinteticamente, esta modalidade inicia com a perfuração de poço horizontal de até três quilômetros, por onde será injetado, com grande pressão, um fluido de água e solventes, criando fissuras nas rochas, por onde escoará o “petróleo”. Este betume sofrerá um processo similar ao do refino para que se obtenha o óleo e o gás natural.
Porém os danos ambientais são imensos. Não só pelas infiltrações contaminando aquíferos, como pelo derrame nos terrenos circunvizinhos e, até, contaminando rios, com o pouco interesse que a ação privada dá a tudo que não resultar em lucro máximo.
Tem-se visto o que constitui o Plano Trump e suas razões. Sem dúvida que há a lógica de guerra, da agressão a toda sorte de direito, da vida humana ao respeito às soberanias nacionais. Porém o domínio das comunicações pela sociedade demonstrada por Trump, Musk e demais proprietários e Chief Executive Officers (CEOs) de empresas, plataformas e sites presentes à posse.
A primeira semana de governo Trump se encerra com a divulgação das 78 revogações e ordens executivas assinadas por Donald Trump, que tratam de: Imigração e Segurança Fronteiriça (10), Energia e Meio Ambiente (10), Políticas Sociais e Diversidade (10), Saúde e Políticas Públicas (10), Economia e Comércio (10), Defesa e Relações Internacionais (10), Justiça e Direitos Civis (10) e Administração Pública (8).
Ele mexeu com diversos vespeiros, que nada tem a ver com democracia e direitos humanos, mas do poder que as finanças lutaram desde o fim da I Grande Guerra para reconquistar e, com as desregulações e o Consenso de Washington, ambos na década de 1980, e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, finalmente alcançaram.
Brasil e seus imigrantes
Além dos discursos, há muitas provas desta nova eugenia lançada por Trump, como a seleção das companhias áreas que serão beneficiadas para levar, além das fronteiras estadunidenses, pessoas que se deixaram iludir com o sonho americano (iAero, Eastern Airlines, Kaiser Air, Omni Air International, GlobalX e a que está parada desde sexta-feira, 24/1/25, em Manaus, a Global Crossing Airlines), e do já acordado no primeiro governo Trump e Michel Temer, então presidente em 2017.
O jornal Gazeta do Povo (25/1/25) publica que “o Itamaraty informou que o voo faz parte de um entendimento entre os governos do Brasil e dos EUA que estabeleceu que brasileiros autuados pelas autoridades americanas só podem ser deportados após o esgotamento de todos os recursos possíveis para continuarem lá” (?).
Porém, “ainda segundo o Itamaraty, outros voos ocorrerão sob esse entendimento de 2017 ‘até segunda ordem’ da nova política de imigração de Trump. O Itamaraty ainda não se pronunciou sobre o pouso antecipado em Manaus”.
Já passou da hora de Lula pedir desculpas ao presidente venezuelano Nicolás Maduro, passar a defender a entrada da Venezuela nos Brics e defender a soberania brasileira. É uma vergonha se calar diante da ação verdadeiramente anti-humana e nazista que trata pessoas como gado pelo novo governo Trump. Ou será o bolsonarismo que se entranhou no atual governo petista, com orçamento secreto e outras ações anti-humanas, antipopulares e corruptas?
Examinar-se-ão, proximamente, as lutas antevistas nos planos interno e externo dos EUA de Trump contra as finanças apátridas e as perspectivas abertas com o poder multipolar, defendido pela China e com a grande repercussão que o aumento de países desejosos de pertencer aos Brics e os países da África do Sahel, em luta contra seus colonizadores, vêm demonstrando.
(*) Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.
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