Após mais de 110 palestinos famintos serem mortos ao avançarem sobre caminhões de ajuda humanitária (fuzilados pelo Exército israelense, atropelados pelos motoristas ou pisoteados pelo pânico), os Estados Unidos, que enviam armas a Israel, afirmam que vão mandar comida a Gaza pelo ar. É como entregar um Band-Aid com uma mão e lançar uma granada com a outra.
O presidente Joe Biden, preocupado com a perda do apoio de eleitores democratas críticos aos crimes de guerra promovidos pelo governo Benjamin Netanyahu, decidiu lançar migalhas em um território que sofre grave restrição de alimentos, água e medicamentos por conta do bloqueio israelense.
Como explicou Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, em conversa conosco no UOL News, nesta sexta (1), enquanto o paliativo vai ser jogado por aviões através de paraquedas, o Tio Sam continua enviando armas para Israel por mar, por terra, por ar.
Se quisessem de fato melhorar a vida dos palestinos que não têm culpa de estarem emparedados entre o terrorismo do Hamas e a limpeza étnica promovida por Netanyahu, e, ao mesmo tempo, dar um chance aos israelenses que estão sendo mantidos reféns, seria necessário um corte não apenas no apoio militar, mas também no suporte político ao seu aliado no Oriente Médio.
Pois isso não é uma retaliação ao Hamas ou uma busca por reféns, mas uma tentativa de redesenhar o mapa da região e, com isso, evitar que o impopular Netanyahu seja apeado do poder.
Uma mudança na política norte-americana para a Palestina passa não só pelas críticas abertas às ações de Tel Aviv, mas por parar de bloquear as resoluções no Conselho de Segurança da ONU que pedem um cessar-fogo. O problema é que, a esta altura, mesmo que a Casa Branca fizesse isso, os parlamentares do Capitólio, republicanos e parte dos democratas, poderiam manter o apoio militar ao aliado no Oriente Médio.
Além disso, vai ser muito difícil fazer com que uma parcela dos eleitores de Biden em 2020, principalmente os mais jovens e os de origem islâmica, saiam de suas casas para reelegê-lo após os mais de 30 mil mortos em Gaza e a destruição do território, que se seguiram ao ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro.
Na esteira da contenção eleitoral de danos, os EUA pediram a Israel, e outros destinatários de armamentos produzidos no país, assinarem uma cartinha se comprometendo a não violar direitos humanos com os equipamentos. Parece piada, uma vez que, para Netanyahu, nunca houve violação na ação em Gaza.
E o compromisso só terá efeito só daqui a 45 dias. Até lá, Israel já terá feito seu ataque final a Rafah, ao Sul, para onde, no início da invasão, o Exército mandou os palestinos migrarem, prometendo que estariam seguros.
Mais de um milhão se aglomera em campos de refugiados, abrigos improvisados e residências precarizadas, passando fome e aguardando para morrer.
“Não há lugar seguro em Gaza”, me disse o médico Ahmed Muhanna, diretor do hospital Al Awda, em Jabalia, Norte do território, antes de ser levado pelo Exército israelense ao se negar a fechar as portas da única unidade médica que atendia emergências e partos na região.
Hoje, completam 77 dias de seu sequestro. Não há notícias dele.
(*) por Leonardo Sakamoto Colunista do UOL