No Dia Mundial da Água, 73% dos brasileiros acreditam que esse é um bem pouco cuidado
No Brasil, cerca de 33 milhões de pessoas vivem sem acesso à água potável, segundo dados divulgados pelo Instituto Trata Brasil. O dado chama a atenção pelo fato de o país abrigar dois dos maiores aquíferos do mundo – o Guarani, localizado no Centro-Sul do país, e o Alter do Chão, na Região Norte.
A dificuldade de acesso a esse recurso natural abrange diversas regiões do país, segundo a presidente do Trata Brasil, Luana Pretto.
“Somos um país muito rico em água doce. Mesmo assim, até mesmo os povos ribeirinhos do Rio Amazonas vivem problemas para terem acesso à água potável”, disse à Agência Brasil.
O Trata Brasil divulgou a 16ª edição do Ranking do Saneamento, levantamento que abrange os 100 municípios mais populosos do país. O documento foi elaborado a partir de indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e tem como ano-base 2022. “Em média, 33 milhões de pessoas não têm acesso à água do nosso país. Ou seja, apenas 84,9% da população é hoje abastecida com água potável”, destaca Luana Pretto.
Segundo o levantamento, dos municípios analisados, apenas 22 têm 100% de abastecimento de água. Os piores resultados foram observados em Porto Velho, com apenas 41,74% da população tendo acesso à água potável, seguido de Ananindeua (PA), com 42,74%; Santarém (PA), com 48,8%; Rio Branco, com 53,5%; e Macapá, com 54,38%.
“Infelizmente, o saneamento, principalmente na Região Norte, está bastante deficitário, com apenas 64,2% da população tendo acesso à água. Isso acontece porque este é um tema pouco priorizado, pelo fato de historicamente se enxergar, ali, tantos volumes de recursos hídricos, o que leva as pessoas a acreditarem que se trata de um bem infinito e fácil de ser obtido”, explica a presidente do Trata Brasil.
Ela diz que é comum, na região, as pessoas cavarem poços e consumirem a água do rio, sem entender que essa água pode estar contaminada, fora dos padrões exigidos pelo Ministério da Saúde.
Luana Pretto critica o fato de a população pouco cobrar do poder público avanços no saneamento. Com isso, os governantes acabam não priorizando esse tema e não criam planos de investimentos na área.
“A Região Norte investe, em saneamento básico, R$ 57 por ano para habitante, quando a média de investimento para a gente atingir a universalização do acesso saneamento seria de R$ 231 anuais por habitante. É um investimento muito aquém do necessário”, acrescenta.
Também por conta do Dia Mundial da Água, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) chama a atenção para um problema: 2,1 milhões de crianças e adolescentes até 19 anos vivem sem acesso adequado à água potável no Brasil.
Já segundo dados da pesquisa “A percepção dos brasileiros sobre segurança hídrica” realizada pela The Nature Conservacy Brasil (TNC) com o apoio técnico do Instituto Ipsos, “a água é um recurso natural muito utilizado e pouco cuidado”. Essa é a percepção de sete em cada 10 brasileiros. Além disso, na avaliação de problemas ambientais, 78% da população nota um aumento na poluição das águas nos últimos quatro anos no país.
A percepção vem ao encontro dos dados do Atlas do Saneamento divulgados pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) em 2017, que mostrou que o Brasil tem cerca de 114 mil quilômetros de rios com a qualidade da água comprometida, uma extensão equivalente a quase três vezes a circunferência do Planeta Terra.
Os brasileiros também classificam o meio ambiente como uma atenção prioritária, sendo que dentre questões como por exemplo queimadas, desmatamento, poluição do ar e descarte incorreto do lixo, os eventos climáticos extremos relacionados à água como secas e enchentes são o principal ponto de preocupação, levantado por 83% dos entrevistados.
O relatório aponta uma disparidade entre as classes sociais no entendimento sobre mudanças climáticas: As populações menos favorecidas indicam menor associação entre problemas ambientais e mudanças climáticas, enquanto os mais privilegiados têm um entendimento mais amplo. No Sudeste destaca-se a alta preocupação de extremos climáticos com aumento no preço dos alimentos.
Por outro lado, 62% dos entrevistados declararam que a restauração florestal tem impacto positivo na conservação das águas. Reforçando este entendimento sobre a importância das ações que conservam, gerenciam de forma sustentável ou restauram os ecossistemas naturais, a recuperação florestal foi apontada por 45% dos ouvidos como medida mais indicada para garantir a segurança das águas, ficando atrás apenas da fiscalização das leis (53%) e programas de educação ambiental (50%).
O gerente nacional de Sistemas de Água e Alimentos da TNC Brasil, Samuel Barrêto, destaca primeiro a percepção dos riscos ambientais, especialmente os relacionados aos extremos climáticos já fazerem parte da realidade brasileira. Sendo que os mais vulneráveis têm sentido mais esses impactos. “Além disso, é muito interessante verificar que uma boa parte da população brasileira considera que a conservação e a restauração florestal das bacias hidrográficas ajudam a combater as mudanças climáticas e a proteger as nossas águas”, completa.
No entanto, o especialista lembra que é praticamente zero os investimentos realizados pelo setor do saneamento, um dos responsáveis pelo cuidado com a água, em soluções da chamada infraestrutura verde para proteção dos mananciais que abastecem as pessoas nas cidades e que tiveram suas bacias hidrográficas desmatadas ou cujos rios tiveram seus cursos de água interrompidos ou comprometidos.
A pesquisa também apontou que 58% da população brasileira está muito preocupada com a falta de água. O consumo excessivo ou desperdício são vistos como os principais responsáveis por este problema na visão de 27% dos entrevistados. Em segundo lugar ficaram as mudanças climáticas, opção escolhida por 21% dos que responderam à pesquisa. Há também uma percepção crescente da falta de cuidado e alto uso, na medida em que o público é mais velho ou de classes mais altas, ou ainda de maior escolarização. O Nordeste considera a situação ainda mais grave, mas ambas as regiões NE e SE avaliam o cuidado negativamente.
Pessoas menos escolarizadas atribuem mais a falta de água à escassez de chuvas, enquanto mais escolarizados enfatizam os problemas de gestão. Além disso, 68% da população acredita que evitar o desperdício seja a principal medida que as empresas devem adotar para proteger as nascentes e as bacias hidrográficas.
No entanto, pessoas menos escolarizadas (com Ensino Fundamental completo ou incompleto) atribuem a falta de água à escassez de chuvas, enquanto pessoas mais escolarizadas (com Ensino Superior ou Pós-graduação) enfatizam problemas de gestão. Os dados mostram ainda que, enquanto a maioria (75%) afirma que adota o não desperdício como ação de proteção da água, apenas 12% participam de ações coletivas locais com o mesmo objetivo.
“Este dado nos mostra a necessidade de criar canais mais efetivos de comunicação e engajamento com toda a população para combinar as ações individuais do cidadão com esforços coletivos, que são aqueles que têm condições de lidar de forma mais estratégica com esses fatores que são complexos São as ações estruturantes e adaptadas às mudanças climáticas que farão a diferença na construção de um futuro possível para todos”, analisa Barrêto.
Nesta linha, 43% dos entrevistados apontam a gestão integrada dos recursos hídricos entre governos, sociedade civil e empresas como as principais medidas para garantir a segurança hídrica, identificando a necessidade da colaboração para o desenvolvimento de soluções mais ágeis e eficazes. Mas 70% da população nunca ouviu falar sobre os Comitês de Bacia Hidrográfica e entre os que conhecem os comitês, 42%, não conhece o seu trabalho.
Atualmente, existem mais de 230 comitês de bacias instituídos no país, sendo responsáveis por promover uma gestão descentralizada em esforços para aprimorar a qualidade da água.
“m exemplo bem-sucedido de gestão foi o realizado no Rio Jundiaí, em São Paulo, em que diretrizes fortes em ações de saneamento, investimento financeiro duradouro e engajamento da sociedade civil melhoraram a qualidade da água. Essa transformação permitiu, após o tratamento da água, abastecer milhares de pessoas durante a pior seca do estado, nos anos de 2014 e 2015. É indispensável traduzir o que essa instância significa e engajar a sociedade sobre a importância e o papel dos Comitês de Bacia para o cuidado com água, além de ser um espaço de participação para essas ações coletivas que envolvem governos, sociedade e usuários de água, como as empresas”, reforça Barrêto.
O levantamento sobre a percepção da população sobre a importância da conservação da natureza e proteção das nascentes e dos rios para garantir a segurança hídrica, desenvolvimento econômico e bem-estar social foi realizado pela Ipsos a pedido da The Nature Conservancy Brasil (TNC). Foram ouvidas 1.499 pessoas, homens e mulheres maiores de 18 anos das classes ABCDE, de todas as regiões do país, entre os dias 8 e 15 de fevereiro deste ano com uma margem de erro de 2,5 pontos percentuais. O método de coleta foi híbrido, com as classes ABC entrevistadas virtualmente e as classes DE face a face.
A fim de garantir água potável a todos brasileiros, tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição que, se aprovada e promulgada, incluirá a água na lista de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Apresentada em 2018 pelo então senador Jorge Viana (PT-AC), a PEC tramita agora na Câmara e tem como relator o deputado Pedro Campos (PSB-PE). Segundo ele, a PEC 6/2021 é um “passo importantíssimo para garantia do acesso à água para milhões de brasileiros que hoje não têm acesso à água potável e tratada”.
“Colocar na Constituição a garantia do acesso à água enquanto direito fundamental fortalece todas as políticas públicas que existam na área de saneamento. Inclusive fortalece a demanda pelo Orçamento público, já que obras de saneamento e de abastecimento de água ainda demandam bastante orçamento”, argumenta o relator.
A expectativa de Campos com relação à tramitação é “muito positiva”.
“A gente já conseguiu aprovar na Comissão de Constituição e Justiça e estamos aguardando a montagem da comissão especial que vai avaliar o mérito”, diz o deputado.
“Como existia mais de uma proposta de PEC apensada, teve então alguma discussão dentro da Comissão de Constituição e Justiça porque alguns dos textos falavam em vedar privatizações e outros assuntos que são mais polêmicos. Mas o texto principal do Senado é um texto bastante sóbrio que traz essa questão do acesso à água potável enquanto direito fundamental. Tenho certeza de que, em uma comissão especial, esse texto teria total possibilidade de ser aprovado”, acrescenta.
Com informações da Agência Brasil