O presidente Lula pode amargar frustração por não conseguir emplacar Guido Mantega, homem de sua confiança, ex-ministro da Fazenda nacionalista mais longevo da República, na presidência da Vale, maior empresa de mineração brasileira, no planeta terra.
A razão central dessa possibilidade decorre do fato de que a companhia, gigante multinacional de produção de ferro, níquel e cobre, foi completamente dominada pelo conceito de financeirização econômica, que passou a dominá-la como corporação no molde vigente nos Estados Unidos, sob comando e fundos de investimentos que atuam em escala global.
O interesse fundamental dos fundos, orientados pela financeirização, é o de obter resultados financeiros de curtíssimo prazo, priorizando distribuição de lucros e dividendos a cada trimestre, desconectados do interesse de longo prazo, que norteia, por exemplo, estratégia nacionalista, que rege o pensamento do acionista governo, relativo à mineradora.
A pulverização imposta pelo modelo “Corporation” americano da empresa em diversos acionistas, de modo que o controle acionário não se realiza por individualidades, sendo necessárias articulações de múltiplos interesses de acionistas minoritários, para emplacar direcionamento adequado do negócio, sintonizado com a demanda financista, torna impossível predomínio do interesse público sobre o interesse privado.
A nova estratégia do Corporation, que substitui acordo de acionista, que predominou desde 1997, com privatização da Vale, pelo governo FHC, foi introduzida pelo governo ultraneoliberal fascista de Jair Bolsonaro, sob orientação do financista especulador, mercadista, ex-ministro da Fazenda, Paulo Guedes.
BNDES SAI E FRAGIIZA GOVERNO
Guedes é o responsável por romper o equilíbrio do controle da Vale pelo governo ao vender participação do maior banco de investimento público, o BNDES, na companhia, fragilizando o poder de fogo estatal, ao lado de outros acionistas públicos, como o fundo de pensão Previ, dos funcionários do Banco do Brasil.
Antes, davam as cartas na companhia o BNDES, a Previ e os acionistas privados Bradesco e a Mitsui japonesa, quando o gestor era escolhido em comum acordo, para que vigorasse visão estratégia de médio e longo prazo, no empreendimento, embora ele tenha sido privatizado pelos tucanos, sob orientação do Consenso de Washington.
A partir de 2019, Bolsonaro-Guedes liquidou a participação do BNDES no negócio, deixando, apenas, a Previ, com participação majoritária de 8,7% no total das ações, porém, sem poder suficiente para dar as cartas na administração, embora preservasse direito de voto para ditar destino das minas como reserva de subsolo de propriedade estatal.
O conjunto dos acionistas privados articularam entre si a nova correlação de forças e colocou o governo em condição de fragilidade: Previ, 8,7%; Mitsui, 6,3%; Black Rock, 5,8%; Cosan, 4,9%; Bradesco, 3,8%; Tesouraria, 5,2% e outros, 65,3%.
O novo poder na companhia, que, em 2018, produziu 385 milhões de toneladas, gerou receita de R$ 226 bilhões e lucro líquido de R$ 96,3 bilhões, passou a ser ditado pelo puro financismo rentista especulativo de curtíssimo prazo.
Tal orientação neoliberal acabaria levando a empresa ao desastre ambiental de Brumadinho e à queda de produção para 302 milhões de toneladas (2019), 308 milhões/ton. (2022), com previsão de 340 a 360 milhões até 2026.
Prioritariamente, administrada não mais por acordo de acionista, mas conforme regras neoliberais ditadas pela Lei das S/A, regras da CVM e orientação da Bolsa de Valores de São Paulo(B3), a Vale se voltou para o curtíssimo prazo, com a direção da empresa desconectada do interesse público.
Seguiu a linha da financeirização, característica de gestão dos fundos de investimentos que passaram a dar as cartas na companhia em regime de monopólio.
VITÓRIA DA VISÃO DE CURTO PRAZO
O planejamento de médio e longo prazo, preferência do ex-sócio majoritário, ou seja, o governo federal, até antes da ascensão ultraneoliberal de Bolsonaro-Guedes, deixou de ser perseguido, para dar lugar à prioridade do setor privado: distribuição de lucros e dividendos trimestrais e não expansão de novos investimentos, com expectativa de industrialização das matérias primas extraídas, ferro, níquel e cobre.
Especialmente, depois do desastre ambiental com transbordamento da represa de rejeitos em Brumadinho, que produziu revolta popular contra a empresa, processada e condenada a pagar cerca de R$ 40 bilhões de indenização, contestada na justiça mineira, juízes suspeitos de corrupção têm sido manipulados pelo financismo especulativo pelos acionistas privados.
O governo, frente ao desastre ambiental e cobrado pela sociedade para pôr termo à gestão temerária da Vale, despreocupada com a segurança e integridade da população de cidades ameaçadas pelas barreiras de rejeitos de minérios, buscou retomar o controle da empresa, mas não conseguiu barrar as articulações dos cotistas privados.
O setor privado agiu o mais rápido possível para evitar avanço das condenações judiciais e pagamentos bilionários de indenizações, contando, para tanto, com apoio político de governadores, como o de Minas Gerais, Romeu Zema, privatista radical, filiado ao partido Novo, que está passando nos cobres patrimônio público mineiro a preço de banana.
LÓGICA PREDOMINANTE DA FARIA LIMA
Tais condições de desmoralização da empresa estavam jogando a favor do interesse do presidente Lula para retomar o controle da Vale, por intermédio de gestor de sua confiança, como o ex-ministro Guido Mantega, nacionalista, favorável a uma nova administração estratégica de médio e longo prazo da maior mineradora do mundo.
Falou mais alto, porém, o interesse privado, essencialmente, multinacional, dominado pelos fundos de investimentos, que desejam impor a visão de Paulo Guedes, essencialmente, financista, rentista, especulativa.
A Vale, portanto, está submetida à lógica da Faria Linha, de multiplicar rendimentos privados no processo de financeirização, como ocorre em relação à dívida pública, que paga Selic recorde no mundo, formada pelo Banco Central Independente (BCI), à revelia da estratégia econômica desenvolvimentista que Lula propõe implementar com o PAC.
A conspiração contra Mantega virou surrealismo: as ações da Vale estariam subindo com eventual desistência dele em assumir a empresa e o mercado especulativo culpa o ex-ministro por ter produzido prejuízos artificialmente construídos na bolsa!
(*) Por César Fonseca, jornalista, atua no programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, é conselheiro da TVCOMDF e edita o site Independência Sul Americana.